Chamado de Cthulhu: Cthulhu para iniciantes

Talvez você deseje trazer algum companheiro de RPG para os jogos lovecraftianos, mas não sabe como lhe apresentar o cenário. Ou ainda queira apresentar o Mythos de Cthulhu a alguém que não saiba nada do nosso hobby, mas não faz ideia de por onde começar. Você pode, até mesmo, ser essa pessoa que não faz ideia do que seja todo esse negócio de Cthulhu. Este artigo é pra você. A ideia aqui é apresentar alguns conceitos básicos que fundamentam o RPG lovecraftiano, servindo como uma espécie de “Cthulhu para Leigos”.

O que é RPG?

Vamos começar bem do começo. RPG é a sigla para “roleplaying game”, ou jogo de interpretação de personagens. É um jogo diferente, onde um grupo de jogadores se reúne para contar e viver uma história. O grupo escolhe um tema e um cenário para servir de ambientação, como se fossem filmes ou séries. É possível jogar histórias de aventuras medievais, investigação criminal, horror e terror, ficção científica, fantasia histórica, novelas mexicanas, etc. As opções são praticamente infinitas. Em seguida, o grupo escolhe um sistema, que é um conjunto de regras feito para guiar os jogadores na experiência que eles desejam dentro do cenário escolhido.

Um dos jogadores do grupo cumpre o papel de definir os detalhes do cenário, criar personagens, locais, tramas e tudo o que envolve o universo fictício em que a história vai acontecer. Este jogador recebe diversos títulos, dependendo do sistema usado: DM, GM, Narrador, Guardião, Diretor, MC, etc, mas o termo mais comum é “Mestre de Jogo” ou, simplesmente, Mestre. Já os outros jogadores vão, cada um, interpretar um personagem, um protagonista dessa história que vai nascer. Cada jogador cria um personagem, sua personalidade, suas qualidades e defeitos, tudo isso sendo descrito através de números e descrições organizadas em uma ficha de personagem.

Explorando as tramas e cenários criados pelo Mestre e interpretando as escolhas, ações e até as falas de seus personagens, os jogadores vão imaginar e viver histórias ricas em desafios, conflitos, dramas, combates, descobertas e conquistas.

O que é o Mythos de Cthulhu?

A expressão “Mythos de Cthulhu” refere-se ao universo fictício criado por obras literárias escritas por diversos autores, mas que tem como seu criador e principal escritor o americano Howard Philips Lovecraft, que escreveu diversos contos de horror no início do século XX, a maior parte deles nos anos 1920. A obra de H. P. Lovecraft é marcada pelo horror, usando de histórias cercadas por um clima de perturbação psicológica, um ambiente construído intencionalmente para incomodar o leitor com questionamentos à realidade e à normalidade.

Em toda sua obra, uma espécie de mitologia única se estabelece: a de que o universo é habitado por seres alienígenas, monstros com bilhões de anos de idade, chamados de Grandes Antigos. São seres tão imensos, tão soberanos e tão absurdamente poderosos, que diante deles a raça humana é um mero detalhe, uma sujeira na existência que pode – ou melhor, vai – ser espanada do universo a qualquer momento. Alguns destes seres habitam nosso planeta, e só a mera presença deles é suficiente para perturbar a frágil mente humana, incapaz de compreender a complexa verdade sobre esses seres tão poderosos e insólitos.

As histórias do Mythos giram em torno de pessoas comuns que, no meio de alguma investigação, se deparam com a realidade sobre os Grandes Antigos e têm suas mentes destruídas por este contato. Também é muito comum os contos relatarem a existência de cultos organizados ao redor do mundo que prestam adoração a esses monstros cósmicos, praticando feitiços, utilizando artefatos milenares e realizando sacrifícios para obter poderes profanos desses deuses, ou para despertarem certas divindades que estão adormecidas no fundo de algum oceano.

Quais são os temas principais do Mythos?

As histórias que compõem o Mythos abordam os mais variados assuntos, e o mesmo vale para jogos de RPG baseados nesse universo – escrevi um artigo aqui no REDERPG sobre alguns temas que podem ser explorados em uma campanha de Call of Cthulhu, que você pode ler clicando aqui. Mas há alguns temas que podem ser considerados como os pilares, as marcas registradas que vêm à mente quando se pensa em Cthulhu.

Medo. Lovecraft escreveu que “a emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais antigo e mais forte de todos os medos é o medo do desconhecido”. Os personagens de seus contos são atormentados, não pelo medo de fantasmas arrastando correntes ou lobisomens que caçam na noite, mas o medo daquilo que é tão terrível e inexplicável no mundo que os apavora por sequer conseguir entender esses males imprevisíveis, já que podem assumir as formas mais surpreendentes, como estátuas, humanos deformados ou um mero livro antigo encapado com pele humana.

Insignificância. Os contos de Lovecraft vão de encontro a qualquer ideia megalomaníaca de que a humanidade é digna de admiração por sua grandeza, por seus feitos magníficos e por sua capacidade de se perpetuar e permanecer no topo do mundo. No Mythos, isso é uma grande mentira sem sentido. A humanidade não é nada, é um risco na história do universo, que está sendo escrita pelos verdadeiros donos de tudo, os Grandes Antigos. Eles estão por aí há muitas eras e vão continuar existindo por mais e mais eras. Faça o que quiser da sua vida. Nada do que você pense, diga ou realize importa. Eles podem destruir tudo o que você conhece com um simples bocejo desinteressado.

Sanidade. Como você acha que a limitada mente humana lidaria com esta realidade impregnada de medo e insignificância? Simples: ela não conseguiria lidar. Ela afunda em loucura a cada vez que busca encontrar uma explicação lógica para os absurdos descobertos. O mundo, as pessoas, tudo à sua volta adquire cores pálidas e incompreensíveis; os outros, que não sabem o que você sabe, acham que você está louco; seu desejo por investigar mais, de achar mais respostas que deem sentido a tudo isso, é bloqueado por uma camisa de força, um quarto branco de paredes acolchoadas e pílulas para te fazer esquecer. Mas você jamais esquecerá.

Como se joga um RPG de Cthulhu?

Tudo começa com uma escolha importante: em qual época a sua história vai se passar? Normalmente, jogos de Cthulhu se passam nos anos 1920, tanto por ser a época em que os contos de Lovecraft se passam e foram escritos, quanto pela diversão de encenar e viver costumes, locais e eventos de uma época distante e muito rica. Mas nada impede de ambientar sua história no tempo atual, num passado mais distante, ou até mesmo no futuro.

Feito isso, os jogadores criarão seus personagens. Você pode fazê-lo da forma que quiser: gênero, religião, idade, profissão, etc, você é livre para decidir tudo isso. Mas é muito importante que um fator esteja presente nesta criação: seu personagem precisa ser um investigador. Seja alguém que o faça profissionalmente, como policiais, detetives e jornalistas, ou apenas alguém que tenha aquela veia de curiosidade que não lhe permite rejeitar a chance de desvendar um mistério. As histórias lovecraftianas oferecem diversos enigmas perturbadores e atrativos; seu personagem fará o papel de vasculhá-los e descobrir as terríveis verdades por trás do véu negro.

Ao embarcar nessa viagem investigativa, é importante ter em mente que jogos de Cthulhu são um convite para que os jogadores observem – ou melhor, vivam – uma jornada intrigante, desafiadora e cruel rumo à insanidade. É óbvio que você buscará fazer escolhas e atitudes mais corretas para seu personagem sobreviva às turbulências e perigos que encontrará. Mas a grande diversão é sentir o drama e acompanhar de perto, aflito e tenso, seu personagem sendo atingido pelos horrores do mundo e além, enquanto sua mente se quebra e sua lucidez vai embora.

Quais jogos usam o Mythos de Cthulhu?

Os contos de Lovecraft estão disponíveis em diversas plataformas e eu recomendo muito que você os leia. Mas estamos falando de RPG, e o RPG permite que você vá além de ler as histórias do Mythos: ele te permite ser o protagonista dessas histórias. Se você se interessou e quer jogar, existem ótimas opções para isso.

O sistema de RPG baseado no Mythos mais famoso é o Call of Cthulhu (ou Chamado de Cthulhu), publicado pela Chaosium e trazido para o Brasil, em português, pela New Order. Ele é considerado o primeiro RPG de horror publicado e já está em sua sétima edição. Traz regras simples e intuitivas e que dão uma boa textura para que as histórias que você e seu grupo de RPG criarem tenham todos os sabores do horror lovecraftiano.

Alguns outros sistemas ambientados no Mythos são: Rastro de Cthulhu, com regras que privilegiam histórias focadas na investigação e no estilo pulp (como nos filmes de Indiana Jones); Cthulhu Dark, que é um sistema minimalista, cujo manual possui apenas duas páginas, mas que, mesmo nessa simplicidade, consegue dar ao jogo o horror que os jogadores desejam; Ratos nas Paredes, um sistema brasileiro, criado por Diego Bassinello, que foi apoiado em um financiamento coletivo de sucesso e que em breve estará disponível; e, por fim, Cultos Inomináveis, em breve em português pela Buró Brasil/Redbox.

Afinal de contas, o que é “Cthulhu”?

O nome Cthulhu é praticamente um sinônimo do universo criado por Lovecraft. O que é curioso, porque ele aparece em poucos contos. Cthulhu é o nome de um dos Grandes Antigos, as tais criaturas horripilantes e cósmicas que são os astros dessa mitologia. Ele apareceu pela primeira vez no conto O Chamado de Cthulhu, de 1928. Seu nome é impronunciável por humanos, já que o som correto da pronúncia só pode ser alcançado por uma estrutura de cordas vocais que nós não temos – ou seja, pode falar o nome como você quiser (cuthúlu, catchúlu, kthúlu, cleiton, etc), vai estar errado de qualquer jeito. Nas histórias, Cthulhu é adorado por uma seita secreta que busca despertá-lo e trazê-lo à nossa realidade, o que seria o gatilho para o fim do mundo. Ele é representado por um ser gigantesco, de pele esverdeada e com tentáculos na face. Dizem que ele está dormindo e tendo sonhos, sonhos esses que afetam nossas mentes e nos fazem ver coisas que não deveríamos e com as quais não podemos lidar. Esta criatura icônica virou o símbolo maior da mitologia lovecraftiana.

Agora que você sabe o básico, fica o convite: partiu jogar Cthulhu?

Por Jã
Equipe REDE
RPG

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