A 4ª Edição de D&D trouxe uma série de novidades: novas raças e classes básicas, novo sistema de morte, de testes de resistência, de poderes, de perícias e de habilidades-chave. Os três livros básicos têm certa vantagem em relação as suas encarnações anteriores: a clareza. No entanto, isto também surge como uma desvantagem: são menos evocativos do que todos eles. Para compensar isto, não é necessário mais do que a imaginação do Mestre na hora de criar desafios na forma de mundos, cidades, tramas e aventuras. Porém, nem sempre a nossa mente colabora e nos deparamos com uma falta completa de idéias. Outras vezes, só queremos ler as idéias de um outro Mestre para que uma fagulha se acenda e nós criemos nossas próprias versões.
O objetivo desta nova coluna mensal é precisamente este: uma série de informações sobre um tópico dos três livros básicos que ajude o Mestre iniciante e o experiente a utilizá-lo em campanha. Uma importante observação é que os livros que possuo estão em inglês e, portanto, minhas traduções podem diferir da versão oficial dos livros que ainda serão lançados em português. Em nosso segundo artigo, examinaremos a curiosa armadura de trama de sangue (Livro do Jogador, página 231).
“Hiperion avaliou rapidamente o corte na face esquerda. Não era profundo, mas ardia e o sangue escorria pelo pescoço, confundindo-se com o robe de cor rubra. Não era a primeira vez que isso acontecia e, certamente, não seria última, e o mago logo sentiu um estremecimento familiar.
Assim que seu próprio sangue entrava em contato com aquele robe, o tecido pulsava e era como se uma nova camada de proteção se antepusesse entre a espada inimiga e seu corpo frágil. Mas não era momento de pensar naquilo e os movimentos rápidos conjuraram uma flecha ácida na direção do guerreiro que lhe ferira.”
Durante três anos, a cidade fortificada de Gaerl resistiu às investidas dos bárbaros draconatos que reclamavam sua terra ancestral. À orla de um vasto deserto, a cidadela era governada por um senhor da guerra aconselhado por uma junta de magos. A milícia contava com mais membros aprendizes nas artes arcanas do que aqueles que preferiam empunhar escudos ou brandir lanças. Eventualmente, devido ao seu distanciamento geográfico e à cultura isolacionista, o fluxo de migração transformou-se em caravanas partindo para outros locais mais seguros e próximos dos grandes reinos.
Um número considerável de baixas fori registrado na guarda da cidade, tanto por desertores quanto por membros assassinados pelos sopros de natureza mágica dos bárbaros com sangue de dragão. Sem recursos, uma série de opções foi apresentada pelos integrantes da junta – várias flertavam com a necromancia e quase todas tinham algum plano para os cadáveres dos aprendizes que não vingaram.
Por fim, após estudos detalhados da manufatura dos tecidos mundanos, uma maga que nunca havia se destacado, Los vec Águla, desenvolveu um método para encantar o sangue já infundido com a magia primordial dos ex-futuros arcanistas e tecê-los para proteger os sobreviventes das investidas cada vez mais severas.
Vec Águla teorizou e, mais tarde, demonstrou que quanto mais poderosa era a fonte do sangue utilizado na confecção, maior era a proteção arcana concedida. Além disso, a forma da morte também tinha sua influência. De acordo com as hipóteses vigentes naquela região fronteiriça, o sangue era uma espécie de armazém de memórias das vidas dos que o derramavam e utilizá-lo para proteção certamente teria consequências colaterais imprevistas.
Logo, notou-se que as armaduras reagiam fortemente ao sangue do usuário e pulsavam pesadamente, como se recuperassem uma vida que se esvairia logo. Críticas foram lançadas de que as roupas sugavam a energia vital dos feridos, mas isso se provou ignorância de suas propriedades mágicas intrínsecas.
Findos os ataques, as armaduras tornaram-se questão de ordem na cidade: qual era o melhor destino para os robes rubros, como vieram a ser chamados? Vec Águla não esperou uma decisão: partiu com os cerca de cinquenta que armazenara em sua casa e viajou até que não escutasse mais notícia alguma de eladrins.
Assim, dois grupos principais buscam essas armaduras: enviados da junta mágica de Gaerl, em busca das peças para enterrá-las, o consenso a que chegou o conselho, e compradores de um dos exemplares em mãos da projetista inicial. Vec Águla é extremamente precavida e raramente passa duas noites no mesmo local, uma paranóia que cresceu depois que sofreu uma tentativa mal-sucedida de roubo por parte de um jovem gaerliano, filho do senhor da guerra local.
Sendo facilmente reconhecíveis por seu forte tom rubro, como o sangue de uma ferida superficial, raramente são utilizadas por ladinos, que dependem da discrição para agir, sendo preferidas por magos que se beneficiam tanto de sua beleza quanto de seus poderes de proteção..
É dito que se um usuário morrer vestindo uma dessas armaduras, todo o seu sangue torna-se parte dela, fortalecendo-a e a alimento. Um outro rumor define que sua utilidade depende diretamente de que sangue seja derramado sobre ela regularmente, sempre em batalha.
Vec Águla, quando encontrada, também tem suas próprias observações a fazer, incluindo um decidido aviso contra sua utilização como peça de decoração e sobre uma suposta maldição se draconatos as tocarem, que os faria verter uma gota de sangue por minuto eternamente, como símbolo da matança promovida por seus congêneres.
A armadura de trama de sangue, na verdade, não é uma armadura, mas um robe rubro de mangas longas sem detalhe algum em outra cor. Em Gaerl, eles eram utilizados em conjunto com um cordão tendo como pingente um dente de dragão, tanto uma provocação aos draconatos quanto uma evocação do poder dos dragões, em específico dos vermelhos. Sua utilização com roupas de cores brancas era comum e representavam as duas facetas da guarda da cidade eladrin – seu zelo pela paz e sua fúria na defesa contra assaltantes estrangeiros.
Por Hugo Lima
Publicado originalmente no antigo portal em 13/09/2009 (762 leituras)
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