Perambulando pelas redes sociais em grupos sobre Pathfinder, o comentário de um jogador quanto à conjuração de magias chamou a minha atenção. Segundo ele, não fazia sentido que o Carisma fosse usado para medir a capacidade de um personagem em manipular a trama mágica. Argumentando que o traquejo social não tinha relação com a magia, ele repudiou qualquer chance deste atributo vir a ser usado como referência para classes conjuradoras em Pathfinder 2ª edição. Na sua visão, este era um grande erro.
Mas será mesmo que o sistema é incoerente ao utilizar este atributo? Bem, antes de tudo, vale dizer que o Carisma de fato é essencial para conjuração em Pathfinder. Das classes do livro básico que utilizam magias, três delas se valem do Carisma como atributo chave para este fim: Bardo, Campeão e Feiticeiro. Considerando que tanto Clérigos quanto Druidas usam a Sabedoria, e Magos dependem da Inteligência, não é difícil concluir que o Carisma é o atributo mais recorrente quando o assunto é magia. Na verdade, sem meias palavras, o Carisma é o atributo de conjuração mais importante em Pathfinder.
Uma constatação interessante, sem dúvidas. Ainda assim, não esclarece o nosso questionamento. Faz sentido medir a capacidade de conjuração a partir do Carisma? Em uma resposta apressada alguém poderia dizer que o Carisma é utilizado por várias classes conjuradoras para finalmente dar uma utilidade prática a este atributo: como estamos falando de um jogo marcado pela ação, as oportunidades de lançar mão de dotes sociais podem ser mais raras dependendo da orientação da campanha. Para outros, a explicação poderia estar ligada à ideia representada por cada classe: valorizar o Carisma seria uma forma de reforçar o aspecto galante dos Bardos ou a presença inspiradora associada aos Paladinos. Tais argumentos, cada um à sua maneira, se valem do sistema de regras para responder a nossa pergunta. Mas seria possível explicar o uso do Carisma segundo conceitos de magia que predominam em universos fantásticos como Pathfinder?
Para responder, é importante consultar o livro básico a fim de entender o que este atributo expressa: “o Carisma mede o magnetismo pessoal e força de personalidade de seu personagem”. E é aqui que chegamos à peça-chave nesta discussão. Ao invés de representar apenas a capacidade de persuasão ou dotes sociais, o Carisma indica o quanto um determinado personagem é capaz de projetar a sua personalidade externamente. Quanto maior a força desta personalidade, mais confiante este personagem é, mais conhecimento ele tem sobre si mesmo. Levando isto em conta, não é difícil relacionar o Carisma às habilidades de conjuração. Pensando no caso de Bardos e Feiticeiros, ligados à tradição mágica ocultista, o uso deste atributo parece a escolha mais óbvia. Valendo-se mais da confiança em suas habilidades performáticas ou do autoconhecimento de um poder oriundo de uma linhagem, estas classes dependem de uma forte personalidade para a conjuração de magias. A magia para feiticeiros e bardos não se trata de conhecimentos registrados em grimórios ou da comunhão com a natureza, mas de uma jornada exploratória de si mesmo para despertar capacidades. Direcionando esta força de caráter para o mundo que os rodeia, estes conjuradores dependem acima de tudo da autoconfiança. Portanto, não há atributo mais indicado para eles do que o Carisma.
Já quanto aos Campeões, a resposta pode ser obtida a partir das raízes históricas da palavra “Carisma”. Derivado do grego, a palavra remetia a um dom com o qual alguém foi agraciado pelos deuses. O termo “Carisma” também aparece em traduções da Bíblia, sendo utilizado para fazer referência a lideranças religiosas que foram agraciadas por Deus. Pela origem da própria palavra, ser um escolhido divino não depende apenas de habilidades ou valores específicos, mas da capacidade de se fazer notar pelos deuses. Externalizar a sua devoção a ponto de cativar os outros e chamar a atenção de seu patrono. O Carisma, então, indica o quanto, e como, uma dada personalidade pode ser favorecida pelos poderes superiores. A fortaleza de caráter, fundamental em qualquer forma de devoção, dá a exata medida da intercessão divina na conjuração dos Campeões.
Há bons motivos, portanto, para que o Carisma seja utilizado como referência para determinar o potencial de conjuração. Por vezes resumido a ideia de magnetismo pessoal, este atributo deve ser encarado a partir de outra perspectiva para compreender a sua importância. Na falta de um atributo específico que dê conta da personalidade em um nível introspectivo, o Carisma segue como a melhor opção para precisar a força de caráter de um personagem. Justamente por isto, o atributo poderia ser melhor explorado quanto a esta ideia de autoconfiança. Um teste de salvamento de vontade, por exemplo, seria interessante se levasse em consideração o Carisma.
Estamos falando de um atributo amplo, que mede tanto a capacidade de externalizar a personalidade como a confiança e o autoconhecimento. Seja como for, no fim das contas não há dúvidas de que o Carisma é um atributo adequado para determinar a capacidade de conjuração de determinadas classes em Pathfinder.
Por Luís Rafael
Equipe REDERPG