O novo Guia do Mestre está cheio de opções para Dungeons & Dragons quinta edição, chegando ao ponto de fornecer regras para explosivos e tecnologia alienígena em uma campanha de D&D. Parece esquisito?
Acontece que ambas as ideias têm uma longuíssima história, com a ideia de fantasia científica em D&D sendo tão antiga quanto a criação do jogo.
ORIGENS DA FANTASIA CIENTÍFICA: 1975-1985
Para mostrar que fantasia científica estava no DNA de D&D desde o começo, basta ver o famoso “Appendix N” do Guia do Mestre original de 1979. As leituras que inspiraram o Appendix N incluem séries de fantasia pura como o Conan de Robert E. Howard, as histórias de Fafhrd e o Grey Mouser por Fritz Leiber e os romances de Elric por Michael Moorcock. Mas também inclui os livros de Marte por Edgar Rice Burrough, a série World of Tiers de Philip José Farmer, e Hiero’s Journey por Sterling Lanier – uma história pós-apocalíptica cheia de animais mutantes e poderes psíquicos!
Fantasia científica era uma ideia prevalente nos anos 1970, uma época quando os limites entre gêneros não eram tão restritos quanto são hoje. Isso resultou em fantasia científica se espalhando pelo início do RPG. o Wilderlands RPG de Bob Bledsaw (1976) estava cheio de artefatos tecnológicos, incluindo um caça Mig acidentado. Arduin Grimoires de Hargarve Anduin (1977) tinha alienígenas e monstros espaciais. Contudo, foi o co-criador de D&D, Dave Arneson, que trouxe a fantasia científica ao D&D.
Assim como muitos dos primeiros cenários de RPG, o Blackmoor de Arneson tinha tecnologia antiga – uma ideia que ele introduziu ao mundo no suplemento Blackmoor de 1975 para o jogo orginal de D&D. Ele continha a primeira aventura publicada pela TSR para D&D, “The Temple of the Frog“, em que Arneson revela que o templo é controlado por Stephen the Rock – “um humanóide inteligente de outro mundo/dimensão.”
Alguns anos depois, a aventura Expedition to the Barrier Peaks, escrita por Gary Gygax para AD&D, mostrou a fantasia científica para uma nova geração de jogadores. A aventura de Gygax foi narrada pela primeira vez na Origins II Game Fair em 1976, enfatizando as origens da fantasia científica no D&D. Isto recebeu mais atenção com a sua publicação quatro anos depois. Enquanto “Temple of the Frog” de Arneson havia apenas tateado a fantasia científica, Expedition to the Barrier Peaks de Gygax mergulhou no gênero completamente. A aventura inteira consiste em explorar uma espaçonave caída – uma nave baseada na Warden do RPG de fantasia científica da TSR, Metamorphosis Alpha (1976). Monstros como os devoradores de mentes se tornaram raças alienígenas, enquanto tabelas complexas permitiam que jogadores manipulassem tecnologia futurista.
Depois disso, a fantasia científica desapareceu das aventuras de D&D, embora persistisse na linha básica de D&D, que estava se tornando mais leve e experimental. Duas aventuras básicas de D&D podem ser ressaltadas. Earthshaker! (lançada em 1985) dava aos jogadores a oportunidade de investigar o que era basicamente um mecha gigante. Mais tarde naquele ano, Where Chaos Reigns colocava jogadores contra os futuristas oards, que haviam conquistado o mundo através de viagem no tempo. Além de ter uma premissa de fantasia científica, aquela aventura também incluía tecnologia e monstros futuristas (estes últimos imaginados como criaturas comuns de D&D).
Após 1985, jogadores teriam que buscar cenários específicos para satisfazer a vontade por fantasia científica. Felizmente, havia um número cada vez maior deles.
CENÁRIOS DE FANTASIA CIENTÍFICA: 1984-2014
Não é surpresa nenhuma que Gary Gygax e Dave Arneson fossem responsáveis pela introdução de fantasia científica em D&D. A influência deles continuou durante a primeira metade dos anos 80, quando Dave Arneson voltou à TSR para publicar uma série de aventuras de Blackmoor para a Caixa Básica de D&D.
Embora Arneson tenha dito que o cenário Blackmoor não é tão voltado para a fantasia científica quanto os fãs possam pensar, essa impressão vem das aventuras “DA” que ele co-escreveu no meio dos anos 80. Estes suplementos incluíam The Temple of the Frog, que era uma nova versão da masmorra clássica de Blackmoor focando mais do que nunca nos aspectos tecnológicos, e City of the Gods, que detalhava uma “cidade alienígena” inteira caída do céu. A temática de fantasia científica da versão de Blackmoor para a Caixa Básica de D&D era tão forte, que alguns fãs até usaram o reino ancião de Arneson como uma explicação para a tecnologia revelada em Earthshaker! alguns anos antes.
Os anos 1980 também presenciaram a vinda de um novo defensor de fantasia científica na TSR: Jeff Grub. Suas primeiras contribuições foram para o mundo de Krynn de Dragonlance, onde ele introduziu os “tinker gnomes” (gnomos engenhoqueiros) que ele descreve como os “tecnologistas de Krynn”. Gnomos foram mencionados aqui e ali nas primeiras aventuras de Dragonlance, mas a primeira vez que foram protagonizados foi na breve visita à Montanha Nevermind que ocorre em Dragons of War. Só cresceram em popularidade desde então.
Os gnomos engenhoqueiros reapareceram em 1989 em Spelljammer, que foi o cenário mais centrado em fantasia científica que D&D já teve. Assim como os gnomos, o cenário Spelljammer tem uma temática steampunk forte, mesmo se o gênero ainda levaria alguns anos para ser bem conhecido. É Júlio-Verne-encontra-D&D. Espaçonaves viajam pelo vácuo, e monstros comuns como devoradores de mentes, beholders e povo lagarto se tornaram uma vez mais raças alienígenas.
Os anos 1990 foram a era dos cenários de campanha para D&D. Dois dos mais populares tendiam a temas de fantasia científica, embora eles fossem mais distantes do gênero que Spelljammer. O cenário Dark Sun (1991) contava a história de um planeta moribundo, baseado no gênero de romance planetário criado por Edgar Rice Burroughs, Leigh Brackett e outros. Embora fosse mais sobre espadas do que espaçonaves, Dark Sun era quase um cenário fantasia científica completo. O cenário Planescape (1994) era essencialmente uma nova maneira de ver os Planos Exteriores. No entanto, se focava em um ambiente muito mais urbano do que era comum em D&D na sua exploração de Sigil, A Cidade das Portas. Planescape também adotou uma linguagem que mesclava gírias dickensenianas e elisabetanas. Mesmo sem naves ou armas de raios, o cenário dava uma sensação muito parecida com um mundo de fantasia moderno.
Foi apenas em 2004, durante a terceira edição de D&D, que surgiu outro cenário caracterizado como fantasia científica. Eberron, por Keith Baker, foi escolhido como o vencedor de um concurso organizado pela Wizards of the Coast. O cenário provou que ideias de fantasia científica ainda eram uma ferramenta valiosa para D&D, com a sua inclusão de trens movidos a relâmpagos, embarcações elementais, construtos vivos chamados warforged (forjados bélicos), e mais – tudo bem integrado no design do mundo. De todos os cenários fantasia científica de D&D, Eberron tem recebido mais suporte nos últimos anos, com livros básicos tanto para a terceira edição (Eberron Campaign Setting) quanto a quarta edição (Eberron Campaign Guide). Além disso, o cenário teve numerosos suplementos e até um jogo eletrônico – a encarnação original de Dungeons & Dragons Online em 2006, pela Atari.
ACRESCENTANDO ARMAS DE FOGO
As incursões do gênero fantasia científica em Dungeons & Dragons introduziram muitas armas de raios e outras armas tecnológicas. Expedition to the Barrier Peaks incluiu blasters, lasers, needlers, pistolas de paralisia e granadas. Muitos designers de D&D preferiram ser mais convencionais, não indo além de armas antigas – mas estas ainda podem causar uma grande diferença em um jogo de RPG de fantasia.
Os primeiros narradores de D&D eram encorajados a acrescentar armas em seus mundos de fantasia no Guia do Mestre de AD&D, que incluía uma curta seção chamada “Sixguns & Sorcery” (Revólveres e Feitiçaria). Ela providenciava não apenas regras para conversão entre AD&D e Boot Hill (o RPG de Velho Oeste da TSR, publicado em 1975), mas também continha regras para diversas armas diferentes. Derringers causavam 1d4 de dano, enquanto outras armas faziam 1d8 de dano. Dinamite causava incríveis 4d6 de dano – ou 6d6 se o narrador permitisse um teste!
Armas de fogo tiveram mais destaque no D&D através do cenário de Forgotten Realms. Uma consequência do Tempo das Perturbações foi o deus Gond the Wondermaker dar aos Lantanese o segredo de fazer armas de “smokepowder” precisas e seguras. O suplemento Forgotten Realms Adventures introduziu novas armas de pólvora, incluindo o bacamarte (1d4 dano), o mosquete (1d12 dano), e a bombarda (incríveis 2d20 de dano).
No entanto, foi um cenário descontinuado que mais usou armas de fogo em D&D. O livro básico A Mighty Fortress, lançado em 1992, era uma campanha histórica durante a era elisabetana da Europa dos séculos 16 e 17. Seu armamento era muito similar às armas de “smokepowder” de FR, mas armas de fogo eram muito mais prevalentes no cenário histórico, criando uma dinâmica bem diferente.
TSR avançou ainda mais com Masque of the Red Death and Other Tales (1994), um suplemento para Ravenloft que se passava durante a última década do século 19 da “Gothic Earth”. O livro incluía algumas armas de fogo descritas como “bastante precisas e razoavelmente seguras”. Essa precisão é realçada pelo poder das mesmas, com derringers causando 1d5 de dano, pistolas maiores com média de 2d6 e escopetas causando 3d6!
AO FUTURO E ALÉM: 2014-PRESENTE
Cenários tais como Forgotten Realms, Eberron e Dark Sun permaneceram importantes nos últimos anos. No entanto, a quinta edição de D&D incluiu tecnologia nas regras básicas – embora fique como opção do Mestre. Pistolas (1d10 de dano perfurante), escopetas (2d8 de dano perfurante) e até rifles de antimatéria (6d8 de dano necrótico) aparecem no novo Guia do Mestre e são agora uma parte oficial de D&D. No entanto, assim como tantos outros detalhes na quinta edição, esta novidade se trata do jogo voltando às suas raízes – porque fantasia científica esteve no coração de D&D desde o começo.
Sobre o Autor
Shannon Appelcline tem jogado RPG desde que seu pai o ensinou o Básico de D&D no início da década de 80. Ele é o editor-chefe da RPGnet e autor de Designers & Dragons, uma publicação de quatro volumes sobre a história da indústria do RPG, contando sobre uma companhia de cada vez.
Sobre o Tradutor
Bruno Kopte é membro da Equipe da REDERPG e gosta de misturar fantasia com ficção científica.
Link para o artigo original: dnd.wizards.com/articles/features/you-got-science-my-fantasy