Arquivo RedeRPG: Fazendo o seu grupo funcionar

Fazendo o seu grupo funcionar é outro artigo escrito pelo Newton “Tio Nitro”, e publicado no antigo portal (1.653 leituras) em 7 de março de 2004. Nele Nitro apresenta algumas ideias e sugestões para fazer com que um grupo trabalhe como um time. Confira a seguir.


Fazendo o seu grupo funcionar

No texto anterior, o “Criando personagens com alma“, eu coloquei algumas considerações sobre a importância de se criar personagens com história, com um passado o que ajudaria a desenvolver sua personalidade, suas motivações, seus desejos; ou seja, sua alma.

Recebi diversos comentários, e um dos mais perspicazes foi uma observação sobre o fato de que personagens detalhados em Dungeons and Dragons podem correr o risco de ficar individualistas, preocupados com suas próprias motivações. Esses personagens se encaixariam melhor em outros jogos de RPG como Trevas, Arkanum ou Vampiro, onde o “horror pessoal” e o individualismo são mais preponderantes. Bem, apesar de concordar com o fato de que personagens detalhados podem se tornar individualistas, penso que isso acontece mais por culpa do jogador do que do seu personagem. Existem jogadores, que não importa o tipo de personagem que tenham, que sempre serão individualistas, não dando a mínima para o grupo ou para a aventura.

Personagens detalhados, quando são bem construídos, ficam mais fáceis de serem representados. Porém, se não existe uma boa vontade do jogador, se não existe um senso de que RPG se joga em grupo, aí não há histórico pessoal que dê jeito! E quando o grupo começa a discutir demais, com cada jogador querendo fazer uma coisa diferente, o coitado do Mestre chega a uma terrível e horrenda conclusão:

“ESSE GRUPO NÃO FUNCIONA”!

Todo Mestre, alguma vez em sua vida de RPG, deve ter se deparado com essa situação. Jogadores individualistas, que discutem e não conseguem fazer com que seus personagens trabalhem em equipe. Então vem a fatídica pergunta:

“COMO FAZER O MEU GRUPO FUNCIONAR?”

Antes de aliviar o sofrimento comum à muitos mestres, vou primeiro contar algumas experiências que aconteceram comigo quando os grupos não funcionavam e a solução que eu dei naquele momento.

Um dos cenários mais propícios para um grupo de aventureiros se tornar “disfuncional” é Ravenloft, principalmente quando os jogadores resolvem jogar com personagens malignos! Certa vez, apesar dos avisos da minha consciência, resolvi mestrar uma aventura clássica, a excelente Feast of Goblins (que está disponível para download gratuito no site da Wizards) e para dar um gostinho à mais, resolvi fazer um grupo onde metade dos jogadores seriam Lobisomens, e a outra metade seriam heróis normais. Os heróis normais não saberiam que os outros jogadores eram Lobisomens e faziam parte do grupo do vilão da história, o saudoso Arkon Lucas, o supremo comandante licantropo.
Bem o que aconteceu era fácil de prever. Os personagens malignos do grupo deram tanta bandeira que a verdade veio à tona rapidamente. O grupo partiu para a autodestruição, para a ignorância total. Se eu não intervisse, toda a minha aventura e o meu suado dinheirinho gasto no suplemento de Ravenloft (e na época elas eram muito caras de se importar) iriam por água abaixo. No meu desespero, a primeira coisa que me veio à mente foi o seguinte:

“Eles precisam algo que os una!”

Quando um grupo começa a partir para a autodestruição, quando é formado de personagens que se odeiam profundamente e que sempre discutem, é o momento de usar a técnica do “Watchmen”! E o que vem a ser essa técnica? É a grande solução que o Senhor do Caos Alan Moore deu em sua saga: a melhor maneira de se conseguir a união entre inimigos é criando um inimigo em comum muito mais forte e poderoso. No caso dos lobinhos e dos heróis, eu eliminei a fonte da discórdia e dei para eles um motivo muito forte para se unirem: fiz com que o vilão Arkon Lukas descobrisse a localização do grupo e no momento do ataque surpresa, o vilão decidiu que os seus agentes eram traidores e mereciam morrer junto com os heróis. É claro que deixei o grupo escapar, mas com a perseguição feita por Arkon Lucas os muitos lobisomens sob o seu comando, eles rapidamente perceberam que se não se unissem, iriam ser aniquilados.

Essa solução para fazer um grupo funcionar baseia-se em dois motivos principais para o comportamento humano (personagem também é gente!): o ESTÍMULO e a NECESSIDADE.

Se os personagens não se dispõe a cooperar, se o estímulo à cooperação não funciona, o Mestre deve sempre apelar para a solução infalível da “necessidade”. Ou seja, se eles não cooperarem, se não trabalharem em grupo, irão morrer.

Parece simples, mas não é. O mestre tem que estar atento para fazer com que a cooperação seja realmente necessária. Uma sugestão é observar e refletir sobre todos os personagens do grupo e criar situações onde cada um deles será importante para o grupo. É lógico que é preciso de um grupo variado para isso, composto de diversas classes, mas mesmo em grupos mais homogêneos, se os personagens foram bem criados, é fácil encontrar a função de cada um deles. Se o mestre se preocupa em envolver todos os jogadores em suas aventuras, o grupo de aventureiros vai ficar cada vez mais unido.

Uma outra dica é ter FLEXIBILIDADE. Essa é a palavra chave dos bons mestres, a capacidade de se adaptar a uma situação nova. Se o seu grupo tem um ladrão, e a aventura que você vai mestrar não tem nada para um ladrão fazer, crie, invente, mude a sua aventura na hora. Coloque baús de tesouro para serem abertos, armadilhas por todos os lados e uma pequena missão que só pode ser feita na base da furtividade. Ladrões em grupos podem ser muito úteis se o mestre pensar nisso. O mesmo vale para todas as outras classes. Se o grupo tem um Ranger, mude a sua aventura para dar oportunidade ao personagem de ser útil e demonstrar seus conhecimentos sobre a floresta.

Mas se mesmo assim o grupo teima em não “funcionar” o jeito é partir para a sobrevivência. Uma campanha de sobrevivência é muito emocionante e cria laços fortes entre os aventureiros. Se eles estiverem sendo perseguidos ou se encontram em uma região completamente hostil, mesmo os personagens mais egoístas acabam colaborando entre si. Mas aqui vai um toque para o mestre de uma campanha de sobrevivência: seja coerente. Os jogadores têm que sentir a dureza do lugar onde estão tentando sobreviver ou escapar. Se os jogadores sentirem que podem agüentar sozinhos os desafios da região hostil, o plano de unir o grupo vai por água abaixo.

Recordo-me de uma memorável campanha que joguei em Dark Sun (um excelente cenário de RPG de um mundo desértico hostil e repleto de psiônicos, com escravidão por todo lado e maléficos reis-magos) onde, depois de termos formado o grupo, começou uma discussão horrenda, com direito a tabefes e sopapos.

O problema era que tínhamos escravos e homens livres no grupo, e essa divisão social sempre causava discussões. O que o nosso mestre fez? O nosso grupo tinha que atravessar um deserto para chegar no local onde seria a aventura, porém a travessia foi duríssima. Graças a regras especiais de sede e exaustão, tivemos que aprender a racionar água e rações para vencermos a travessia. Os personagens quase morreram, mas no final estavam muito mais unidos do que antes.

Para terminar, aqui vai uma série de idéias para unir um grupo “disfuncional”. Se mesmo assim o grupo não funcionar, aí não tem jeito: o melhor é conversar com os jogadores e criar novos aventureiros! Ou então deixar eles se quebrarem até sobrar um, pois como dizia Connor Mcleod no filme Highlander “There can be only one!”, principalmente quando os aventureiros pensam mais com a espada do que com a cabeça, que dessa maneira não irá ficar muito tempo grudada no pescoço!


Idéias para unir um grupo “que não funciona”:
  1. Um monstro de ND do nível do grupo aparece toda vez que o grupo começa a discutir.
  2. Um vilão poderoso envia assassinos para matar um dos integrantes grupo, e depois de ser parado, começa a querer matar todo o grupo.
  3. Se existem clérigos que estão discutindo, criar uma história paralela sobre uma cooperação entre as duas religiões desses clérigos. Se forem muito opostas, a história paralela pode envolver uma profecia sobre uma aliança entre dois clérigos de deuses inimigos.
  4. Crie personagens do passado dos aventureiros e faça com que eles apareçam e que demonstrem conhecer e serem amigos dos aventureiros que são os desafetos. É difícil não ajudar uma pessoa que salvou a vida de um membro de sua família.
  5. Se um personagem está sendo isolado pelos demais, mude a sua aventura para que esse personagem se torne relevante, colocando profecias, segredos de família, situações que só esse personagem poderá levar adiante. Assim que os demais verem que o personagem isolado é importante para a trama, eles mudarão de atitude.
  6. A lei pode estar procurando os personagens por um crime que não cometeram. E não adianta nenhuma conversa, são todos os membros do grupo que estão sendo perseguidos!
  7. Em uma aventura, crie situações especiais para cada personagem atuar em sua especialidade.
  8. Converse com os jogadores antes das sessões e explique a importância de se atuar em equipe. Se for o caso, prometa um prêmio em Pontos de Experiência para cada sessão que o grupo realmente atuou como uma equipe.
  9. Se houver personagens maus no grupo, peça aos jogadores que não revelem para os seus colegas e nem escrevam em suas fichas. Personagens maus são um risco para um grupo funcionar, mas se forem jogadores mais experientes, que sabem que um personagem mau não é um personagem que quer matar qualquer um a toda hora, esse fato criará situações muito interessantes. Tem que haver um motivo para o personagem estar no grupo, um motivo que seja forte o suficiente para ele ajudar os demais aventureiros.
  10. Crie motivos e buscas para os personagens que tem que ser realizados em grupo. Evite criar sagas individuais, pense sempre em sagas que os personagens tem que atuar em grupo. Tome “Dragonlance” (publicado pela Devir) como exemplo. Apesar de serem personagens tão diferentes, a esperança de encontrarem uma solução para a guerra que estão perdendo os une, e mesmo as sagas individuais (como a do Cavaleiro Sturm) estão encaixadas dentro da saga maior. Uma aventura é como um quebra cabeças que as peças tem que se encaixar uma as outras para formar um todo maior. Não misture peças de outros quebra cabeças, ou seja procure sempre manter as histórias paralelas dentro de um contexto geral, para unir o grupo cada vez mais dentro de um objetivo.
Escrito por Newton “Nitro”

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