RPG & Física. Alguma relação? (I)

O que desenhar mundos imaginários em papel quadriculado tem a ver com Física? 

Foi essa a primeira resposta que obtive do primeiro jogador de RPG que convidei para participar de um projeto de pesquisas envolvendo o uso de RPG no ensino de Física. Fiquei imediatamente sem resposta: sempre achei bastante óbvia a relação entre RPG e Física. Sei que essa relação não é clara para todos os Físicos – mas esperava que o fosse para jogadores de RPG…

Bem, talvez você não saiba, mas aprender a usar sua imaginação (como você faz ao jogar RPG) tem tudo a ver com Física! Basta dar uma olhada em qualquer biografia sobre a vida de um grande Físico e você irá encontrar ali uma referência a sua “imaginação prodigiosa”. Há vários exemplos de cientistas (como Nikola Tesla ou Albert Einstein) que praticaram exercícios mentais intensos para conceber suas teorias. Exercícios que a maioria das pessoas achava (e ainda acha) difícil de compreender. Um dos maiores problemas no ensino de Física (como despertar, no aluno, o interesse pela disciplina?) pode encontrar sua solução na busca pela resposta a esta pergunta: o que um RPGista e um Cientista tem em comum?

Vamos pegar um exemplo: talvez você também não saiba, mas o sistema de energia elétrica que usa em sua casa é baseado em corrente alternada, uma descoberta de Nikola Tesla – uma pessoa de quem você provavelmente nunca ouviu falar, porque apesar de ser um brilhante inventor, era um péssimo negociante (maus negociantes são sempre rapidamente esquecidos). Mas Tesla não descobriu “apenas” o princípio da corrente elétrica alternada: descobriu os raios-X um ano antes que W. K. Roentgen o fizesse na Alemanha, construiu um amplificador a válvula antes de Lee de Forest, usava luzes fluorescentes em seu laboratório 40 anos antes que a indústria os “inventasse” e demonstrou os princípios usados nos fornos de microondas e radar décadas antes que eles fossem “inventados”. Suas mais de 700 invenções incluem desenvolvimentos básicos para o motor eletromagnético, o motor a turbina, transmissão sem fio e dispositivos de controle remoto e até mesmo o projeto da primeira usina hidrelétrica, nas Cataratas do Niágara (que venceu o projeto proposto por Thomas Edison, baseado em corrente contínua). Construiu a chamada Bobina de Tesla, hoje usada nos aparelhos de rádio e televisão. Também foi o criador do primeiro barco teleguiado por ondas de rádio (isso mesmo: um “robô de controle remoto” em 1898!).

E o que isso tem a ver com RPG? Bem, Tesla descreve em sua autobiografia, quão hábil ele era para visualizar qualquer aparato, testá-lo realmente, desmontá-lo e checá-lo em sua imaginação para que funcionasse na prática! Durante a fabricação de suas invenções, ele trabalhava com todos os planos e especificações em sua cabeça. O invento, após ser montado sem nenhuma modificação, sempre funcionava perfeitamente (“mas é claro que isso não tem nada a ver com jogar RPG”…).

Tesla podia avaliar mentalmente as dimensões de um objeto ao centésimo de polegada, e realizar difíceis cálculos “de cabeça”. Na escola, era tão rápido e preciso ao dar as respostas de questões matemáticas que lhe eram apresentadas que os professores desconfiavam que ele havia descoberto um novo método de “cola”.

Isto só lhe era possível devido a uma fenomenal capacidade de usar a imaginação de uma forma produtiva. (já consegue ver algo em comum com RPG? Não? Tudo bem, ainda tem mais…)

Durante sua adolescência, Tesla se sentia ansioso e desconfortável. Mas percebeu que ao ouvir uma palavra, a imagem do objeto correspondente se apresentava vividamente em sua mente. Começou então a exercitar essa sua faculdade, mentalizando imagens que lhe fossem conhecidas. Mas, como conhecia apenas sua casa e as redondezas, seu “estoque” de imagens logo se exauriu – instintivamente, Tesla foi explorar seu “mundo virtual” , imaginando novas cenas (que a princípio eram obscuras e indistintas, depois foram ganhando definição até se parecerem tão concretas quanto coisas reais).

Sua capacidade de visualização era perfeita!

Não demorou muito para que descobrisse que se sentia mais confortável obtendo novas impressões todo o tempo, literalmente viajando em sua mente. Nessa jornada, viu novos lugares, cidades e países…até pessoas!!!(ah, agora você encontrou o RPG da história, não é?). O segredo de Tesla foi, segundo ele mesmo, usar o mesmo processo de visualização para desenvolver suas invenções: imaginava uma máquina e observava toda sua estrutura, podia ver e recordar todos seus movimentos, media suas dimensões e testava suas reações.

Ele não costumava fazer desenhos ou anotações sobre seus projetos: todas as formas e dados estavam registrados em sua cabeça! Foi esta habilidade de ligar seus processos mentais e seus mapas internos à realidade física, combinada com sua prática em imagens construídas, que o conduziu na vida adulta ao sucesso como inventor. Ele não precisava fazer experimentos: concebia, aperfeiçoava e testava suas invenções usando somente a imaginação. E isso, se não for RPG, não sei dizer o que é.

Em uma aventura tradicional, o RPG torna possível que o jogador viaje com os olhos da mente através de florestas e montanhas, enfrentando dragões e superando desafios. Qual a diferença com as práticas de raciocínio utilizadas por Tesla? O que impede um Narrador de levar seus jogadores a imaginar o momento em que a massa que deu origem ao universo estava condensada em algo semelhante a um grão de areia? Ou a situar suas aventuras em um mundo em que as personagens sofram os efeitos relativísticos do movimento, tornando a experiência de jogar uma experiência de aprender?

Concluindo: você sabe qual a vantagem de se usar Corrente Alternada ao invés de Corrente Contínua nas nossas casas? É que você pode enviar a energia a longas distâncias através de fios de calibre razoável com pequenas perdas, e se você juntar os fios e causar um “curto-circuito”, somente o lugar onde eles se tocam derrete e provoca faíscas (é o que acontece na sua casa, certo?). Agora, a Corrente Contínua, por outro lado, necessita de enormes cabos para atravessar qualquer distância, e esses cabos esquentam muito ao transportar energia… se entram em curto, os cabos derretem por todo o caminho até a casa de força e precisam ser substituídos por novos cabos (por exemplo, se um curto-circuito ocorrer em uma simples lâmpada alimentada por corrente contínua, ela pode começa um incêndio, queimando o que quer com que entre em contato). Considero esse o melhor exemplo comparativo da vitória do uso da imaginação sobre a “física de papel” (aquela feita só por fórmulas cujo significado ninguém que está “aprendendo” entende – e muitas vezes, nem quem está ensinando…)

Agora que você entende o que é que “desenhar mundos imaginários em papel quadriculado tem a ver com Física”, talvez saiba que possui muito em comum não só com Nikola Tesla, mas com muitos gênios inventores…então, na próxima vez em que alguém vier lhe dizer que “jogar RPG não leva a nada”, peça para a pessoa acender (ou apagar) a luz da sala: ela não vai entender nada, o que só irá tornar a cena ainda mais engraçada para você…

Por Francisco de Assis Nascimento Júnior

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