Dungeons and Dragons é um jogo de interpretação (Role-playing game, ou RPG). Na verdade, foi o D&D que inventou este tipo de jogo e deu início a esta indústria.
– Livro do Jogador, página 6.
RPG. Analisando seu significado, é fácil perceber que a interpretação deveria estrelar como o fator principal desta modalidade. Afinal, é um jogo que, por definição, consiste em viver a vida de outra pessoa. Entretanto, a chegada da 4º edição de D&D parece ter delegado à interpretação pouco mais do que as duas linhas citadas acima… ou assim alegam alguns jogadores. Mas, será que realmente a interpretação perdeu seu espaço na atual versão do jogo? Seria uma nova mecânica a responsável por eliminar um elemento que está tão intimamente ligado às raízes do nosso hobby?
Diversos jogadores alegam que a atual edição de D&D, com suas habilidades fechadas e menor possibilidade de customização, bem como o preenchimento de fichas totalmente voltadas para o combate eliminou quase que completamente o fator de interpretação, fazendo com que todos os magos lancem seus mísseis mágicos enquanto caminham por terrenos quadriculados. (Não, não haverá aqui nenhum comentário sobre ter que adquirir miniaturas e transformar uma sessão em um jogo de tabuleiro!)
Inegavelmente, a 4ª Ed. trouxe mecânicas que favorecem o sistema de combate, porém, outras podem ser utilizadas de maneira muito interessante fora do campo de batalha. A principal delas é o sistema de desafios de perícias (Skill Challenges). Cada um deles pode ser considerado como um encontro em si, e suas possibilidades são inúmeras, incentivando SIM a interpretação. Mas existe alguma forma de estimular ainda mais os jogadores? A resposta, meus caros, é sim. Nem que seja na forma de bônus.
Ao iniciar um desafio deste tipo, os personagens não precisam, necessariamente, conhecer quais as perícias que podem ser utilizadas. Eles deverão, dessa forma, analisar suas próprias listas de perícias e utilizá-las da melhor forma possível, o que invariavelmente irá render usos criativos das perícias já conhecidas. Por tais “insights”, os jogadores devem sim ser recompensados, desde que eles também sejam coerentes.
Tomando como exemplo uma situação em que os personagens precisam convencer um guarda a deixá-los passar pelo portão da cidade em plena quarentena em decorrência de uma nova praga. Testes de perícias como Blefe, Diplomacia e Intimidação parecem ser escolhas óbvias neste caso, porém, utilizações criativas de outras perícias (como por exemplo, Socorro), caso não adicionem um sucesso ao total, podem, pelo menos, fornecer um bônus à próxima jogada.
Também poderiam ser beneficiados os jogadores que, mesmo utilizando as perícias esperadas para aquele desafio, interpretem bem seu personagem e ofereçam soluções não convencionais, mas que sejam perfeitamente coerentes. Para isso, a regra “melhor amigo do mestre” (página 42 do Guia do Mestre) pode solucionar perfeitamente estas situações: situações favoráveis adicionam um bônus de +2 na jogada da perícia envolvida, o que fará com que seus jogadores passem a procurar novas formas de resolver os problemas, estimulando a interpretação.
Também foi questionado o sistema de poderes, que “limitou demais os magos”, que antigamente poderiam estrelar aventuras solo, sem precisar dos demais membros do grupo. Mais uma vez, é só uma questão de adaptação e criatividade: voltemos ao exemplo do Desfio de Perícia acima. A utilização de Som fantasma (um truque de mago), simulando a voz de um superior do tal guarda, ordenando a liberação do personagem, poderia conceder um bônus aos seus companheiros em jogadas posteriores.
Outra forma de estimular a interpretação é fornecer pontos adicionais de experiência aos jogadores que interpretem seus personagens de forma convincente, retratando o maior autoconhecimento dos mesmos. Não é preciso levar um violão e tocar como o seu bardo (até porque alguns jogadores mereceriam ganhar mais pontos de experiência por ficarem calados…). Entretanto, diversos pequenos detalhes podem dar mais vida ao personagem. A determinação de seu histórico é um tema já batido, contando inclusive com regras no Livro do Jogador II. Entretanto, pequenos detalhes cosméticos, como citações comuns que se tornam a marca registrada de um personagem, podem fazer com que a interpretação do mesmo se torne mais divertida.
Como mestres, entretanto, é bom sempre lembrar que nem todos os jogadores se adaptam ao perfil de atores, e gostam de um bom hack’n’slash. Neste ponto, a leitura dos capítulos iniciais do Guia do Mestre pode dar conselhos bem úteis. Seria interessante pular um pouco as regras e ler os conselhos de quem mestra há um pouco mais de tempo. Grande abraço.
Por Victor Lopes
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Mammoth
Artigo louvável.
Marcocarabacana
Sou mestre de D&D 4a edição há quase um ano.
Penso que as mudanças nas regras da 4 edição vieram para favorecer a interpretação, porque regras mais ágeis e livros básicos escritos de forma mais direta permitem ao mestre maior tempo para ele se dedicar a elaboração das aventuras e a interpretação dos personagens do mestre.
Seja superando desafios de perícias, armadilhas, missões, o sistema favorece a interpretação por parte dos jogadores. Os próprios poderes dos personagens, com suas descrições, estimulam a interpretação.
O uso do tabuleiro facilita o andamento do jogo e jamais será obstáculo a interpretação.
Enfim, na minha opinião, que li o guia do mestre e estou mestrando o jogo, a 4a edição favorece a interpretação sim.
igorondir
Sou totalmente contra a premiação de experiência para o jogador que melhor interpreta, afinal, o fato de você rodar um cabo de vassoura sobre a cabeça não te dá bônus no seu ataque, e com a interpretação deveria ser semelhante. O jogador que não sabe ou não gosta de interpretar não deveria ser desfavorecido por tal. Aqueles que reclamam que a nova edição não estimula a interpretação deveriam simplesmente interpretar e parar de reclamar.
Cursed Lich
Rodar um cabo de vassoura sobre a cabeça pra mim é mais uma brincadeira do que uma interpretação séria. Interpretação de como se realizam os golpes é divertido, mas eu não dou mais experiência por isso, e sim por atos que definam o personagem, boas idéias e seguir o caráter do personagem acima da opinião do resto mundo (mesmo que seja sem noção se o personagem foi dito que era sem noção pelo jogador durante a criação do mesmo).
Sinceramente, a mecânica de perícias da 4ª Ed favorece a interpretação uma vez que Guerreiros, Monges, Magos entre outros não faziam muitos testes sociais por não serem perícias de classe na 3ª e 3.5, mas na 4ª, mesmo com um carisma ridículo, um dia eles terão um bônus em Diplomacia, Blefar, Intuição e Manha. Não vai ser como a de um Ladino ou Bardo, mas não vão colocar 30-40 pontos de diferença entre os modificadores. Isso dá mais liberdade e autonomia social aos integrantes do grupo.
Patesi
Muito bom o artigo!
eliAndreoli
Bem, minha experiência como mestre e jogador diz que a interpretação independe do sistema. Existem sistemas que valorizam a interpretação em maior ou menor grau, mas não se restringe à isso.
Todos os livros de D&D que leio desde a 3º edição tem excelentes descrições de classes, raças, monstros e lugares que não se restringem às regras, mas também a seu comportamento, sociedade e as vezes até psiquê! Então não dá para dizer que o D&D não valorize em algum ponto a interpretação, mesmo que suas regras sejam realmente voltadas mais ao combate, isso não quer dizer que o grupo perca oportunidades de jogo fora delas.
Dregoth
O curioso é o artigo comentar sobre estratégias de “interpretação” que sempre estiveram lá (illusions por exemplo).
“Outra forma de estimular a interpretação é fornecer pontos adicionais de experiência aos jogadores que interpretem seus personagens de forma convincente”
Conhecido também como suborno. Isso já foi motivo de um tópico loooooongo na Spell, não vou repetir argumentos.
All in all, o que tu diz é: “Aproveitemos as regras do jeito que está. Damos uns bonus aqui e ali e tá tudo certo.” Até aí concordo plenamente. Mas como de costume não custa lembrar a frase do lendário King Caveira: “Interpretação não vem em caixinhas tetrapack.”
Ou seja, tu não tem o direto (sequer o dever) de exigir aquilo que seus jogadores fizeram de melhor para *interpretar* seus personagens, e isso independe de palavras, porque elese sempre fazem o melhor.