Francisco Assis, em seu blog Física Pop, nos leva a uma interessante viagem que vai das placas de metal que cobrem o corpo de um dos vilões mais populares do universo Marvel, cuja origem remonta a morta e enterrada guerra fria, ao exoesqueletos que muito em breve estarão ajudando cadeirantes a andar, num clássico exemplo da vida imitando a arte, ou mais especificamente, da ciência imitando as HQs.
O Que Está Por Trás da Armadura do Destino?
No oceano de discussões infindáveis que permeia as histórias em quadrinhos, há uma pergunta sobre a qual todas as opiniões (exceto uma) concordam: o homem mais inteligente do universo Marvel é, sem sombra de dúvida, Reed Richards (o líder da Future Foundation, ops, digo, do Quarteto Fantástico). Em suas aventuras, ele inventou toda sorte de aparelhos necessários a suas viagens exploratórias, desde o fantasticarro até sifões de energia cósmica e mesmo portais multidimensionais (o que quer que isso seja).
O que nos faz pensar como alguém tão inteligente teria sido descuidado o suficiente para não blindar sua nave de modo a proteger os tripulantes dos efeitos mirabolantes dos raios cósmicos, que transformaram a ele e sua família no Quarteto Fantástico. Isso nos deixa com duas perguntas e a resposta para a segunda é bastante simples: nas palavras imortais de Susan Storm ao convencer o amigo Ben Grimm a pilotar a tal espaçonave “Precisamos aproveitar esta chance, Ben! Ou você quer que os comunistas vençam?”. O colapso da União Soviética fez com que essa frase viesse a se tornar ridícula nos dias de hoje, mas no meio da década de 1960 era motivo suficiente para um piloto da força aérea aceitar pilotar uma espaçonave experimental em uma viagem não-autorizada.
Mas essa era a resposta para a segunda pergunta. A resposta para a primeira, é claro, deve ser a respeito da única opinião que discorda de dar ao Sr. Fantástico o posto de “homem mais inteligente do universo Marvel”: e a opinião dissidente só poderia pertencer a Victor von Doom, principal nêmese da primeira família de super-heróis dos quadrinhos.
A história do Dr. Destino (como prefere ser chamado) é curiosa por si só: nascido na Latveria (um daqueles pequenos países europeus próximos a Freedonia e Graustark), Victor era filho de um curandeiro cigano chamado Werner von Doom (não, nenhum parentesco com Werner von Braun. Ao menos, não até onde a gente sabe) e sua esposa Cynthia, uma bruxa. Como é comum a qualquer figura mitológica que se preze, seus pais morreram quando Victor ainda era uma criança e, apesar de ter crescido nômade vagando pelo interior de seu país e nunca ter pisado em uma escola, o pequeno von Doom se tornou um gênio nas áreas da ciência e um mestre das artes místicas (seja lá o que for isso).
Na verdade, a inteligência do garoto fez tanta fama que a Universidade Empire State lhe ofereceu uma bolsa de estudos – e von Doom foi estudar nos EUA, tornando-se colega de quarto de Reed Richards. Obcecado em entrar com contato com sua falecida mãe (cuja alma de bruxa estaria aprisionada nas profundezas do inferno), von Doom criou uma máquina capaz de transportá-lo ao reino dos mortos (um desperdício de tempo: esse tipo de dispositivo já foi inventado há muito tempo, chama-se “forca”) mas cometeu um grave erro, percebido apenas por Richards. Durante a fase de testes, o aparelho explodiu deixando Victor com o rosto horrivelmente desfigurado.
Como aparelhos capazes de se comunicar com os mortos eram ilegais no campus (uma norma que o reitor da USP deveria adotar), Victor von Doom foi expulso da universidade. Enquanto Reed Richards se graduou (nunca ficou bem claro em quê), seu rival foi para o Tibet estudar artes místicas e cobrir o corpo com uma armadura medieval de placas. A pressa foi tanta que ele vestiu a máscara ainda em brasa, desfigurando-se ainda mais. Logo depois, conquistou seu país natal tornando-se o último monarca absolutista do mundo atual. Mas antes de discutirmos se a idéia de Victor von Doom de proteger seu corpo com uma armadura é realmente boa, vale lembrar que enquanto Reed Richards concluiu sua graduação e pós-graduação até obter formalmente seu título de Doutor, ele raramente usa seu título enquanto von Doom o faz o tempo todo ao exigir ser chamado de DOUTOR Destino…#prontofalei
Agora sim! A idéia de proteger o corpo usando uma armadura existe desde o princípio da história humana. Durante centenas de anos, todo avanço em armamento trouxe um equivalente em armaduras pessoais até que a invenção da pólvora resultasse em mosquetes e canhões que mudaram o mundo no século XVI. É justamente este o modelo de armadura usada pelo Dr. Destino, em um visual macabro que se manteve constante por mais de 50 anos (um feito e tanto, na indústria dos quadrinhos).
Foi somente em meados do século XX que as armaduras conseguiram, ainda que parcialmente, fazer frente as armas de fogo, com os famosos “coletes a prova de balas” que oferecem ao seu usuário alguma proteção contra armas de fogo, de forma limitada, baseando-se no princípio de distribuir a energia a partir do ponto de contato da bala (ou outro projétil) que a atinge sobre uma área mais larga, diminuindo o trauma causado pelo impacto. Lembre-se de que o momentum da bala de uma pistola é poderoso o suficiente para varar um osso. Por isso, é comum vermos seguranças ou policiais que vestem esse tipo de colete (feito de várias camadas de Kevlar e plástico) ostentarem “placas” (ou bolsos, não sei dizer o nome ao certo)
Essa dispersão é possível porque a proteção moderna “a prova de balas” não utiliza metal como nas vestimentas medievais, mas uma rede de fibras de um tecido chamado Kevlar (na maioria dos casos) entrelaçadas a formar um padrão de bloqueio capaz de absorver absorver impacto, não importa em que parte da malha seja atingida pelo tiro – um tipo de armadura leve (como são chamadas). A fibra de Kevlar, fabricada pela DuPont, é extremamente denso e praticamente impossível de ser penetrado por um tiro “comum” (não estamos levando em conta os calibres “especiais”), sendo considerada cerca de 5 vezes mais resistente que o aço.
Como nenhuma armadura corporal é 100% efetiva, mesmo uma combinação de malha de Kevlar com armadura de placas não seria suficiente para deter uma bala com núcleo de tungstênio. E uma armadura que fosse densa o suficiente para proteger von Domm desse tipo de munição o tornaria tão ágil quanto uma estátua de mármore. Por isso, o homem por trás da máscara de ferro deve vestir não apenas uma armadura- mas um exoesqueleto completo!
Muito populares nos animês e mangás orientais, o exoesqueleto consiste em um dispositivo robótico de apoio aos movimentos, diretamente “vestido” (ou seria “anexado”?) sobre o corpo humano e capaz de proporcionar aumento de força (erguer grandes massas) e resistência (caminhar por grandes distâncias sem ser incomodado pelo peso). Esse tipo de maquinário é comum nos quadrinhos, especialmente os da Marvel Comics (basta dar uma olhada na “armadura” do Homem de Ferro com mais atenção). Com o uso de um exoesqueleto, toda a discussão sobre a viabilidade da armadura do Dr. Doom perde o sentido!
Isso porque no mundo real, exoesqueletos estão bem mais próximos de nós do que você imagina: há projetos em andamento que deverão (em breve) auxiliar cadeirantes a andar, com o preço aproximado de uma motocicleta de 450 cilindradas. As vezes, a ciência das histórias em Quadrinhos parece prever (ou seria sugerir?) o futuro e o caso dos exoesqueletos pode ser mais um exemplo bem acertado disso. Sob muitas formas, o universo fictício dos quadrinhos Marvel é um espelho do nosso (ah, se ao menos super-heróis e supervilões, mutantes e alienígenas realmente existissem…), o que não torna difícil imaginar que um jovem Victor von Doom tenha sido um pioneiro na pesquisa dos exoesqueletos…
Por Francisco de Assis Nascimento Júnior
Publicado anteriormente no blog Física Pop
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