Bestiário Sul-Americano (Parte 2 de 3)

Como que vocês vão? Eu decidi reunir e mostrar algumas das criaturas encontradas em folclores e mitologias da América do Sul. A lista tem 92 seres, então eu a dividi em três partes. Também excluí monstros brasileiros populares como o Boto e o Curupira, mas ainda assim a lista tem diversas criaturas brasileiras. Esta é a segunda parte, no final há o link para a primeira.

32) Huayramama (“Mãe dos Ventos”) – Uma das três cobras mães encontradas no folclore peruano. Uma jiboia enorme com o rosto de uma anciã e cabelo muito longo que se emaranha nas nuvens. Guardiã do ar, filha da Huayracaspi (“Árvore dos Ventos”) e mãe de todos os ventos bons e ruins. Huayramama também concede poderes sobre o clima aos xamãs e curandeiros merecedores.

33) Jardim do Diabo – Os locais acreditam que um espírito maligno da floresta, chamado Chullachak, vive em nesses jardins. Dizem que ele convence as suas vítimas a segui-lo selva adentro. Ele consegue fazer isso porque se transforma em alguém que a vítima conhece ou a forma de um animal. Quando ele está disfarçado, a única forma de reconhecê-lo é através dos seus pés, que não combinam um com o outro.

Existe um fundo de verdade nessa lenda. Os Jardins do Diabo existem. Uma espécie de formiga (Myrmelachista schumanni), os cria ao sistematicamente matar todas as plantas (exceto a árvore D. hirsuta), injetando ácido nelas. Assim, a formiga cria um espaço onde apenas a hirsuta cresce, uma relação de simbiose, pois esta árvore tem espaços ocos para as formigas viverem. Um único formigueiro pode ter mais de três milhões de formigas e quinze mil rainhas. O maior Jardim do Diabo já visto tem 328 árvores e existe há oitocentos anos.

34) Icamiabas – Esse é o nome das guerreiras amazonas encontradas pelo explorador Orellana. Nativos diziam que muitas tribos davam tributos na forma de penas coloridas para elas. Cada Icamiaba valia por dez homens em uma luta e usavam arcos e flechas. As tribos servas a elas as acompanhavam em batalha, mas se um desses índios tentasse desertar, elas o matavam com golpes de clava. Icamiabas seriam altas, de pele clara e com cabelos muito longos, trançados ao redor da cabeça. Elas viviam em setenta cidades feitas de pedra com muralhas. A rainha era chamada Coñori e a terra delas tinha ouro e prata. Tanto que cinco templos, chamados caranaí, tinham as suas superfícies internas cobertas de ouro. Homens podiam visitar as cidades das Icamiabas, mas eram obrigados a sair antes do anoitecer.

Um mito associado às Icamiabas é o dos amuletos verdes chamados “Muirauitãs”. Uma vez por ano, acontecia uma cerimônia dedicada à lua. As amazonas recebiam índios Guacaris, com quem elas tinham relações em um acampamento perto do rio Nhanumdá. À meia-noite, as Icamiabas mergulhavam no rio e traziam uma argila esverdeada, que elas moldavam na forma de animais como sapos e tartarugas, e eram presos em cordões feitos com mechas de cabelo das amazonas. O resultado eram esses amuletos, que elas presenteavam aos seus amados. Estes itens eram considerados sagrados, trazendo sorte e felicidade aos seus portadores. Algumas versões dessa lenda dizem que a cerimônia acontecia em um lago encantado chamado “Jaci Uaruá”, que significa “Espelho da Lua”.

35) Ihuaivilu – Quando um grupo de xamãs da cultura Mapuche escolhem uma caverna para as suas reuniões, eles realizam um ritual para invocar um guardião chamado Ihuaivilu. Esse é um dragão com um pescoço serpentino. Ele voa usando ventanias e possui um bafo flamejante que pode incendiar campos ou bosques inteiros de uma só vez. O seu rugido é como o trovão e quando voa, deixa um rastro verde no ar.

36) Inkarri – Alguns dizem que o último imperador Inca foi decapitado, e que a sua cabeça foi enterrada. Mas ela estaria, de acordo com alguns, regenerando o seu corpo, ou, de acordo com outros, esperando para ser reunida com ele. Quando isto acontecer, o imperador ressurgirá e reconstruirá o Império Inca. Existe ainda uma versão que diz que é o corpo que está regenerando uma cabeça, pois a mesma foi levada para a Espanha.

37) Inulpamahuida (“que sobe a montanha”) – Uma árvore sem raízes, temida pelos Mapuches. Mas ela tem muitos galhos com garras, que usa para escalar montanhas.

38) Ipupiara – Um tritão canibal do foclore brasileiro. Teria pelos e bigode de gato, então pense nele como metade homem, metade leão marinho, com 3,3 metros de comprimento. Para matar uma pessoa, a sufoca com um abraço. Dizem que as Ipupiaras fêmeas tinham cabelos longos e eram bonitas.

39) Irapuru – Um pássaro vermelho mágico, símbolo da felicidade. Era uma vez um jovem índio amaldiçoado por um cacique, por estar apaixonado pela filha do chefe. O índio tornou-se o Irapuru e começou uma canção linda. O cacique ouviu e foi mata adentro para capturar o pássaro, mas se perdeu e nunca mais voltou. O Irapuru canta até hoje, na esperança de que a sua paixão o ouça e o reconheça. Quem encontra esse pássaro ganha um desejo. Folclore brasileiro.           

40) Jasy Jatere – Um dos sete filhos amaldiçoados de Tau e Kerana, da mitologia Guarani. Descrito como um homem pequeno ou uma criança, cabelo loiro e olhos azuis. A sua aparência seria bonita ou até encantadora. Carrega sempre uma varinha, bengala ou cajado mágico. Ele é considerado o protetor da erva-mate, que os gaúchos usam para fazer chimarrão. Também é considerado o protetor dos tesouros por alguns. É dito que o seu poder provém do cajado, e que se alguém pegá-lo, Jasy chora como uma criança. Enquanto estiver neste estado, é possível pedir a localização de um dos tesouros que ele guarda em troca do cajado. 

41) Kaalimatu – Um pequenino homem-vespa que servia de mensageiro para “Feito de Ossos”, uma divindade trapaceira de índigenas venezuelanos. He ajudou esse deus a derrotar a própria Doença ao entrar na zarabatana da mesma e obstruí-la.   

42) Kanaíma – Um espírito maligno do folclore do noroeste brasileiro, que possui pessoas e as força a sofrer uma fúria assassina. Segundo alguns, tais pessoas também se transformam em animais como cobras e onças. Assassinos e pessoas buscando vinganças invocam este espírito através de drogas e rituais mágicos. O método que elas usam para matar o seu alvo é com furtividade e uma flecha envenenada. Então pense no Kanaíma como uma espécie de berserker ninja metamorfo. O folclore do Kanaíma também conta de um outro método, usando a seiva de uma certa árvore, que faz alguém ficar insano e se transformar em um animal predador. E que jogar esta seiva em alguém faz o mesmo efeito, então tome cuidado com os projéteis dos índigenas.

Algumas tribos acreditam que o Kanaíma, ou a pessoa afetada por ele, pode disparar uma flecha envenenada invisível, praticamente um projétil mágico, que deixa apenas uma marca azul no corpo da vítima. Também contam que mesmo se o Kanaíma matar a sua vítima escolhida, deve visitar o cadáver três dias depois e lamber um pouco do seu sangue. Se não fizer isto, o espírito não sairá da pessoa que o invocou. Isto é importante, pois, enquanto alguém estiver possuído pelo espírito, é considerado um exilado até mesmo da sua própria tribo e família, devendo ser morto caso apareça neste estado. Como se não bastasse, esta pessoa é condenada pelo espírito à loucura, pois o mesmo não recebeu a sua oferenda de sangue da vítima.

Existe uma planta de folhas largas, a Caladium, que serve como uma espécie de alarme mágico contra Kanaímas. Quando um deles estiver por perto, a planta assobia e de alguma maneira, sacode a rede de dormir do alvo para acordá-lo.

43) Kawtcho – Espírito noturno descrito como um homem muito alto, com cabelo reto e rigído cobrindo a cabeça, um corpo musculoso, garras afiadas e um fedor tão podre que faz cachorros acordarem. É dito que ele “caminha sob o solo” durante o dia, saindo à noite para andar pelas praias, atacando pessoas pelas costas para arrancar-lhes os olhos e matá-las. O povo Alakauf, de tanto medo que tinham de atrair o Kawtcho, nunca faziam fogueiras à noite. 

44) Kiantô – Um cobra gigante colorida como o arco-íris. Ela governa um “reino da águas” que tem povos e animais distintos. Mitologia Aicanã.

45) Kori – Um tamanduá enorme que vive submerso nos rios. Ele usa as grandes garras para escavar as margens dos rios, fazendo com que desabem. Um Kori também pode causar vendavais que destroem construções e transformar terra em água para afogar pessoas. Lenda do povo Cuiva.

46) Kurupi – Um dos sete filhos monstruosos de Tau e Kerana, da mitologia Guarani. Baixinho, feio e peludo. Vive nas selvas e era considerado o lorde das florestas e protetor dos animais selvagens. A característica mais distinta do Kurupi é o seu pênis, tão longo que ele o enrolava diversas vezes ao redor da cintura. Este traço era a razão de ser reverenciado pelos Guaranis como o espírito da fertilidade. O Kurupi costuma ser a explicação para uma gravidez indesejada ou sem explicações.         

47) Lafquén Trilque – Este monstro da mitologia Mapuche é descrito como uma massa escura cuja forma lembra a pele esticada de uma vaca. Ele se move silenciosamente por rios e lagos, buscando animais e pessoas nas margens. Quando encontra uma presa, a engole por inteiro e as faz desaparecer sem deixar rastros.

48) Lakúma – Esses espíritos aquáticos são capazes de virar canoas, pegar os ocupantes e arrastá-los para dentro d’água para serem consumidos, deixando apenas as tripas flutuando na superfície. Também podem criar grandes ondas, invocar redemoinhos e tempestades que danificam embarcações maiores. Lakúmas já foram comparados a baleias, lulas e vermes gigantes, dificultando a definição de sua aparência. O que se sabe é que eles gostam de deixar os seus dorsos para fora d’água, dando a impressão de uma ilhota coberta com mexilhões maiores do que o normal. Alguns lugares podem ficar tão cheios de Lakúmas que eles podem ser usados para cruzar um lago ou rio. Lenda do povo Yamana.

49) Lluhay – Um lagarto prateado com um metro de comprimento que gosta de comer flores de batata. É difícil capturá-lo mas quem consegue adquire boa sorte. O Lluhay é imortal e raro. Certas famílias tomam conta de um deles geração após geração, como se fosse um tesouro. Folclore chileno.

50) Lucerna – Um navio fantasma. O interior é tão imenso que uma pessoa levaria a vida inteira para ir da proa à popa. O dever deste navio é carregar bruxos, as almas dos mortos e as fases da Lua. Folclore chileno.

51) Luison – Na versão original do mito, Luison foi o sétimo e último filho de Tau e Kerana. A sua aprência era humana, mas horrenda. Os seus cabelos eram tão longos que cobriam quase todo o seu corpo. A pele e olhos eram pálidos e de aparência doentia. O cheiro era fétido, de morte e podridão. O resultado era tão repulsivo que a sua mera presença gera terror em quem o encontra. Luison era o lorde da noite e associado à morte. Ele vivia em cemitérios, alimentando-se de carne podre. Alguns dizem que se o Luison passar por entre as pernas de alguém, essa pessoa se torna um Luison. Mitologia Guarani.

52) Mallki (“múmia”) – A civilização Inca mumificava muitos dos seus mortos, enterrando-os com mercadorias valiosas. Considerados um elo entre os vivos e os mortos, essas múmias eram às vezes retiradas de seus locais de descanso e consultadas em ocasiões importantes, para que o seu conhecimento e sabedoria beneficiasse os vivos. Múmias ficavam em lugares de honra, recebendo comida e bebida durante cerimônias tais quais casamentos, a  semeadura dos campos, a colheita ou quando um indivíduo da comunidade precisava fazer uma longa viagem. Incas acreditavam que a múmia do chefe ou imperador permanecia dona da propriedade que havia acumulado em vida, então existiam necrópoles com palácios inteiros abarrotados com tesouros. Cada uma destas múmias tinha um servo que interpretava os desejos da mesma e ficava a postos com um espanador. Sugiro acrescentar um pouco de fantasia e fazer com que tais múmias sejam mortos-vivos inteligentes que servem de conselheiros para os líderes dos vivos.    

53) Mapinguari – Este monstro é um enorme humanoide peludo. As suas garras poderosas arrancam partes da presa e levam estes pedaços à grande boca vertical que tem no peito. O Mapinguari tem um odor forte e nauseante. Alguns dizem que a sua pele é semelhante à de um jacaré, e igualmente resistente a balas. Folclore brasileiro.

54) Maricoxi – Nome usado para várias criaturas semelhantes a macacos vistas em muitas partes da selva sul-americana. Percy Fawcett dizia ter encontrado um grupo em 1914. Estas criaturas seriam extremamente peludas, viviam em aldeias e usavam arcos e flechas. Fawcett falou que elas se comunicavam com grunhidos e viviam ao nordeste de uma tribo chamada Maxubi.

55) Mayantu – Criatura goblinoide com o rosto de um sapo que vive na Amazônia. De acordo com a lenda dos Iquitos, o Mayantu é encontrado na copa de árvores gigantes. Ao contrário de muitos habitantes sobrenaturais da selva, ele não é maligno, chegando a ajudar pessoas quando elas tem problemas. Por isso, os Iquitos chamam o Mayantu de “o bom deus da selva”. No entanto, ele nega ajuda a quem vem destruir a selva ou os seus habitantes. Ele também conhece muitas plantas medicinais e pode usá-las para curar alguém.       

56) Mbói Tu’i – Um dos sete filhos lendários de Tau e Kerana, da mitologia Guarani. Tem a forma de uma serpente gigante com cabeça de papagaio e um grande bico. Também possui uma língua bifurcada da cor do sangue. A pele é escamosa e raiada, mas a cabeça é coberta de penas. O seu olhar amedronta pessoas. Ele protege os pântanos e os anfíbios, e gosta de umidade e flores. O Mbói Tu’i pode urrar um forte grasnido que pode ser ouvido de longe e gera terror em quem o ouve.

57) Minhocão – Descrito como uma criatura serpentina imensa e subterrânea, que causa muita destruição ao fazer túneis. É dito que ele é anfíbio, capaz de viver na água. Um registro fala dele derrubando árvores tão facilmente quanto uma pessoa cortando grama, mudando os cursos dos rios e transformando terras secas em pântanos sem fundo, tudo devido às suas escavações. Pode ser que o Minhocão não seja literalmente uma minhoca gigante, mas um tipo de dipnoico ou caecílio. Folclore brasileiro.

58) Moñái – Terceiro filho de Tau e Kerana e um dos sete monstros lendários da mitologia Guarani. Possui um enorme corpo de cobra e dois chifres coloridos sobre a cabeça, que lhe servem de antenas. Ele é o lorde dos campos abertos. É capaz de subir e descer árvores com facilidade. Se alimenta de pássaros que hiptoniza com os poderes dos seus chifres. Isto faz com que seja chamado “Lorde do Ar”. Moñái gosta de roubar e esconder o que rouba em uma caverna. Apesar do tamano que tem, consegue fazer isso tão furtivamente que as pessoas das aldeias próximas não o descobrem, e ficam acusando umas às outras pelo desaparecimento das suas coisas.

59) Motelo Mama – Uma tartaruga tão gigantesca que o seu casco tem um bosque inteiro. Quando ela se move o chão treme, mas isto quase nunca acontece, pois ela é capaz de ficar parada durante séculos. Motelo é a mãe de todas as tartarugas Alguns dizem que ela sempre existiu e sempre existirá. Folclore chileno.

60) Muki – Um tipo de goblin com sessenta centímetros de altura. Mukis são mineiros e vivem embaixo da terra. Apesar do tamanho, são fortes. As vozes deles são roucas, o cabelo é longo e loiro, o rosto é peludo e avermelhado, e a barba é branca. A pele é pálida e eles carregam uma lanterna. Alguns falam que eles tem orelhas pontudas. O olhar deles é agressivo e hipnótico, os olhos refletem a luz como se fossem feitos de metal. Em algumas das tradições de mineiros, os Mukis tem dois chifres que eles usam para quebrar rochas. Os anciões aconselham que, ao lidar com um Muki, deve-se enfrentá-lo com um cinto, sem sucumbir ao medo. Eles podem ser encontrados em grupos, mas preferem viver sozinhos. O seu mundo é de escuridão eterna. Mukis podem fazer veios de minérios surgir e desaparecer, sentir as emoções dos mineiros e amolecer ou endurecer a rocha. Às vezes fazem pactos com mineiros. Gostam de pessoas discretas e honestas, que mantêm as suas promessas e o pacto em segredo.  Folclore peruano.    

61) Negro d’Água – Se você está em um barco no rio São Francisco, pode ouvir uma risada. A mesma voz logo lhe pedirá um peixe. Se você recusar, o seu barco será virado. Alguns pescadores podem carregar uma garrafa de cachaça para jogar na água ao invés do peixe. As criaturas que fazem isto são humanoides de pele escamosa e escura, carecas e cujas mãos e pés são como as patas de patos. Eles também fazem buracos em redes, assustam pessoas perto da água e outras travessuras. Algumas versões da lenda incluem garras, e se você conseguir cortar fora uma delas, o Negro d’Água precisa fazer algo para você se quiser a garra de volta.

62) Nguruvilu – Um animal aquático parecido com uma raposa, mas o rabo é longo e termina em unhas que ele usa como se fossem garras. Nguruvilus são a causa de redemoinhos que matam pessoas que tentam cruzar rios. Quando eles estão por perto, a única maneira segura de atravessar a água é usando um barco. E para se livrar destes monstros, é preciso contratar um xamã ou bruxo, dando-lhes presentes em troca pelo serviço. Mitologia Mapuche.

Primeira parte: rederpg.com.br/2020/06/24/bestiario-sul-americano-parte-1-de-3/

Bruno Kopte é membro da equipe REDERPG. Junto com Felipe Salvador, desenvolve o cenário de fantasia Atma, encontrado aqui.

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