A 4ª Edição de D&D trouxe uma série de novidades: novas raças e classes básicas, novo sistema de morte, de testes de resistência, de poderes, de perícias e de habilidades-chave. Os três livros básicos têm certa vantagem em relação as suas encarnações anteriores: a clareza. No entanto, isto também surge como uma desvantagem: são menos evocativos do que todos eles. Para compensar isto, não é necessário mais do que a imaginação do Mestre na hora de criar desafios na forma de mundos, cidades, tramas e aventuras. Porém, nem sempre a nossa mente colabora e nos deparamos com uma falta completa de idéias. Outras vezes, só queremos ler as idéias de um outro Mestre para que uma fagulha se acenda e nós criemos nossas próprias versões.
O objetivo desta nova coluna é precisamente este: uma série de informações sobre um tópico dos três livros básicos que ajude o Mestre iniciante e o experiente a utilizá-lo em suas campanhas. Em nosso terceiro artigo, após um longo hiato, examinaremos um homúnculo, a Cobra de Ferro, página 174 do Manual dos Monstros.
“Natanael e Ester estavam extremamente empolgados. Certo, não era uma grande façanha invadir a velha mansão de um alquimista decadente me uma vilazinha de cinqüenta pessoas longe de qualquer centro comercial. Mas por quê se importar com esse tipo de coisa? A sociedade deles funcionava, era isso que era relevante.
Eles já tinham revistado tudo. Mesmo sendo uma maga em começo de carreira, Ester foi bastante eficiente em silenciar os movimentos deles, até quando Nate, o apelido pelo qual ela sempre lhe chamara, derrubara um grupo de quatro ou cinco frascos vazios no chão.Só estava faltando uma última sala, excetuando o quarto do alquimista, que eles não pretendiam invadir de qualquer forma. Essa última porta eles tinham deixado por último porque tinha vários símbolos arcanos inscritos nos umbrais. Ester havia utilizado seus conhecimentos e asseverado que não havia nada de mágico ali.
Natanael escolheu suas ferramentas, compradas de um caixeiro-viajante dois meses antes, e abriu facilmente a porta. Mereceria uma comemoração se a melhor delas não tivesse sido imediatamente engolida por alguma coisa que deu um bote tão rápido que Ester fez menção de berrar, contendo-se por lembrar-se de onde estava.
Com a aparência de uma cascavel metálica, aquilo estava agora no limiar da porta e seus olhos verdes feitos de vidro faiscavam. Por alguns segundos, eles se prepararam para lutar, mas a coisa permaneceu inerte.‘É só uma armadilha primitiva…’ riu Natanael, enquanto pulava por cima da cobra para entrar no quarto. Má escolha.”
Homúnculos com frequência são confundidos com golens. Um erro normal, dado que também são construtos, mas denota obviamente desconhecimento da matéria por quem o comete. Embora não seja o propósito deste artigo comentar sobre o processo de formação dos golens, basta saber que é necessário um sortilégio arcano específico – uma palavra de poder tão mágica que é capaz de animar o que, essencialmente, é um objeto.
Na criação do homúnculo, por outro lado, componentes de vida são necessários. A fórmula é pessoal de cada alquimista, mas em geral envolve órgãos de animais e ao menos um pedaço do corpo do próprio criador, mas nada que prejudique a vida do mesmo.
Além disso, o homúnculo de fato está vivo, não apenas animado, ainda que com uma série de limitações. Para os mortais, é possível que a idéia de não precisar dormir ou comer seja especialmente atraente. Contudo, o homúnculo também é incapaz de evoluir. Ele não tem vontade própria e, portanto, não pode aprimorar-se. Sob as ordens do seu criador, ele não questiona nem julga – ele cumpre.
Entre os homúnculos [também chamados homunculus, plural homunculi], a cobra de ferro é uma escolha popular para proteger locais. Sua natureza esguia faz com que ela possa se manter oculta até que o invasor esteja ao alcance e sua capacidade de injetar veneno através de suas presas metálicas não pode ser desprezada. Por fim, como todos os homúnculos, ela é capaz de ver no escuro e, portanto, pode guardar locais sem iluminação, um detalhe frequentemente menosprezado no planejamento da maioria das invasões.
De fato, talvez seja irônico chamar a cobra de ferro de “ela” – homúnculos estão vivos, mas não possuem personalidade. Academicamente, a discussão sobre se pensam ou não costuma ser comparada à clássica “quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete?”. Especificamente, por dois motivos: a resposta certa é “depende de qual anjo” ou homúnculo, neste caso; e embora não pareça, a indagação é relevante para uma série de situações, como tentativas de controle mental.
A cobra de ferro é confeccionada utilizando-se a cabeça de uma cobra venenosa, cuja aparência o homúnculo terá. Além disso, é necessário um frasco completo de veneno extraído durante uma lua minguante; cinco quilos de metal comum; uma pedra ônix de pelo menos 15 centímetros de diâmetro, que atuará como o receptáculo da alquimia. Os outros materiais ficam a cargo do realizador do ritual.
O alquimista, que quase sempre é praticante das artes arcanas, deve então realizar a parte, ao mesmo tempo, mais simples e mais complicada de todo o processo – obtenção da alma a ser transmutada. Os homúnculos vulgares, entre os quais a cobra de ferro está inclusa, cujas fórmulas de criação são razoavelmente conhecidas, precisam somente da alma de um animal comum. Rumores e lendas correm que existem outros que necessitam de almas mais conscientes ou de seres mais mágicos. Claro, rumores e lendas correm sobre tudo, mas em se tratando de alquimia e magia, nada é garantido, para o bem ou para o mal.
A ligação com o criador é da mesma natureza que a da maior parte do construto – eterna, a não ser que o homúnculo seja destruído ou que o criador assinale um outro ser como senhor. Contudo, fato desconhecido para a esmagadora maioria dos aventureiros, existe uma outra forma de interromper esse vínculo – esta varia de acordo com o gênero do homúnculo, mas sempre existe.
O elo entre a cobra de ferro e seu criador pode ser neutralizado quando ela é salpicada com o sangue de uma cobra da mesma espécie que a originou. Contudo, essa neutralização é temporária e perde sua eficácia após duas semanas. A inativação permanente é realizada partindo-se um ovo de cobra da mesma espécie em presença da cobra com um metal do mesmo tipo de que ela é feita.
Como se pode facilmente deduzir, é tão trabalhoso que, em geral, os aventureiros preferem tentar sua sorte contra o construto. Contudo, nem sempre destruir o alvo é o requisito para o sucesso da missão e esta é uma informação valiosa.
Por Hugo Lima
Publicado originalmente no antigo portal em 17/01/2010 (1029 leituras)
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