Cold City é um dos vários RPGs independentes (ou indies) que conseguiram destaque nos últimos anos. Lançado pela Contested Ground Studios, ele é definido como “um jogo de agendas ocultas, confiança e caça a monstros”.
A proposta de Cold City é, na verdade, deliciosamente tentadora. Imagine uma Segunda Guerra Mundial onde os nazistas, desesperados ante sua iminente derrota, recorrem às mais sinistras tecnologias e conhecimentos proibidos do Homem – tudo para impedir a queda do Reich. Apesar dessa estratégia insana, os Aliados obtém vitória.
Contudo, um novo problema surge no horizonte: o poderio soviético não pára de aumentar e as forças ocidentais olham Stalin com desconfiança; Berlim, por sua vez, se torna o centro de uma guerra oculta e bizarra corrida armamentista. Todos desejam obter o nefasto legado nazista. Com vistas a impedir que a macabra tecnologia caia no mercado negro, os poderes vitoriosos criam a Reserve Policy Agency (ou RPA) – uma espécie de força policial de elite, formada por agentes americanos, franceses, britânicos e soviéticos. Quando a polícia de Berlim descobre algum acontecimento estranho (ou quando alguma ruína ou bunker abandonado da cidade revela não estar tão vazio assim), a RPA é acionada. Máquinas capazes de reviver os mortos, vítimas sobreviventes de experimentos nazistas, estranhos rituais baseados em matemática hiperdimensional… Há vários horrores enterrados abaixo do Portão de Brandenburg.
Cold City é uma mistura inteligente da conspiração e espionagem da Guerra Fria, misturados com os pesadelos tecnológicos e sobrenaturais no melhor estilo de Lovecraft ou Mike Mignola. Como demais RPGs indies, o jogo tem um propósito bem específico: o grupo ideal é de que 4 personagens, todos agentes membros de um dos times da RPA. Cada jogador é membro de um das quatro nações que dividem a Berlim pós-guerra. A intriga que corre entre as próprias personagens dos jogadores é parte do combustível do jogo.
Em termos de regras, Cold City segue a tendência indie: uma mecânica unificada para todo tipo de conflito, seja combate físico a perícias sociais. São apenas 3 atributos (Ação, Influência e Razão), acompanhados de Traits, que podem ser positivas, negativas ou ambas. Um exemplo de Trait seria “Dedos Leves”, “Louco numa luta” e coisas do gênero. Cold City é um RPG narrativo, mais preocupado com a condução da história do que com um equilíbrio mecânico-tático.
As personagens possuem ainda objetivos próprios, definidos como National Agendas (ordens recebidas de seus governos) e Personal Agendas (objetivos secretos da própria personagem). Levando em conta que os agentes da RPA costumam ser veteranos de guerra, há chão de sobra para histórias.
Finalmente, cada personagem estabalece também seus níveis de Trust (Confiança) nos demais agentes do grupo.
Testes são feitos com pilhas de d10s. Primeiro se pega o atributo. Caso a ação desejada envolva alguma das Agendas do personagem, dobra-se essa pilha. Após isso se somam Traits positivas, subtrai-se Traits negativas. Por fim, adiciona-se (se for o caso), Trust. Estabelecida a pilha de dados, cada participante define seus objetivos no conflito. Acertado isso, rolam-se os dados. Ganha quem tiver o maior conjunto de números altos.
A diferença entre os resultados define as conseqüências. Cold City é, como dito, bem narrativo e o Narrador tem uma incrível liberdade na interpretação dos resultados (o livro, no entanto, fornece exemplos para os vários graus de sucesso).
A grande diversão do jogo é a mecânica de Trust, onde o jogador indica (numa escala de 0-5) o quanto sua personagem confia em cada um dos outros três agentes de seu time (ou seja, as personagens dos demais jogadores). Há regras específicas para determinar como distribuir seus pontos de Trust inicias, que flutuam ao longo do jogo.
Como funciona Trust? De duas formas básicas. Qualquer teste onde sua personagem conta com o suporte ou a confiança de outro agente para vencer (por exemplo: ele lhe dá cobertura num tiroteio, ou fica ao seu lado ao enfrentar o terror gerado por uma aberração) lhe garante dados adicionais iguais ao nível de Trust. Por outro lado, caso outro agente queira te trair (para favorecer alguma Agenda), o traidor ganha um número de dados no teste igual à sua confiança nele. Por isso, apesar de confiar nos demais agentes ser por vezes vital, é também uma empreitada arriscada. O clima de paranóia que Cold City gera com essa simples mecânica é sensacional.
Após o sistema, Cold City traz uma rápida história e descrição de Berlim, com as devidas mudanças do cenário (por exemplo: a RPA têm acesso a discos voadores feitos com tecnologia nazistas). Temos um mapa da capital alemã, descrição do seu submundo e outros ganchos. A própria RPA e seus quatro dirigentes são detalhados. Finalmente, há exemplos de antagonistas, desde o clássico zumbi a entidades extra-dimensionais.
O livro traz dicas para se construir cenários, além de algumas aventuras e sugestões de histórias. Dentre essas, a excelente Prisioneiro #8, envolvendo a bizarra fuga de uma ser extradimensioal que possuiu o corpo de um misterioso prisioneiro alemão.
Cold City já gerou um suplemento e mesmo um jogo-sequência, chamado Hot War, que se passa em uma Inglaterra pós-apocalíptica, onde EUA e União Soviética entraram em guerra e liberaram sobre o mundo os horrores da tecnologia negra obtida dos nazistas.
Layout/Arte: 3 – Arte P&B razoável, mas bem no clima.
Texto: 5 – Simples e direto.
Conteúdo: 5 – Uma premissa sensacional, mas cuja exploração é deixada nas mãos do Narrador.
Notal Final: 5 (dou nota “5” ao invés de “4”, pois trata-se de um RPG indie, onde raríssimas vezes o autor tem acesso a bons artistas e editores
Por Tzimisce
A resenha de “Cold City” foi publicado originalmente no antigo portal em 18 de julho de 2009 e teve 1.363 leituras.