Anunciamos aqui o livro Contos Nórdicos vol. 1, que tem lançamento previsto para junho de 2011. A produção do livro está de vento em popa e, como já é de costume, estamos soltando hoje um pequeno preview do material.
Contos Nórdicos vol. 1 trata-se do primeiro volume de uma série de livros que traz vários contos ambientados no cenário de Vikings: Guerreiros do Norte. Os contos não são interligados entre si, mas todos eles fazem parte do universo de Vikings e dão detalhes dos personagens, dos locais e dos eventos descritos nos compêndios da série. Veja abaixo excertos de alguns dos contos presentes no livro:
Calha de Sangue
Por Cristiano Cuty
O brilho prateado do metal era agora ofuscado pelo rubro sangue que tomava toda a lâmina. Com as mãos trêmulas crispadas na empunhadura da espada preenchida de um vermelho escuro, Holth, um Volsung ao qual o sobrenome fora renegado, olhava ao seu redor imaginando se havia tomado a atitude correta. O brilho de seus olhos havia se esvaído fazia quase um minuto, substituído pelo vislumbre fugaz, porém vívido, de uma ação permeada pela dúvida.
Agora Holth, que puxava com algum esforço a lâmina do corpo inerte e sem vida de sua vítima, relembrava os momentos e os fatos que culminaram naquela trágica cena…
Era uma manhã de primavera em Varlatag. O sol, como de costume, não era suficiente para aquecer a grama gelada, ainda coberta com uma fina camada de orvalho congelado. Mas o frio era suplantado pela batalha ardente que tomava os campos ao redor da vila. Os gritos, o som dos metais se chocando e o sangue que jorrava a cada golpe certeiro sobre um oponente criavam o cenário de combate, dor e desespero de homens e mulheres que defendiam suas famílias. E os invasores estavam se sobressaindo sobre os invadidos.
Fazia três dias que o grupo de mercenários havia montado o cerco em volta da vila de Varlatag. Não fizeram exigências, não enviaram batedores ou negociantes, não disseram o motivo porque vieram. Simplesmente cercaram o vilarejo, ergueram paliçadas, mostraram suas armas e se prepararam para o combate. Em Varlatag todos permaneceram apreensivos, aguardando o momento em que o ataque seria deflagrado. E de repente, sem qualquer aviso, sem a apresentação de estandartes ou a declaração de objetivos, os guerreiros partiram para o combate.
O Drakkar da Serpente Marinha
Por Fabrício Camargo
Houve alguma discussão entre os homens na praia e mais ainda depois que apenas o Jarl e o capitão partiram sozinhos para o interior da terra, deixando toda a tripulação para trás para reparar o Drakkar. Varkald gostaria de se lembrar do que eles haviam dito naquela hora, isso com certeza tornaria tudo o que veio depois, no que a sua vida se transformou, em uma tarefa bem mais fácil. Mas, naquele momento, o navio detinha toda a sua atenção. Como poderiam seus olhos de garoto não reparar na enorme cabeça de serpente que adornava a proa do navio? Tinha o olhar feroz e fixo, sempre a frente e, diferente das outras que já vira, não se encontrava rugindo num desafio medonho. Estava quieta, com a mandíbula fechada, suas enormes presas escapando pelos lados da boca pequena demais para contê-las. Parecia-se com um predador com os olhos fixos em sua presa, prestes a atacá-la, a irromper em movimento, mas nunca o fazia. O navio certemente era trabalho de um mestre artesão, era possível percebê-lo nos detalhes. Da cabeça removível da serpente era possível ver, se extendendo pela amurada do navio, o corpo ondulado da serpente marinha e recoberto por escamas, circundando todo o drakkar até a sua popa onde se erguia sua calda. O garoto passou toda a manhã perdido em devaneios, tentando guardar na memória cada segundo do que via. Foi quando a realidade fria o acometeu: o que esses homens faziam tão ao norte quando o butim estava a sul e a oeste? Precisava avisar ao seu pai!Varkald esgueirou-se cuidadosamente até que as elevações da costa o encobrissem da visão daqueles que estavam na praia, então começou a correr. Apressou-se o máximo que pôde e relatou tudo o que vira a seu pai e Jarl. Seu pai ficara preocupado, mas sabia não ter forças para confrontar aqueles guerreiros experientes, então preparou-se, como de costume. Fortaleceu as defesas da vila, convocou todo homem que restara na região naqueles dias, postou vigias em pontos estratégicos do território, sempre longe da praia para não atrair atenção indesejada. E esperou. Por dias a vila viveu a ansiedade da chegada desses forasteiros. Varkald se lembrava da voz do pai praguejando, tentando entender o motivo da vinda de homens como seu filho descrevera. “Não faz sentido! o que os Huskalars hão de querer dessas terras?” Dias depois, Otti, o prudente liderou uma escolta até o mar para confrontar o navio e o poderoso Jarl sulista. Só consiguiriam derrotá-los pelo ardil e, mesmo assim, havia chance de caírem, mas estavam cansados de esperar. Varkald seguiu o grupo a distância, sem ser percebido.
De seu lugar privilegiado, Varkald viu a cena que os homens encontraram: praticamente toda a tripulação estava morta na praia, haviam sinais de luta por todos os lados, mas apenas tripulantes mortos povoavam a praia. O Drakkar havia sumido. Os homens revistaram os corpos e retiraram todos seus pertences de valor, armas, escudos, braceletes, tudo foi deixado para trás, intocado. Os corpos do capitão e do Jarl que Varkald vira não foram encontrados entre os mortos. Varkald recebeu um par de botas de couro, grandes demais para seus pés de menino, e um manto de pele de lobo. Os homens retornaram a vila como heróis, mesmo sem terem travado batalha alguma. Os pertences e o ouro eram bem vindos e deixaram os homens orgulhosos, mas Varkald percebia que seu pai estava preocupado… Nada fazia sentido.
Alguns ciclos da lua depois as coisas mudaram. O território, que já era inóspito, tornou-se feroz. O frio era mais intenso do que qualquer ancião conseguia se lembrar, os ventos arrancavam o telhado das casas, criações morriam, crianças e velhos não resistiam ao frio, caçadores experientes desapareciam. E, então, veio a neve. A maior de todas as nevascas caiu durante dias, e o que restava das poucas plantações e criações morreu ou foi abatida. Os doentes raramente se recuperavam. Parecia o fim de tudo! Todos os vassalos do Jarl se reuniram na casa comunal, um cômodo apinhado de gente de toda a região. Durante todo o tempo eles oraram e ofereceram sacrifício aos deuses para aplacarem sua fúria, mas só receberam mais frio, vento e neve. E com o frio e a neve vieram os Jotär.
A Ruína de Krankheim
Por Fernando Scheffer
Quando o portão terminou de abrir, ele se virou para seus companheiros e disse:
– Se aprumem, não devemos parecer inferiores diante de deuses tão arrogantes!
O corredor era largo e muito alto, mal se viam as abóbodas de seu teto. Colunas se pronunciavam nas paredes a distâncias regulares. Tochas de ferro fundido iluminavam suficientemente o ambiente. Aqui e ali havia portas e corredores que permitiam acesso a outros cômodos do palácio. (…) Decorando o ambiente, menires e tábulas, repletos de runas, narravam sagas das aventuras dos aesires. O tamanho e extensão do corredor principal só aumentavam a sensação de pequenez da comitiva de anões que o percorria. Ao fim do corredor, outro portão, mais simples e menor que o primeiro, aguardava fechado à aproximação deles. Não houve necessidade de bater para ser anunciado, pois ele foi aberto antes de chegassem perto. Era o portão do grande salão.
O grande salão era longo e cheio de colunas bem feitas, que sustentavam o teto abobadado com leveza. Enormes vitrais, feitos de cristais coloridos, permitiam que a entrada da luz mágica de Asgard iluminasse o ambiente. O piso de pedra era tão polido e lustroso que o reflexo quase perfeito duplicava a amplidão do ambiente. Na área central existia um palanque em forma de ferradura, onde havia várias cadeiras. Uma para cada aesir. Em dias de festa eram colocadas mesas nos palanques e no piso logo abaixo, para os convidados. Hoje não havia mesas, só as cadeiras dos aesires. No ponto mais alto e central estava Hlidskjálf, o trono de Odin.
Por trás das cadeiras, sobre o palanque, era possível ver, lado-a-lado, os Ynglings, os famosos guerreiros de Odin. Quatorze guerreiros berserker que, em suas vidas, se destacavam por sua força, bravura e devoção ao rei dos aesires. Ao contrário dos guerreiros mortos que são levados para o
Valhalla, eles eramtrazidos diretamente a Valaskjálf, onde são recebidos pelo próprio Odin, para servi-lo.
O Relato do Navegador
Por Victor Scanapieco
O navio parecia em péssimas condições: velas rasgadas, buracos no casco e muito lodo por toda parte. A única pessoa presente era um homem de pé na praia, apoiado em uma espada. Ele olhava em minha direção e parecia me esperar, antes mesmo que eu aparecesse no topo das pedras que eu escalara. Eu desci então e caminhei na direção dele, e pude perceber que havia um outro corpo caído ao chão logo atrás dele. Não havia necessidade nenhuma de identificar a quem aquele corpo pertencera.
Ao me aproximar, notei que o estranho homem parecia estar em tanta necessidade de cuidados quanto seu navio. Suas feições eram pálidas e doentias, podia-se ver que vários dentes faltavam em sua boca que estava sempre aberta; o elmo que cobria sua cabeça era defeituoso e enferrujado; a própria espada em que ele se apoiava parecia ter a lâmina cega.
O que quer que ele fosse, eu sabia que fora ele que trouxera a morte aos meus homens. Fizera com que eles tombassem sem chance de luta, sem ao menos uma oportunidade de sacar suas armas. Porém, naquele momento, não era um marinheiro inexperiente que o encarava. Minha espada já estava firme em meu punho e meu olhar, fixo no vulto. Meu coração batia acelerado de raiva e meus membros tremiam um pouco com a ansiedade de atacá-lo. Sua falta de expressão, sua indiferença à minha presença, apenas aumentaram a fúria em mim.
Com longos passos, erguendo ao alto minha espada, empunhada com ambas as mãos para que o vilão fosse abatido com um só golpe, avancei contra ele. Três passos me colocaram em distância de ataque, porém, quando minha espada desceu em arco contra seu crânio, sua própria espada enferrujada subiu e chocou-se contra minha lâmina com a força de três homens, arrancando a arma de minha mão, fato este que nunca poderia ser realizado por qualquer homem vivo.
Post Scriptum: os trechos acima ainda não foram submetidos à revisão final. Portanto, perdoem possíveis erros.
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