Resenha: Revisitando “O OLHO DO MUNDO – A Roda do Tempo” (The Eye of the World – Wheel of Time)

Em Outubro de 2010, a RedeRPG teve oportunidade de resenhar o primeiro volume da saga “A Roda do Tempo”, cujo título é “O Olho do Mundo” (https://www.rederpg.com.br/portal/modules/news/article.php?storyid=7441). Tida como uma das maiores obras de fantasia “pós-Tolkien”, a série escrita por Robert Jordan já vendeu mais de 44 milhões de cópias por todo o mundo.

A edição então resenhada foi publicada em solo brasileiro pela editora Caladwin, que este ano veio a encerrar oficialmente suas atividades, após publicar o segundo volume desta mesma saga (A Grande Caçada, também resenhada por aqui – https://www.rederpg.com.br/wp/2011/03/a-roda-do-tempo-vol-2-a-grande-cacada-resenha/).

Contudo, ao final do ano passado, a Editora Intrínseca já havia anunciado que adquirira os direitos de publicação da obra no Brasil e, este ano, anunciou oficialmente a publicação da série, sendo que o primeiro livro será lançado em agosto de 2013, seguindo-se os demais volumes, que possui 15 volumes no total (sendo um deles uma “prequencia”/”prequel” do “O Olho do Mundo”),  com intervalos de aproximadamente seis (6) meses, conforme desempenho de vendas.

As capas da nova edição seguirão basicamente o formato britânico e, inclusive, fãs (o autor é o Fernando Moraes) já fizeram uma produção do que pode vir a ser a nova capa nacional: Interessante notar que a série no Brasil já tem um considerável número de fãs bastante fiéis que se organizaram em meios distintos:

– Fan page do Facebook: http://www.facebook.com/ARodaDoTempo

– Grupo do Facebook: http://www.facebook.com/groups/317107944967630/

– Fórum: http://wotbrasil.forumeiros.com

– Escola de Cairhien, uma espécie de “wiki” da série: http://escoladecairhien.wordpress.com/ (ainda em construção!)

Abaixo, revisitaremos a resenha feita em 2010, atualizando alguns dados e aprimorando seu conteúdo – inclusive suprimindo partes desnecessárias:

1.  Uma breve biografia do autor

Porque é importante conhecer a história do autor?”, pergunta o leitor sagaz.

Resposta: porque ele faleceu ANTES de finalizar a obra. Porém, quando foi diagnosticado com “amiloidose cardíaca“, ele teve a perspicácia de rascunhar os detalhes principais do final d’A Roda do Tempo até pouco antes de sua morte.

Tais rascunhos foram compartilhados com sua família (sua esposa Herriet McDougal é sua principal revisora) e amigos. Coube a Brandon Sanderson (twitter: @BrandSanderson), escritor declaradamente fã d’ A Roda do Tempo, para finalizar a obra épica de Jordan. Sanderson foi escolhido pela viúva de Jordan, que se impressionou com o livro dele, Mistborn (também programado para sair no Brasil, pela editora Leya).

Dando continuidade à Roda do Tempo, o primeiro livro escrito por Sanderson em conjunto com Jordan (pois há capítulos inteiros também já escritos pelo autor) saiu em 2009. O segundo em 2010 e, o último livro da série, foi lançado em janeiro de 2013.

Importa dizer que James Oliver Rigney Jr. (verdadeiro nome de Robert Jordan), nasceu em 17 de outubro de 1948, nos Estados Unidos da América. Fã assumido da obra do professor J.R.R. Tolkien, serviu no Vietnam e se formou engenheiro nuclear (informação importante!). Entre outros trabalhos, escreveu novas aventuras de Conan (entre 1982 e 1984) e Fallon.

Em 1989 começou a escrever a série “A Roda do Tempo” e tornou-se aclamado pela mídia especializada como “herdeiro de Tolkien” – não, a obra não é um “futuro da Terra Média”, mas uma criação original que, no primeiro volume, presta uma grande homenagem ao professor Tolkien. Destaco que, dos 15 livros da série, 08 estiveram no topo dos mais vendidos da lista do The New York Times.

2.            A resenha

Difícil resenhar a obra sem ter muitos spoilers, mas tomarei por base apenas o gancho inicial da trama. A Roda nos atiça já no prólogo, que tenho a audácia de qualificar como um dos mais épicos que já pude ler.

Em um passado lendário, houve uma grande guerra entre os heróis da Luz contra a Escuridão. De tão violenta, diz-se que “quebrou o mundo”, trazendo ruína a uma civilização extremamente avançada e desenvolvida. Tal guerra envolveu Aes Sedais (homens e mulheres capazes de manipular o Poder Uno – ao que parece, uma energia proveniente de tudo: do Cosmos, da Terra, dos seres vivos… Tal como o “chi” das culturas orientais – e que, apesar de Uno, tem uma parte masculina e outra feminina) e a Escuridão.

De um lado, o campeão da Luz, Lews Therin Telamon, o Dragão; e, do outro, seu rival, o Senhor da Escuridão, Shai’tan, o Destruidor. Este prólogo conduzirá o leitor por toda a trama de A Roda do Tempo. Note-se que as perguntas aqui suscitadas não são respondidas de pronto – uma análise superficial da obra apenas pelo primeiro volume, desta forma, terá a tendência de ser incompleta.

A originalidade e o brilhantismo da construção são lentamente apresentados, sobretudo a partir do terço final deste primeiro volume. Embora este O Olho do Mundo possa parecer frívolo e trivial, calcado, às vezes descaradamente, na “Sociedade do Anel” e nas “Brumas de Avalon”, cada novo volume dá um salto em profundidade e densidade impressionantes.

O prólogo nos retrata o fim de uma era, a Era das Lendas. Somos apresentados a um Lewis Therin que, após ter sucumbido à loucura pela mácula inserida na porção masculina do Poder Uno por Shai’tan, acabou por trazer ruína ao mundo, tornando-se, assim, ao mesmo tempo salvador da humanidade e o homem mais odiado da história.

Após o prólogo, somos apresentados ao tempo presente da narrativa. O inverno se arrastou mais do que o esperado, mas mesmo assim o festival da última noite do inverno será realizado: Bel Tine.

Um ambiente bucólico nos é apresentado, uma vila esquecida (o Campo de Emond), distante dos centros de poder e cujos habitantes são pessoas tão embrenhadas no ambiente campestre que qualquer de seus membros que caminha um pouco além das fazendas das cercanias da região de Dois Rios já é vista como excêntrica (alguma semelhança com seres de pés peludos vindos de um tal de “Condado”?). Este traço cultura e sociológico é marcante em toda a obra e veremos que todas as personagens são impregnadas com os traços culturais do local de seu nascimento.

É com este palco montado que somos introduzidos a Rand al’Thor, Perrin Aybara e Matrim Cauthon, três amigos de infância que, neste inverno, acabaram de ver um homem coberto por um manto negro que nem o vento frio era capaz de mover. Outros estranhos também chegam à vila: um trovador (Thom Merrilin), uma historiadora (Moiraine) e seu acompanhante (Lan) e um mascate (Padain Fain).

A tão aguardada celebração acontecerá, mas na véspera de Bel Tine a história dá sua primeiras guinada e as verdades sobre Rand, Perrin e Mat começam a mudar. Para aqueles acostumados a uma vida pacata, o exílio forçado é única saída. Até mesmo para o povo de Dois Rios e do Campo de Emond, algumas tradições e verdades imutáveis são desveladas…

E assim se inicia a saga de A Roda do Tempo, transportando os personagens principais para além de sua pequena vila, para grandiosas cidades, reinos, rainhas, bruxas, guerreiros. Perigos crescentes e confrontos bélicos são apenas um detalhe desta trama recheada de verdades, mentiras, traições, amizades, descobertas, amores, paixões, reviravoltas e intrigas. Espere muita filosofia, conhecimentos tradicionais orientais e ficção científica! Dizer que esta obra é um simples combate entre o bem e o mal não fará jus à obra, pois, embora os lados sejam mais definidos, constantemente vemos os personagens (e são centenas deles!) tomando decisões equivocadas, fazendo julgamentos precipitados e incosequentes.

O primeiro volume de uma obra é sempre marcante e deste volume já tenho muito carinho, mas não posso deixar de destacar que, NESTE PRIMEIRO VOLUME, os personagens principais ainda são bastante superficiais, infantis e imaturos. Não foram poucas as vezes que quis esbofetear alguns deles… Mas acalme-se, leitor: para os próximos livros, a profundidade psicológica aumenta e nos deixa cada vez mais interessados em quase todos os personagens. Ou seja: que o leitor quisesse esbofetear os personagens principais foi, deliberadamente, a intenção do autor, pois no decorrer de cada um dos volumes da série, eles vão ganhando densidade psicológica e literária.

Antes de encerrar, gostaria de fazer algumas considerações analíticas de conteúdo e que permearão toda a obra (inclusive nos volumes posteriores). Por exemplo: Bel Tine facilmente nos remete ao festival de “Beltane”, comum no mês de maio, característico dos povos celtas das ilhas britânicas , marco da transição entre o equinócio de inverno e solstício de verão.

Porque esta digressão? Ainda, em diversas passagens do livro, seja em nomes (Pendragon, Merlin, Arthur, Morgause, Morgana, etc), descrições físicas (tenho para mim que Moiraine é a descrição quase exata de Morgana de Marion Zimmer Bradley) ou em objetos (adiante, o leitor será apresentado à figura do “angreal” e do “sa’angreal”, que não deixa de lembrar o Santo Graal), será possível encontrar diversas referências às lendas do Rei Arthur. Por falar em Merlin, bom lembrar que de acordo com algumas vertentes históricas, é possível identificá-lo como o maior membro dos druidas, um bardo/trovador…

Mas não só isso: há diversas referências de cultura pop, física, guerras nucleares, “wormholes”, etc., em um livro que, teoricamente, tem uma roupagem de fantasia medieval. O sistema de magia, ainda, é um mundo totalmente a parte e descrevê-lo, aqui, seria um grande spoiler – apenas peço que pensem no símbolo de Lewis Therrin, durante o prólogo. Detalhe também importante: cada capítulo é aberto por um símbolo. Atenção neles. Nada é por acaso neste épico. No que se refere à edição da Caladwin, senti o dever de fazer uma verificação da tradução.

Quanto à qualidade da tradução, posso dizer que o trabalho feito por José Francisco Hillal Botelho é, de fato, muito bom. Contudo, o leitor deve ser alertado sobre dois pontos que chamam a atenção – em que pese haver diversas escolhas com as quais não concordei, sobretudo com relação a nomes: O primeiro deles é que, a impressão que se tem, é que o tom de toda a narrativa é um tanto quanto formal. Na verdade, deve ser esclarecido que, de fato, há passagens no livro que são mesmo cercadas de formalidades – e, nesses casos, o discurso assume tons mais sérios, por exemplo, quando Rand chega em Caemlyn, uma verdadeira Camelot governada por uma Rainha (alguma semelhança com a realidade NÃO é mera coincidência).

Porém, o texto original, o qual também tive a oportunidade de ler, não está em sua íntegra carregado desse formalismo, a não ser, como já dito, nas passagens em que ele é exigido. Nesse ponto, portanto, acho que a tradução “errou na mão”.

O segundo ponto, por sua vez, me parece o mais preocupante: há algumas peculiaridades linguísticas em alguns personagens, e, para mim, existem algumas discrepâncias na tradução. Tais discrepâncias, embora não alterem a substância dos diálogos e da narrativa, alteram substancialmente a essência de alguns personagens (o que, creio eu, não poderia ocorrer…). Talvez isso não fosse problema se essas discrepâncias ficassem detidas a esse primeiro volume da obra de Robert Jordan. Porém, alguns personagens de aparente insignificância tendem a aparecer em diversos pontos futuros da trama, o que é uma das marcas registradas de Robert Jordan.

Ainda assim, reafirmo ser de boa qualidade a tradução para o português. Além de popularizar uma obra tão eletrizante e já há muito conceituada e aclamada no exterior, deve ser reconhecido que o texto original não é algo exatamente fácil de ser traduzido, diante de toda a riqueza de detalhes criadas por Robert Jordan. Espero que a edição da Editora Intrínseca não opte pelos mesmos caminhos da Caladwin e possa nos brindar com uma versão mais fiel ao original.

Não há como concluir de outra forma: ponto para a Caladwin e sua equipe, que tiveram a iniciativa de nos brindar com esta espetacular história (há quem diga que está caminhando para as telas…). Fiquei extremamente honrado de ter a possibilidade de ler uma obra tão magnífica e compartilhar minhas impressões com quem ainda não leu. O fato é: nem tudo é o que parece, e a Roda tece conforme a Roda deseja… Por fim, mais um “fan-art” do Fernando Moraes: Notas (de 1 a 6)

– Trama: 6

– Texto: 5

– Narrativa: 6

– Nota Final: 5

Ficha Técnica da edição antiga:

812 páginas

Editora: Caladwin

ISBN: 978-85-99752-04-3

Tradução: José Francisco Hillal Botelho (Mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

Ficha Técnica da nova edição:

800 páginas

Editora: Intrínseca

ISBN: 978-85-99752-04-3

Tradução: Fábio Fernandes (também traduziu Neuromancer e Laranja Mecânica)

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