L5A: A Voz do Imperador – Pontos de Vida e Estilos de Jogo

O filme “O Último Samurai”, exemplo de combate mais realista.

Lenda dos Cinco Anéis (L5A) é um jogo de fantasia oriental com heróis honrados, feiticeiros sinistros e criaturas nefastas. No entanto, diferentemente de outros jogos do gênero de fantasia, o combate tende a ser mortal e um tanto cruel.

A razão para esse nível de mortalidade reside no fato do 10 explodir, o que torna o dano uma jogada imprevisível. Já vi um samurai do Caranguejo matar um samurai do Escorpião com um soco. O que era para ser apenas uma ofensa bruta, resultou em uma morte trágica por causa do 10 explodindo três vezes. Também já perdi um personagem shugenja do clã Dragão com 1 hora de aventura, ao levar uma pancada na nuca do sensei. Não era a intensão do Narrador, mais o 10 explodiu e uma fatalidade aconteceu. Isso me deixou traumatizado durante muito tempo de jogar com personagem com o Anel da Terra 2.

Ao longo dos anos, as edições foram modificando as regras dos pontos de vida para tentar prevenir esse tipo de mortes súbitas, mas sem tirar a letalidade dos combates, uma das marcas do sistema.

Esclarecimento para os Novos Jogadores

Explosão do 10

Sempre que o jogador tira 10 no d10, ele rola o dado novamente o soma o resultado, caso tire 10 novamente, rola o dado de novo e adiciona o resultado, e assim sucessivamente até que não saia outro 10.

Pontos de Vida

Os pontos de vida são baseados no valor do Anel da Terra, que é formado pelos atributos Vigor e Vontade. Para se ter Terra 3, o personagem tem que ter Vigor 3 e Força de Vontade 3. Para estabelecer os pontos de vida, multiplica-se o valor do Anel da Terra normalmente por 2.

A Evolução dos Pontos de Vida

Na primeira edição, os personagens contavam com oito níveis de ferimentos, formados pela multiplicação do Anel de Terra por 2. Assim, um personagem com Terra 2 teria 32 pontos de vida totais. Fora isso, a partir do segundo nível de ferimento, o jogador recebia uma penalidade de -1 dado em sua parada de dados total, simulando a dor e a exaustão causadas pelos ferimentos. Ao chegar ao sexto nível, o personagem só conseguia se arrastar e se tornava um alvo fácil. No sétimo nível o personagem desmaiava e vinha a morrer ao sofrer uma quantidade de dano maior do que seus pontos de vida total.

Já na segunda edição, para aumentar um pouco a durabilidade dos personagens, foi acrescentado um nível de ferimento a mais. Assim, um personagem com Terra 2 teria 36 pontos de vida totais. Além disso, as penalidades não era mais media em dados, mas sim em um valor baixo no segundo nível (+3 na dificuldade) e absurda no sexto nível (+20 na dificuldade). No sétimo nível o personagem só conseguia se arrastar, no oitavo ele desmaiava e morria ao receber uma quantidade de dano maior do que seus pontos de vida total.

Na terceira edição, os níveis de ferimento voltaram a ser oito, retirando o último nível, Dead (Morto), uma vez que o personagem só morria depois que todos os pontos de vida eram perdidos e não ao entrar nesse nível. Mas nem por isso os personagens ficaram com menos pontos de vida, uma vez que oitavo nível agora era multiplicado por cinco e não mais por dois, como os outros sete níveis anteriores. Assim, um personagem com Terra 2 teria 38 pontos de vida. As penalidades se mantiveram as mesmas da edição anterior, no entanto o sétimo nível agora, ao invés de praticamente incapacitar o personagem, estabelecia uma penalidade insana (+40 na dificuldade) e ainda requeria o gasto de 1 ponto de Vazio (Void). Para um personagem iniciante isso não fazia muita diferença, mas para personagens de nível alto, fazia muita diferença.

Finalmente, um personagem com Terra 2 na quarta edição tem os mesmos 38 pontos de vida. Entretanto, a nova edição mudou a lógica, fazendo com que primeiro nível seja multiplicado por cinco ao invés do último, possibilitando que o personagem fique de pé durante mais tempo durante o combate. Mais tempo de pé significa mais ataques e maior possibilidade de sobrevivência. Dessa forma, a nova edição tornou os personagens mais duráveis com apenas uma simples mudança na regra.

Além disso, a quarta edição trouxe no livro de regras básicas uma proposta de alteração na regra de pontos de vida que permitia a alteração do multiplicador do Anel da Terra, algo que já era usado como regra caseira por aqueles grupos que desejavam personagens mais duráveis. No entanto, ao invés de apenas fazer um agrado aos fãs de combate, a proposta apresentada foi amarrada a estilos de jogos, algo que considerei genial.

Segundo os autores, o multiplicador 2 resulta em combates rápidos, com cerca de 1-3 rodadas. Claro que essa quantidade vária de acordo com o estilo do grupo, mas mesmo assim um combate com 5 rodadas ou mais realmente é muito raro usando esse multiplicador. Assim, um multiplicador garante um combate mais demorado ou uma sequência maior de combates sem que o grupo precise parar para se recuperar. As possibilidades de multiplicadores apresentadas no livro são 3, 4 e 5, mas sua utilização fica a cargo do Mestre e sua intenção para o jogo.

Os Estilos de Jogo

Apesar de ser um cenário fantástico, o cenário padrão leva em consideração que um golpe bem dado deveria ser capaz de matar um samurai, ou pelo menos inutilizá-lo por um bom tempo. Isso é refletido no multiplicador padrão. No entanto, a possibilidade de usar um ponto de Vazio para ignorar 10 pontos de dado (confesso que faço muito isso) deixa as coisas um pouco mais fantásticas. Dessa forma, a primeira possibilidade de estilo de jogo afeta justamente isso.

Dura Realidade

Um dos estilos de jogo apresentado é chamado de algo como “Dura Realidade”, que pode ser utilizado por Narradores que desejam uma campanha mais realista, mais próxima dos filmes de samurais clássicos como “Os Sete Samurais”, ou mesmo mais recentes como “O Último Samurai”. Para emular esse estilo, os autores orientam a usar o multiplicador 2 para todos os níveis de ferimento (nada de multiplicar por 5 o primeiro nível, ou seja 32 pontos de vida com Terra 2). Para aumentar a letalidade, e assim aumentar sua carga dramática, recomenda-se a não permitir que o Vazio seja usado para ignorar ferimentos. Uma alternativa extrema seria considerar morto o jogador que recebesse um ataque de uma arma média ou grande, ou um número de ataques iguais a Terra de armas pequenas.

O filme “O Último Samurai”, exemplo de combate mais realista.

O filme “O Último Samurai”, exemplo de combate mais realista.

Em uma campanha com esse nível de letalidade, não dá para se considerar uma campanha com diversos combates ou ela terá vida curta. Esse tipo de estilo favorece uma campanha cheia de intrigas onde o combate deveria acontecer apenas no clímax da aventura ou mesmo da campanha, deixando tudo muito tenso para os jogadores que poderão perder seus personagens a qualquer momento. Campanhas de intriga na corte, assassinatos misteriosos ou a caçada a um usuário de magia de sangue são boas opções para personagens de baixo nível. Eu reservaria batalhas campais e caçada a criaturas sobrenaturais para personagens de nível mais elevado, e deixaria uma investida à Terra das Sombras apenas para quanto os personagens chegassem ao nível 4 ou 5.

O papel dos shugenjas devem ser muito bem pensados nesse tipo de campanha, pois a magia pode desequilibrar o combate e mesmo quebrar um pouco da tensão. Um shugenja de água curando os personagens o tempo todo tira um pouco da tensão que a proposta desse estilo de jogo deveria causar nos jogadores. Eu os tornaria personagens muito raros, tanto do lado dos heróis quanto dos vilões, reservando-os para papéis de mentores, sábios e do vilão principal da história, ou seu braço direito.

Também deve-se ter cuidado ao usar as criaturas sobrenaturais, uma vez que os modelos apresentados no livro são balanceados para personagens padrão. Assim, um ogro é um desafio tremendo nesse tipo de campanha para personagens de nível 1, e a chance de matar todo o grupo é enorme. Esse é um trabalho que exige certa experiência do Narrador, que deve pesar a habilidade dos personagens e seus jogadores com o nível de desafio apresentado por tais criaturas.

Cinematográfico

Esse outro estilo de jogo vai ao sentido oposto do estilo anterior. Ele se chama Cinematográfico, mas ao invés de se espelhar nos filmes de samurai, sua inspiração vem dos filmes de artes marciais e wuxia (como “O Tigre e o Dragão” e “Herói”). Por ter foco nas cenas de ação e combates épicos, esse estilo pede por heróis mais duráveis, por isso recomenda-se que seja utilizado o multiplicador 3 ou 4. Como nesses filmes os heróis realizam ações exageradas, para emular esse estilo os jogadores tem que ser estimulados a fazer seus personagens realizarem ações performáticas ou o jogo cairá no lugar comum.

"Samurai X", o filme baseado no anime e mangá.

“Samurai X”, o filme baseado no anime e mangá de mesmo nome.

Assim, além dos pontos de vida extra, o livro traz duas regras optativas que foram publicadas originalmente em outro jogo da Alderac chamado 7th Sea. Uma dessas regras aconselha usar o Vazio de forma parecida com o Drama Dice, que permite ao jogador escolher usar esse dado depois de saber o resultado de sua jogada. Isso faz uma grande diferença, pois evita o desperdício desse recurso e faz com que ele esteja disponível em momentos críticos. Além disso, o Narrador poderia recompensar os jogadores que realizarem ações cinematográficas com a recuperação de Vazio, o que além de estimular os jogadores ainda mantém o jogo em andamento sem precisar parar para recuperação.

Outra mecânica do 7th Sea que pode ser usada nesse estilo de jogo é a do “Capanga”, onde cada golpe bem sucedido derruba um capanga. Isso permite que os heróis lutem contra hordas de inimigos e saiam vitoriosos.

Para que esse estilo funcione, tanto o Mestre quanto os personagens tem que comprar a ideia e se deixar levar por ações inusitadas como arremesso de katana, caminhar por cima de mesas de um salão ou mesmo um duelo em cima de uma corda bamba. É importante que essas liberdades poéticas não sejam penalizadas com perda de honra para os personagens. Outra coisa que ajuda os personagens a realizar ações cinematográficas são Katas, Kihos, Magias e outras habilidades que tornam os personagens mais heroicos, então o Narrador deveria facilitar o acesso a essas habilidades.

Anime

O último estilo apresentado no livro básico é o Anime, baseado nas animações japonesas, geralmente baseadas em mangas – histórias em quadrinho japonesas – (como Rurouni Kenshin, ou Samurai X, e Lobo Solitário). Os personagens dessas histórias, que se tornaram bastante popular no mundo todo, geralmente são retratados como super-heróis, que sobrevivem a uma quantidade absurda de ferimentos e ainda retiram forças para vencer o oponente. Para emular esse estilo o livro traz alternativas interessantes.

Além de optar por usar o multiplicador 3 ou 4, o Narrador poderia permitir que o jogador use seus pontos de Vazio para recuperar pontos de vida (15-20 pontos de vida por ponto de Vazio) e/ou, a alternativa que eu particularmente mais gosto, permitir que o jogador use seus pontos de Vazio para ignorar as penalidades dos últimos dois níveis e agir normalmente por um turno. Isso traz à mesa de jogo a sensação de se retirar as últimas forças para fazer uma ação derradeira. O Narrador também poderia permitir a utilização de mais de um ponto de Vazio em momentos de extrema tensão (uma boa hora para despertar o 7º sentido).

"Samurai 7", anime inspirado no filme "Os Sete Samurais"

“Samurai 7”, anime inspirado no filme “Os Sete Samurais”.

Esse sistema depende muito dos pontos de Vazio para funcionar e regras alternativas para recuperação desse recurso são importantes. Como guia para criar sua própria regra o livro resgata uma regra antiga que permitia ao personagem recuperar seus pontos de Vazio sempre que o d10 explodia três vezes em uma mesma jogada. Outra forma é aumentar o tempo de descanso entre encontros para permitir que os jogadores sempre tenham seus pontos de Vazio cheios no começo do encontro.

Outra sugestão é facilitar o acesso a nemuranai (itens mágicos), o que dá novas habilidades aos personagens ou aprimoram as já existentes, permitindo que prevaleçam em situações extremas. Uma mudança estética interessante seria permitir itens com aparências exóticas ou de tamanho desproporcional para aproximar o jogo ao estilo. Itens mágicos tem a prerrogativa de serem encantados para não causarem desvantagens para serem utilizados.

Outra mudança necessária para esse estilo funcionar é a regra para perda de Honra. Diferentemente dos filmes orientais onde os heróis tendem a ser personagens introspectivos, no anime os heróis ou os coadjuvantes são um tanto quanto exagerados. Assim, os personagens e Personagens do Mestre podem se comportar de maneira caricata sem o medo de perder Honra. Além disso, os romances – que tendem a ser sutis ou mesmo ignorados em L5A – podem ser tratados de maneira mais aberta nesse estilo, inclusive servindo de motivação para os personagens superarem as piores adversidades (alguém pensou na senhorita Kaoru?).

Para Fechar

Houve uma época em que os sistemas de jogos dependiam de tabelas auxiliares para determinar os efeitos de uma jogada. No entanto, os sistemas modernos são muito mais elegantes e flexíveis. Eu acredito piamente que um Narrador consegue adaptar qualquer tipo de sistema de regra para seu estilo favorito. Claro que isso dá trabalho. O sistema apresentado nas regras básicas já foi testado e balanceado para você.

Dentre os sistemas atuais, o Roll & Keep de L5A é o meu favorito e acredito que com um pouco de esforço dá para se jogar qualquer estilo de jogo com ele, seja medieval, faroeste, moderno ou futurista. Mas como vimos nos estilos acima, não é necessário muito esforço para dar uma nova cara ao jogo. Se você quer fazer um estilo de jogo de horror, pode-se usar as mesmas regras do estilo Dura Realidade, ou apenas investir em uma ambientação de horror e favorecer as criaturas com habilidade de causar medo nos personagens sem alterar as características do cenário.

Outra possibilidade de mudança de estilo sem mexer no cenário seria uma campanha focada em pirataria no estilo Piratas do Caribe, o estilo cinematográfico também se encaixa bem nesse tema. Se quiser fazer algo mais próximo do período Edo e misturar samurais com armas de fogo, vá em frente, o jogo é seu. Dá para se fazer tudo, desde que os jogadores e Mestre concordem com as mudanças propostas, o que importa é a diversão.

Autor: Rafael Viana Silva
Equipe REDERPG

 

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