Como nosso amigo outsider pediu uma matéria sobre o cenário The God-Machine Chronicle, e como eu não estou acompanhando o novo Mundo das Trevas de perto, resolvi não me arriscar a resenhar o livro e, ao invés disso, procurei um artigo que apresentasse suas impressões sobre o livro. Achei um artigo que fala não só sobre o livro do cenário, mas também dois suplementos para ele. Se tiverem outras sugestões de artigos, deixem-nas nos comentários. Boa leitura!
The God-Machine Chronicle (e outros)
S. P.
Voltando aos dias escuros e distantes de 2004, a White Wolf Publishing reiniciou o sua famosa linha de produtos Mundo das Trevas para extirpar treze anos de tramas cada vez mais complicadas e criar algo mais acessível para os fãs. Para estabelecer o tom do jogo, os capítulos iniciais dos livros apresentam contos em forma de “documentos descobertos”, o tipo de documento que os personagens poderiam encontrar ao investigar um mistério no Novo Mundo das Trevas (nMdT). Uma das histórias é um conto chamado Voice of the Angel (para aqueles que não têm acesso aos livros, esse link dá acesso a uma amostra da antologia The God-Machine Chronicle no DriveThruRPG – em inglês).
Voice of the Angel detalha o testamento do fictício Marco Singe, o “Profeta da Dor de Nova Deli”, que recebeu de um anjo uma revelação sobre a verdade do mundo. O anjo revelava que o mundo era a criação e o motor de um “Deus-Máquina”, e que os seus maiores anjos foram exilados e amaldiçoaram a humanidade com seus vários defeitos (o anjo que concedeu a mortalidade à humanidade foi enterrado na Lua, mas o seu corpo eventualmente foi encontrado e recuperado pelos astronautas da Apollo).
Esta história não tinha a intenção de revelar a verdade sobre o Mundo das Trevas – ela era apenas os devaneios de uma mente doentia, ou uma alegoria sobre coisas verdadeiras, ou possivelmente nada. Durante a impressão dos livros, apareceram várias referências a esse “deus-máquina” (a aventura para Promethean: The Creation (PtC) These Mortal Engines apresenta um pedaço do Deus-Máquina, em Vampiro: o Réquiem (VoR) o livro The Danse Macabre apresenta um grupo de vampiros chamado Santos Engenheiros que servem o Deus-Máquina – especificamente o Anjo da Morte da Lua, que jaz morto, mas sonhando), mas nenhum deles era definitivo: eram coisas meramente assustadoras que podiam ser verdade.
No entanto, a White Wolf (ou a Onyx Path Publishing, como agora é conhecida) acaba de lançar The God-Machine Chronicle, um cenário e atualização de regras, bem como uma antologia de contos de apoio, projetadas para revelar o Deus-Máquina e permitir a sua utilização como um cenário de campanha para o Mundo das Trevas. Assim como os materiais lançados, esse artigo será dividido em três partes:
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God-Machine Chronicle se concentrará nas atualizações de regras e cenário.
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God-Machine Anthology irá se focar na antologia de contos lançada para contribuir com o novo cenário.
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Demon: the Descent abordará a nova linha de jogos do nMdT que parece acontecer dentro do cenário de campanha de God-Machine Chronicle.
Os interessados também podem ver as impressões de Mordicai Knode sobre o Deus-Máquina em tor.com.
God-Machine Chronicle
O God-Machine Chronicle pega o cenário implícito em Voice of the Angel e o transforma em uma campanha. Ao manter o mistério obscuro e a natureza faça-você-mesmo do novo Mundo das Trevas, esse livro se parece mais com um kit de ferramentas desenvolvido para permitir que Narradores criem uma campanha tendo o Deus-Máquina e seus agentes como adversários (geralmente). O Deus-Máquina não está completamente definido; há indícios de que ele é poderoso, e que ele pode ser visto como uma divindade tanto por seu grande poder como porque ele é o mecanismo que mantém o mundo em funcionamento (diversas notas indicam que a interrupção das operações do Deus-Máquina pode causar grandes problemas, possivelmente até mesmo acabar com o mundo se muitas forem desfeitas. A liberdade da humanidade viria a um custo terrível). A razão pela qual o Deus-Máquina é um antagonista é devido a sua natureza Lovecraftiana – o Deus-Máquina não pode ser plenamente compreendido por mentes mortais, e ele faz o que é necessário. Se uma cidade inteira deve morrer para abastecer os desígnios do Deus-Máquina, então que assim seja.
Como o Deus-Máquina não está totalmente definido, as histórias que incluem o Deus-Máquina também são vagamente definidas. As coisas foram feitas para serem modular, de forma que os Narradores possam montar uma campanha completa utilizando as várias ideias apresentadas no livro. O primeiro capítulo apresenta uma série de crônicas que podem ser jogadas ao se encadear as histórias apresentadas no Capítulo 2; cada crônica irá apresentar uma faceta diferente do Deus-Máquina com base em como a histórias progride. O Capítulo 3 fornece uma série de PdM, tanto mortais quanto sobrenaturais, para serem usados nas crônicas do Deus-Máquina, alguns deles são citados nas histórias do Capítulo 2, enquanto outros não estão vinculados a nenhuma história em particular, sendo apresentados para uso geral.
Todos os kits de ferramentas apresentados utilizam-se dos estranhos mistérios do Mundo das Trevas e reduzem a fantasia, se baseando mais nos cânones da ficção científica. Viagem no tempo, universos paralelos e entidades robóticas, todos têm o seu lugar. Também deve-se notar que esses elementos podem ser usados no Mundo das Trevas básico com ajustes mínimos, simplesmente removendo o Deus-Máquina (ou deixando-o como uma entidade única, que só aparece na história) – estou considerando seriamente colocar o jantar de “Do- Over” em um dos meus jogos como um cenário sobrenatural, e a geografia estranha da paisagem urbana (sem dúvida influenciada pelo mesmo pensamento que nos trouxe Unknown Armies’ Otherspaces) fazem de “Sister City”, com sua Outra Seattle, outra escolha lógica (nenhum personagem ainda descobriu isso, mas no meu jogo, Las Vegas tem uma contraparte sinistra chamada “Sin City”). Embora o livro obviamente seja um kit de ferramentas para crônicas, pode-se facilmente pegar as ideias e usá-las em uma única aventura – talvez o Deus-Máquina seja onipresente, mas somente apareça na campanha brevemente, ou talvez o Deus-Máquina esteja fazendo incursões em outro universo (esta última fica implícita várias vezes como uma possibilidade em The God-Machine Chronicle).
Após a introdução e os três primeiros capítulos vem o Apêndice, a atualização das regras. Isso leva o conjunto de regras do Mundo das Trevas para o território do jogo orientado a história, pegando um monte de pedaços variados de Mirrors e de outras fontes para fazer uma frente unificada. O sistema de Mérito foi refeito para refletir as mudanças no sistema de regras ao longo do tempo. A Moralidade foi substituída pela Integridade – o medidor de karma residente ficou mais subjetivo e não causa transtornos incapacitantes por transgressões. Defeitos e várias regras complicadas deram lugar a Condições, “rótulos” de personagem que oferecem benefícios e desvantagens temporários. Resolver uma Condição é um dos principais componentes do sistema de experiência – em vez do antigo método das cinco perguntas (Seu personagem aprendeu alguma coisa? Sua interpretação foi excepcional?), os personagens ganham experiência ao completarem seus objetivos de personagem e ao superar Condições. (Superou o seu vício em heroína? Ganhe XP. Foi chantageado e cedeu às exigências? Ganhe XP). O sistema de experiência também foi revisado – você recebe menos pontos de experiência, mas eles valem mais e tendem a ser diretamente correlacionados com os pontos de personagem para facilitar os cálculos. Há também entradas sobre confronto social, novas regras de combate e alterações semelhantes que tentam apresentar um sistema mais unificado a partir de vários livros na linha de jogo.
A história também é digna de nota: a coisa toda exala atmosfera. Os contos entre capítulos são enigmáticos, assustadores e contradizem com a ficção científica sinistra de God-Machine, enquanto o prólogo (Dissemination) mostra o que provavelmente é um universo paralelo onde os desígnios do Deus-Máquina provoca um tipo de evento mundial terrível. Por todo o livro estão espalhados documentos que detalham a comunicação entre vários personagens – estes documentos mostram as maquinações do Deus-Máquina ao longo do século XX, afetando as vidas de várias (num primeiro momento, ao que parece) pessoas diferentes.
De maneira geral, estou satisfeito com o livro. Ele me inspirou com um monte de ideias para crônicas, que é a coisa mais fácil que alguém pode dizer sobre o livro. No entanto, eu realmente não fiquei tão impressionado com a atualização das regras. Elas acabam sendo mais trabalhosas de diversas maneiras (manter o controle das Condições provavelmente vai ser algo inconveniente), e o aspecto de narrativa parece um pouco forçado. Tendo dito isso, eu provavelmente usarei as novas regras, mas não em todos os jogos.
Além disso, a Onyx Path voltou ao antigo padrão White Wolf de um grande número de erros de digitação, então isso é uma coisa para se destacar.
Se você baixou a atualização gratuita das regras e quiser obter mais material do tipo kit de ferramentas para jogar uma crônica do estilo implícito por Voice of the Angel, você absolutamente deve comprar esse livro. Se você não ficou tão impressionado com as regras e quer um cenário pronto, você pode não querer este livro. Agora, se você é um fã ardoroso do Mundo das Trevas, você deve absolutamente comprar esse livro. O que nos leva a…
God-Machine Anthology
The God-Machine Chronicle também se refere a uma antologia de contos de terror. Várias das histórias apareceram em livros anteriores (“Voice of the Angel” foi retirado do Livro de Regras Básicas Mundo das Trevas, “Eggs” foi retirado de World of Darkness: Urban Legends, “Road Gospel” foi retirado World of Darkness: Midnight Roads e assim por diante), mas treze dos vinte contos são novos, escritos para esse livro.
Tal como acontece com o livro de regras, a antologia de contos fornece um monte ambientação e um monte de ideias, mas oferece muito poucas ideias concretas. Ela confunde a questão; o Deus-Máquina não está definido, embora haja uma lógica evidente em suas operações.
A maior parte dos contos originais assume um nítido tom de conspiração. “The King Is Dead” detalha o terrível segredo de uma cidade pequena, “Quality of Life” faz o mesmo, embora com um tom mais Mulheres Perfeitas do que a sensação de Twin Peaks de “The King Is Dead”. Tanto “Delivery Boy in Blue” como “Concession” revelam que algo está terrivelmente errado no departamento de polícia local (na verdade, o mesmo departamento de polícia), enquanto “Grind” segue dois caipiras que se deparam com a carga secreta de um agente solitário da Força-Tarefa: VALKYRIE (é também uma história forte para encerrar a antologia).
Apesar da obsessão da Onyx Path com erros de digitação, você deveria ler a antologia; por cinco dólares você recebe o arquivo em pdf, mobi e epub. E olha que isso vem de alguém que normalmente não suporta contos de jogos – eu tolerava quando tinha, talvez, dez anos de idade, mas a qualidade geralmente é ruim (uma vez, um amigo me emprestou Predator & Prey #3: Werewolf for Hunter: the Reckoning dizendo que era incrível, faça um favor a si mesmo e nunca o leia). Esse, entretanto, é bom e assustador.
O que nos leva a…
Demon: the Descent
A White Wolf deve lançar uma nova linha de jogos nos próximos meses. Chamada de Demon: the Descent, ela se afasta fortemente do antigo jogo da White Wolf, Demônio: a Queda. Em vez de anjos caídos de um deus judaico-cristão, os demônios do título são os anjos caídos do Deu-Máquina. Esses anjos são criados quando eles ganham um pouco de autoconhecimento, mais frequentemente ao absorver uma programação conflitante ou ao embutir-se tão profundamente na sociedade humana que eles se tornam uma fachada. Assim, os demônios do Deus-Máquina são menos Lúcifer e mais Agente Smith.
Claro que, sendo o Deus-Máquina quem é, uma questão fundamental é se os demônios são parte do plano ou não.
Até o momento, não há um livro básico para título (o cronograma de lançamento indica que ele vai ver lançamento em algum momento de Outubro – NT: O livro ainda não foi lançado), mas a White Wolf lançou o Demon: the Descent Quickstart. Ele oferece uma visão geral de Demon: the Descent, revelando que os demônios do título são agentes desgarrados do Deus-Máquina. Para evitar ser descoberto, cada demônio adota um Disfarce, uma identidade humana e medidor de carma do jogo. Quanto melhor for o Disfarce do personagem, mais difícil será para o Deus-Máquina descobrir o agente desgarrado (como isso sugere, a filosofia de Demon inspira-se fortemente na filosofia de espionagem; também, embora Deus-Máquina seja mais poderoso nas cidades, eles preferem as cidades porque elas fornecem camuflagens mais eficazes. Um demônio em regiões isoladas chama muito a atenção).
Além de uma visão geral das regras, o Quickstart também fornece quatro personagens prontos, assim como a descrição de seus poderes. Os demônios ainda conservam alguma capacidade de manipular a programação do Deus-Máquina (estes poderes menores são chamados de Embutir – Embed no original – e representam a utilização prática das leis naturais pelo Deus-Máquina), mas como agentes livres, eles também podem dobrá-la à sua vontade. Esses poderes são chamados de Explorar – Exploits no original; eles são mais potentes que Embutir, mas chamam mais a atenção do Deus-Máquina e seus agentes (um dos personagens prontos possui um Embutir que lhe permite trocar de roupa à vontade, enquanto o Explorar do mesmo personagem permite que ele se torne uma sombra viva que pode se fundir com as sombras dos outros).
Após as regras vem uma aventura curta, “Honey & Vinagre”, projetada para introduzir os jogadores ao estilo de vida de espionagem misteriosa dos demônios.
Apesar de ser um documento curto e gratuito, ele ajuda a complementar a visão que se tem do Deus-Máquina, e é uma leitura obrigatória para quem teve tempo de ler The God-Machine Chronicle e a respectiva antologia de contos que o acompanha.
Conclusão
Tal como aconteceu com a maioria de suas linhas com impressão limitada e única tiragem, o novo material da White Wolf é um excelente jogo de horror estranho. Se você gosta da estranheza da Promethean ou Changeling (ou mesmo apenas do livro básico do Mundo das Trevas), você deveria conferir o novo material sobre o Deus-Máquina. Se você preferir o estilo de jogo mais político e místico pelo qual o Mundo das Trevas é famoso, esse cenário pode não ser para você – God-Machine é menos sobre poderes políticos e mais sobre mistérios obscuros e pura sobrevivência.
Link para o artigo original:
http://psychicmayhem.blogspot.com.br/2013/09/review-god-machine-chronicle-and-others.html
Traduzido e adaptado por Rafael Silva