Até onde levar a interpretação?

Quando jogamos há pouco tempo, o mais comum de acontecer é narrarmos, ou participarmos de situações simples, ora do cotidiano ora a exaltação de características que gostaríamos de possuir, exemplos disso são ações como conquistar aquela garota linda da escola ou realizar um sonho de criança de ter super-poderes e se tornar um herói na cidade. Com o passar dos anos e da experiência de jogos, fica claro que estes temas recorrentes não são mais tão interessantes quanto o eram no princípio, criando um aprofundamento natural tanto nas situações propostas pelo narrador quanto nas histórias dos personagens.

Como o amadurecimento do ser humano acontece de forma gradual, o aproveitamento de suas experiências pessoais ou a criação de situações mais complexas acontece de forma natural interiormente, sendo refletidas no histórico de seus personagens, como um maior detalhamento de suas relações com sua família, amigos e pessoas próximas, diferenciando o que você sente por elas da impressão que você passa. Mas como transpor esse amadurecimento para a interpretação? Até onde devemos levar a interpretação de assuntos sérios e considerados “pesados” no nosso grupo?

O primeiro fato importante a se considerar é a disposição dos jogadores em demonstrar emoções, que mesmo que não sejam nossas, possam vir a nos envergonhar pelo fato de não sabermos como os outros reagirão. Pode ser constrangedor para um jogador chorar com uma situação emocionante na história enquanto os outros ficam olhando como se ele fosse louco ou estivesse exagerando. O aconselhável é ir testando os jogadores primeiro com situações consideradas corriqueiras no nosso cotidiano, como a mentira de um amigo ou a rejeição de alguém que se ama; e, aos poucos ir introduzindo fatos mais raros em nossas vidas, como a culpa pela morte de alguém ou a briga entre dois amigos pelo amor de uma mulher. Assuntos polêmicos, como os que envolvem a sexualidade (vide homossexualidade, abuso sexual, incesto) devem ser considerados com cuidado, e só adicionados na campanha quando o mestre tem a plena certeza de que todos os seus jogadores estão prontos para eles. Outra dica é criar situações individuais, para que cada jogador acostume-se a demonstrar emoções, como um ator que ri e chora por sua personagem. Aos poucos, cada indivíduo vai naturalizar essas reações, facilitando sua utilização em grupo, e chegando ao ápice da interpretação, quando todos os jogadores colocam de lado temporariamente suas emoções para assumir as de seus personagens, demonstrando isso no tom de sua voz ou suas lágrimas, sem que isso os constranja. Este ápice pode-se assemelhar a um ensaio de teatro ou seção de terapia em grupo, o que é benéfico para cada pessoa envolvida no sentido de “descarregar” o estresse acumulado no dia a dia, ao ponto que você substitui, por algum tempo, um “pacote de problemas reais” com os quais você tem que conviver na sua casa, trabalho, etc, por um “pacote de problemas fictícios” que apesar de poderem ser sérios, não são seus realmente, o que os torna mais fáceis de serem carregados.

Devemos, no entanto, considerar e ter cuidado com um aspecto negativo neste tipo de jogo: a perda da leveza. Muitos grupos de RPG se reúnem apenas na intenção de reencontrar os amigos, conversar, fortalecer amizades e usam a leveza do jogo solto, onde se faz piadas e brincadeiras durante a seção para que isso aconteça, o que impede o aprofundamento da história apesar de fortalecer a relação de amizade entre si. Jogadores deste tipo são considerados amigos divertidos e bem humorados, mas na hora em que se pensa numa campanha caprichada e com seriedade eles são excluídos. Outros grupos se reúnem na intenção de interpretar papéis, onde o jogo é o mais importante e qualquer comentário que não seja do seu personagem não é bem vindo, o que apesar de fazer uma boa história distancia as pessoas, fazendo parecer que elas são secundárias ao jogo. Pessoas que agem assim podem ser excelentes jogadores, mas são péssimos amigos, e na maioria dos casos tem dificuldades de convivência social. Neste caso, como em qualquer outra segmentação de nossas vidas, o equilíbrio é a chave do sucesso. Qualquer comportamento levado ao extremo é prejudicial, por isso o mais aconselhável é mesclar as duas situações e aplicar isso ao seu grupo de RPG. Uma tarde ideal de jogo compõe-se de momentos de seriedade e momentos de descontração. Em um revezamento de situações e emoções, onde ora se pode rir de uma piada engraçada ora chorar pelo sofrimento de seu personagem, assim consegue-se uma história bem fundamentada e séria, mas sem afastar seus amigos, o que é o mais importante.

Por Renata Martins

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Este artigo foi publicado originalmente no antigo portal da REDERPG em 5 de outubro de 2005, onde teve 1.349 leituras.

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