L5R 4th edition: Enemies of the Empire (Resenha)

Os Antagonistas de Rokugan:

O livro básico da 4ª edição de Legend of the Five Rings, desde sua concepção, já previa um conteúdo bem completo, abordando todo tipo de mecanismo que os jogadores podem vir a querer para seus personagens, além de excelentes mecânicas para personagens de apoio e uma leve pincelada sobre os monstros das Terras Sombrias, típicos adversários em qualquer aventura canônica de L5R. O primeiro suplemento da linha, porém, visa expandir um pouco esse campo. Comparações com os paradigmas editoriais de D&D são inevitáveis. Assim, se o livro básico é um “Livro do Jogador”, então Enemies of the Empire é um “Manual dos Monstros”. Bom, ele não fala só de monstros, então não é um livro dos monstros. Tem monstros lá também, sim, mas os monstros não são apenas monstros. Sim, eles são monstros! Feios, maus, gritam, destroem tudo que aparece, matam personagens… Mas, como é de se esperar de um cenário politizado como Rokugan, bichos feios, monstruosos, com dentes pontiagudos, garras afiadas e aparência repugnante não são os únicos perigos a serem temidos. Há toda uma “fauna” própria e bastante diversificada de outros males para ameaçar o estável Império Esmeralda. E é sobre eles que este livro trata. Assim, creio ser mais adequado definir Enemies of the Empire como um livro de antagonistas.

A capa é muito bonita. Não surpreende, mas essa repetição de padrões estéticos realmente ajuda a criar uma identidade desta nova edição. Ainda assim, particularmente me agrada essa sutileza. Ao invés de termos cenas impactantes cujo realismo, dinamismo e detalhismo saltam aos olhos, temos uma capa bastante simples, mas que consegue transmitir muito bem a proposta do livro. A arma em primeiro plano (que no livro básico era uma katana, o símbolo da classe samurai) é um tetsubo. Como podem ver, é basicamente uma clava com fincos de metal. Normalmente é usada contra os monstros das Terras Sombrias, pois sua carapaça é praticamente invulnerável a armas mais sutis. Pessoalmente, creio que isso vise transmitir a impressão de que este livro não visa apenas fornecer ferramentas para o Mestre matar os personagens dos jogadores. E sim oferecer a todos desafios mais interessantes que o simples “bater ou correr”, bem como fornecer meios dos jogadores os superarem.

A capa, assim como o livro básico, é dura, ao longo de suas quase 300 páginas, temos o mesmo fundo de páginas que tem agradado muito os fãs antigos quanto os samurais dando os primeiros passos pelo RPG. E é neste vislumbre visual que lemos um bem pacato conto sobre samurais caçando na Floresta Shinomen. O desfecho é bem legal, deixando o leitor em si imaginar o que vai acontecer. A Introdução traça as linhas gerais de trabalho do livro, falando em breves linhas sobre os posteriores capítulos. Em seguida, está uma seção para medir aproximadamente o nível de desafio adequado para cada grupo. É realmente desastroso causar uma TPK (“Total Party Kill”, expressão em Inglês para quando todo o grupo morre em combate), e por mais imprevisível que o sistema de L5R possa ser, toda ajuda para manter o desafio elevado, mas não letal é bem-vinda.

O primeiro capítulo propriamente dito do livro aborda animais comuns da fauna rokugani mas que não vieram a ser abordados no livro básico, normalmente por serem específicos demais. Dada a quantidade destes que são animais aquáticos ou “anfíbios” (como crocodilos, tubarões, e polvos), também há uma caixa de texto falando de regras para combate debaixo d’água ou em que ela se faz presente, por exemplo, até os joelhos. Este pode parecer um capítulo bem dispensável, mas o considero bem fértil. Uma disputa de “caça ao javali”, por exemplo, pode ser bem divertido para uma aventura, ou o fato de você ter um falcão como animal de estimação pode enriquecer em muito seu personagem (nem tudo aqui é para ser usado contra os jogadores, afinal). Desnecessário dizer, colocar uns tubarões em mar aberto é um incentivo a mais para evitar que alguém tenha a idéia de nadar até o navio inimigo no caso de combate naval.

Depois deles, seguindo a ordem alfabética, temos os Oradores de Sangue (Bloodspeakers, em Inglês). Aqui, temos o primeiro exemplo de como este livro é esclarecedor e útil, tanto para jogadores mais antigos que têm que ficar pulando entre diversas fontes bibliográficas e teorias da conspiração mais bizarras da Internet, quanto para os mais novatos, no que diz respeito à história destes tão dúbios personagens. Basicamente, os Bloodspeakers são pessoas de modo geral descontentes com a Ordem Celestial e a estrutura social de Rokugan, que então usam sacrifícios de sangue (de preferência o alheio) para obterem poderes mágicos cada vez maiores. Falando assim, eles podem parecer rebeldes que lutam contra o injusto sistema de castas de Rokugan, mas, o que nem todo maho-tsukai (“invocador de maho”. O mesmo que Bloodspeaker) sabe é que eles são verdadeiros vetores da Mácula das Terras Sombrias. Corrompendo a si mesmos e a quem mais tiver muito contato com eles com este irremediável e contagioso mal. O capítulo começa falando da história secreta do culto de Iuchiban, do crescimento de seu culto fanático e seus principais combates com as forças do Império. Temos informações bastante úteis sobre a típica estruturação de uma célula do culto profano, e sugestões de como colocar seus jogadores contra eles. Como era de se esperar, temos uma “Escola” de Bloodspeaker, no caso de vir a ser necessária durante uma aventura; novas mahos para os feiticeiros de sangue de Rokugan e outras novidades mecânicas.

A seguir, temos os Kolats, conspiradores super-secretos que visam extinguir as noções de hierarquia social, tornando Rokugan uma utopia de igualdade entre todos os homens. Novamente, temos todas as informações históricas da conspiração, desde o começo do Império, passando por todos os seus principais momentos de destaque. As Seitas da Conspiração Kolat estão aqui também, todas explicadas e atualizadas ao contexto atual da história do cenário. Nem todas estão em todo seu esplendor atualmente. Em seguida, temos sugestões descritivas (com evidente ausência de regras mecânicas) sobre como lidar com os Kolat como adversários ou até mesmo como personagens dos jogadores. Mas basta virar a página para nos depararmos com uma lista de típicos personagens secundários Kolats. Ou seja, assassinos, infiltradores, espiões, agentes e todo tipo de gente com quem os personagens envolvidos com a conspiração (contra ou a favor dela) podem se relacionar. As novas mecânicas deste capítulo incluem novas Vantagens e Desvantagens e Escolas avançadas para retratar personagens que cresceram dentro da organização, além de feitiços de espionagem que colocam a inteligência Kolat como uma das mais temíveis do Império (e um pouco fora dele também).

O capítulo seguinte deixa um pouco o ar de Rokugan e vai para algum ponto das Terras Sombrias. Os Losts são resumidamente samurais totalmente dominados pela Mácula que abandonaram suas antigas vidas para jurarem lealdade ao Lorde Negro das Terras Sombrias: Daigotsu. Sim, o novo “Clã Aranha” (que na verdade, não é um Clã. Só age como se fosse) é constituído basicamente desses indivíduos. Uma primeira impressão pode julgar que os Losts são pessoas malvadas que querem apenas destruir o Império. Uma meia-verdade. Os Losts agem primeiramente como sedutores, apontando disfarçadamente opções aos samurais de Rokugan não tão honradas assim. Afinal, o Bushidô não tem respostas agradáveis para tudo. E tudo que eles fazem é oferecer um caminho mais fácil e agradável de atender às suas próprias necessidades. Tanto, que o código de honra que os samurais da Aranha seguem, o Shouridô, é polemicamente inverso ao Bushidô, dando grande ênfase às suas conquistas e desejos pessoais ao invés de pensar no bem maior da sociedade. Além de apresentar um resumo dos momentos principais na história de Rokugan da facção, o capítulo apresenta uma Escola básica nova (Cavalaria), uma Escola Avançada, diversos novos Poderes das Terras Sombrias e as fichas de NPC’s Losts.

Os dois maiores capítulos do livro são os próximos, que tratam, respectivamente, dos Nagas e dos Nezumis. Os primeiros são uma raça de humanóides com caudas de serpentes no lugar das pernas, e que podem vir a apresentar algumas outras características reptilianas, como escamas, olhos fendidos, presas peçonhentas, etc. que acessam uma espécie de elo telepático compartilhado por toda a raça chamado Akasha. Os Nezumi são ratos humanóides, capazes de sobreviverem às mais inóspitas condições, e com um curioso senso de direito de posse (leia-se: “Se eu peguei, é meu”). As duas raças tinham grandes civilizações antes do surgimento da humanidade. Os Nagas se mantiveram num sono coletivo na Floresta Shinomen por séculos, enquanto o império Nezumi foi destroçado pela invasão das forças do Deus Negro Fu Leng e seu exército demoníaco. Hoje, suas terras são as Terras Sombrias. Esses dois capítulos ficaram muito maiores que os outros por praticamente oferecerem uma maneira totalmente própria de enxergar o jogo inteiro. Temos Linhagens para Nagas, Tribos para Nezumis, Escolas, Vantagens, Desvantagens e Magias novas para cada uma dessas raças, além de suas mecânicas próprias. Isso sem falar das noções próprias de espiritualidade e os costumes de suas culturas.

Depois de cobras e ratos, temos o Nada. Isso mesmo “The Nothing” em Inglês, então não sou eu que estou traduzindo errado. A Escuridão Enganosa é uma entidade cósmica que anseia em devolver o universo inteiro ao vazio original, destruindo totalmente, literalmente, tudo aquilo que é e que já foi Rokugan. Ela é uma vilã bem paciente, cujos planos para obtenção de seus objetivos podem atingir séculos a partir de uma simples ação. Seus agentes, porém, são mais temíveis, embora praticamente tão impalpáveis quanto. Os Goju são seres amorfos, verdadeiras sombras assassinas capazes de se infiltrar em praticamente qualquer lugar e alterarem sua aparência à vontade. Para não perder o costume, temos dicas de como usá-la numa campanha, seja como um instrumento do mais puro terror psicológico ou suspense de desconfiança paranóica, ou como a manipuladora sutil que pode esperar séculos para atingir suas metas. Em termo de mecânica, temos o retorno dos Pontos de Sombra, uma infecção similar à Mácula das Terras Sombrias que torna o personagem cada vez menos ele mesmo, e cada vez mais… Outra coisa mais sombria. Por ser este o primeiro livro a tratar da Escuridão na nova edição, temos também um pequeno bestiário e opções mecânicas (para personagens do jogador ou NPC’s) que representam seus diversos poderes e benefícios. Tudo, é claro, a um custo.

Quando se fala de monstros do folclore japonês, um assunto essencial é falar dos Onis. Em Rokugan, isso não foi diferente, e eles ganharam o devido enfoque neste capítulo dedicado a eles. Sinceramente, eu imaginei me deparar com uma tabela de rolagem aleatória de dados para montar a aparência monstruosa de um oni que eu queira por ventura montar. Encontrei algo mais útil, porém. Logo de cara, temos uma tabela que associa os níveis de cada Anel da ficha do seu Oni pessoal ao nível que você pretende que ele tenha. Ele é mais ágil? Rápido? Forte? Tem pele de rocha? Ou escamas que escorrem muco? Resumidamente, temos orientações sobre como montar seu Oni totalmente, partindo de uma idéia que você tenha encerrando todos os seus aspectos mecânicos (dano, Redução, ataques, etc.). Para os conhecedores do card game de L5R, aqui está algo que muitos provavelmente gostarão. Temos um bestiário com muitos onis célebres de Rokugan. É neste ponto que achei a falta de ilustrações bastante incômoda. Como ainda se mantém o costume de copiar as ilustrações do card, imagino que muitos desses Onis não tenham cartas propriamente ditas, ou que tenham artes insatisfatórias. Porém, esta falta é corrigida pela incrível densidade. Afinal de contas, temos 17 Onis dos mais variados níveis de poder e propostas. Como se já não fossem encrenca o suficiente, temos breves descrições sobre os principais Lordes Onis, e as fichas de sua prole (quando um Oni atinge o nível de Lorde Oni, ele pode criar cópias menos poderosas de si mesmo). Não, não temos fichas dos Lordes Onis propriamente ditos. Mas imagino que após uma passada de olho pelas fichas das proles, ninguém vai querer ver elas mesmo.

O folclore oriental não é repleto apenas de monstros aberrantes às mentes mais ocidentais, porém. E nem tudo que não é humano em Rokugan quer comer miolos. O Capítulo Cinco trata das Cinco Raças Antigas: Zokujin (homens-lagartos capazes de moldar pedra e metal como se fossem barro), Ningyo (homens-peixes que vivem num reino submarino), Kenku (homens-corvos excelentes espadachins e conhecedores de profundos segredos do Universo), Trolls (uma raça outrora poderosa mas que acabou corrompida pelo poder de Fu Leng) e os Kitsu (humanóides com cabeça de leão, capazes de viajar entre os Reinos Espirituais, hoje, adaptados a uma das Famílias do Clã Leão). Bastante denso, este capítulo fala da história de cada uma das raças, seus principais contatos com a sociedade rokugani, e apresenta opções mecânicas para todas elas. Novamente, tanto como antagonistas quanto como opções para jogadores que querem buscar uma experiência mais inumana em Rokugan.

Nem sempre tidos como vilões, mas também nem sempre como heróis, os Ronins permeiam grande área do imaginário rokugani, e também receberam um relativamente curto capítulo com diversas opções mecânicas como Escolas novas, e vários arquétipos de personagem, com fichas pré-montadas representando-os como inimigos para serem usados em combate. Afinal de contas, muitos ronins são bandidos também, e podem vir a de repente assaltar o grupo ou aterrorizar uma vila por aí.

O Capítulo Sete trata dos antagonistas mais essenciais do cenário de L5R: as Bestas das Terras Sombrias. Aqui, temos aglomerados os goblins, trolls, ogros e os próprios perigos ambientais da terra infernal. Previsivelmente, temos poucas opções mecânicas para personagens, mas muitas idéias interessantes para monstros.

Como em muitos outros cenários de fantasia, L5R também possui vários reinos paralelos ao reino material, bastante análogos aos vários “Infernos” e “Paraísos” das religiões orientais. E dentro deles, os mais diversos tipos de espíritos. A grande maioria é de pessoas que morreram e tiveram suas almas mandadas para cada um desses reinos de acordo com suas ações em vida. E como se espera de um cenário tão espiritual quanto Rokugan, esses espíritos influenciam e até mesmo podem voltar ao mundo dos vivos. É deste assunto que este capítulo trata, falando sobre os diversos Reinos Espirituais e seus habitantes. Desde os arteiros e caóticos metamorfos espíritos animais do Chikushudô, passando pelos ancestrais honrados e ilustres do Yomi aos horrores penados infernais do Gaki-dô e Jigoku, do qual as Terras Sombrias derivam.

Se você pensa em montar uma campanha de terror em Rokugan, o capítulo sobre os Mortos-Vivos é essencial. Intimamente ligado ao capítulo dos Bloodspeakers, que usam os cadáveres reanimados como meio de defesa em caso de combate, o capítulo fornece várias idéias interessantes de como usá-los numa aventura e instilar o medo nos personagens ao virem a enfrentar, quem sabe, distorções profanas de seus entes desaparecidos. De fantasmas a zumbis, aos estranhíssimos pennagolan, este capítulo é uma verdadeira mina de plots. Se isso não for suficiente, então a ficha dos mortos-vivos mais temidos pela história de Rokugan deve servir.

Para finalizar o livro, vem algo que não encontrava em livros de RPG há muito tempo. Tabelas de encontros aleatórios. Como ainda não cheguei a usar, imagino que sejam bem úteis para quando se reúne os jogadores e não se tem a menor idéia do que fazer para a história da campanha andar. Ao que li, os rumos narrativos sugeridos são bem divertidos, por mais simples que sejam.

Em síntese, o livro é incrivelmente diversificado, abrangente e consegue dar conta de tudo ao que se propõe em seu considerável volume. Destaco o fato inquestionável de Enemies of the Empire estar bem longe de ser um simples “manual dos monstros”. Ele fornece idéias que podem salvar uma campanha, ou fornecer aquele diferencial na história de um personagem. A falta de ilustrações chega a ser um incômodo mínimo em comparação à quantidade de informação, potencial narrativo e conteúdo mecânico que o livro oferece. Além do fato de provavelmente a Alderac partir do princípio que em pleno séc. XXI, procurar imagens na Internet não seja tão difícil. De certo, a AEG está de parabéns por mais esta obra prima do RPG

Enemies of the Empire
AEG, 287 páginas, capa dura. Interior colorido. Sistema R&K. 2010.

Notas (de 1 a 6)
Texto: 6
(Escrita extremamente leve e agradável. Apesar de seu volume intimidador, pode-se lê-lo em dois dias sem esforço algum).
Conteúdo: 6 (Mais que um Manual dos Monstros. Além de novidades mecânicas excelentes, conteúdo “fluffy” riquíssimo).
Arte/Layout: 5 (Capa e interior impecáveis, não fosse pela ausência de algumas ilustrações que considerei essenciais).
Nota Final: 6

Por Thiago Hayashi
Equipe REDERPG

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