Este é o primeiro artigo da coluna, Resenha & Aventura, então cabe uma breve apresentação e explicação sobre o formato dos artigos.
Meu nome é Carlos e jogo RPG há uns 25 anos. Acho a relação entre RPG e literatura muito próxima, uma verdadeira via de duas mãos. Há 15 anos comecei a escrever séries de romances relacionados à temáticas presentes em RPG e há uns 6 anos resenhas de livros de fantasia (e ocasionalmente outros gêneros), o que tem reforçado essa relação.
Então, esta coluna, terá sempre duas seções. Primeiro teremos a resenha de um livro. Em seguida, um texto que aproveite algo do livro para ser aplicado em jogos, tais como: dicas para mestre criar enredos de aventuras, dicas relacionadas a sistemas de jogos, dicas para interpretação de personagens baseadas em arquétipos dos personagens dos livros, etc.
Que tal? Então, vamos lá!
Resenha: The Ogre’s Pact – Troy Denning
Muitos talvez não conheçam o escritor Troy Denning, pois não existem títulos do autor traduzidos para a língua portuguesa. Troy começou sua carreira com designer de games na TSR em 1981, mas logo passou a se dedicar à escrita de romances como membro do departamento de livros da TSR. Escreveu cerca de 20 livros para três diferentes ambientações do RPG Dungeons & Dragons: Forgotten Realms, Planescape e Dark Sun. Um destes romances, Waterdeep, chegou à lista de best sellers do New York Times. Além disso, entre 2001 e 2009 escreveu cerca de 11 romances do universo expandido de Star Wars.
Meu contato com este ótimo escritor veio através da série de cinco livros que tive a sorte de adquirir, The Prism Pentad (1991-1993). Livros do cenário Dark Sun que Denning ajudou a criar juntamente com Tim Brown and Mary Kirchoff e que foi ricamente ilustrado pelo excelente, Gerald Brom. Tornei-me fã instantâneo.
Muitos anos depois, vi numa prateleira num evento de RPG (e adquiri) os três livros da série The Twilight of Giants (1994-1995), cujo primeiro volume é justamente The Ogre’s Pact. Levou anos até a fila andar, mas fico feliz de finalmente retornar a ler este autor.
Recheado de ação, The Ogre’s Pact apresenta o reino de Hartsvale cuja dinastia de reis humanos conseguiu conviver em paz com seus vizinhos: diversas raças de gigantes e derivados. A princesa deste reino, Brianna, é raptada por ogros e cabe ao experiente batedor (Ranger), Tavis, um gigante da raça firbolg, viabilizar o resgate. Porém, há algo a mais que um simples rapto e Tavis e seus companheiros deparam-se com um terrível segredo que pode por fim à dinastia de reis de Hartsvale ameçando a paz de toda a região.
As regiões ermas, com picos gelados, cavernas, cordilheiras hostis, rios e cachoeiras, florestas de clima temperado e vales gélidos próximas a Hartsvale são o cenário de boa parte da trama. Tavis e seus companheiros, Avner, um rapazote humano e Basil, curioso gigante da raça verbeeg, lutam para resgatar a princesa. Ao mesmo tempo, precisam limpar seus nomes junto ao guarda costas de Brianna, Morten, um firbolg como Tavis, e também, reconciliar-se com os condes e tropas de Hartsvale, que implicaram Tavis e seus amigos como possíveis cúmplices do rapto da princesa.
Conforme o avanço de Tavis e seus companheiros, as dificuldades se acirram. Um resgate e sua própria sobrevivência ficam cada vez mais difíceis. O autor provê boa ação, temperada com sacadas inteligentes do protagonista que através de suas habilidades como guia e escolta, consegue entender as intenções e movimentos de seus inimigos, ler sinais do clima e do terreno, usando-os a seu favor para garantir uma chance de sucesso em sua empreitada praticamente impossível.
Outro aspecto bem trabalhado na história é a presença de magia, que ora do lado de seu aliado, Basil e ora sob o comando do principal oponente, o xamã e ogro Goboka, produzem diversas reviravoltas que mantém um clima de ação e suspense. Além de confrontar os inúmeros ogros comandados por Goboka, Tavis e seus companheiros encontram aliados e oponentes entre os poderosos, mas estúpidos gigantes das montanhas.
O desfecho é tenso e abre espaço para os romances seguintes da série, The Giant Among Us e The Titan of Twilight, que veremos em breve.
Para quem lê em inglês e curte romances recheados de ação e fantasia, The Ogre’s Pact certamente não irá decepcionar, mesmo para aqueles (como eu) que saibam pouco, ou quase nada, sobre o cenário de RPG, Forgotten Realms. Algo que aprendi com os romances de Troy Denning é que eles transcendem o contexto dos cenários de RPG dos quais surgiram, constituindo boas histórias em si, com personagens bem elaborados, cenas de descrição muito vívida e tramas que capturam a atenção do leitor.
& Aventura:
A primeira coisa interessante é o fato de haver protagonistas gigantes na história. O reino nortenho de Hartsvale é uma região fronteiriça da terra dos homens e terra dos gigantes em Forgotten Realms. Mas não pensemos apenas neste cenário para explorar possibilidades de aventuras… É claro que se você já joga, ou pretende em breve, começar uma campanha em Forgotten Realms, a leitura deste livro pode trazer uma série de ideias para sua campanha, mas como sabemos, há dezenas e dezenas de outras possibilidades fora deste contexto.
Como mestre, hora ou outra, sempre temos jogadores que querem explorar a experiência de jogar com um personagem que se desvia do “normal”. É aí que vem aquela pergunta… Mestre, meu PC pode ser um gigante? Bem, por que não? Eles certamente são mais fortes, e dependendo do cenário e “sub-raças” de gigante, podem não ser bem quistos, mas isso não significa que para um jogar com um gigante, todos os personagens tenham de ser gigantes que vão lutar contra os menores, que não os compreendem e os temem.
Bem, se concordar em ter um jogador com um gigante, não significa que será um dos maior deles, como (no caso do AD&D/D&D, gigantes das nuvens, ou das pedras). Tavis, o protagonista do livro é um firbolg, uma raça “agigantada”, mas cuja estatura não é tão alta assim. A aparência física dos firbolgs é bem próxima da humana, então ele se encaixa muito bem como alguém que pode fazer a ponte entre o mundo dos humanos e lidar com os “grandes problemas” do mundo dos gigantes.
O importante ao deixar um personagem jogar com algo diferente do “normal”, como um gigante, é compreender bem os impactos que isso pode trazer ao jogo, equilíbrio do grupo e efeitos na de suas forças e fraquezas durante o jogo. No caso de um gigante como membro de um grupo de “menores” (humanos, elfos, etc), isso poderá limitar a participação do personagem numa série de situações, simplesmente porque o gigante poderá não caber, ou melhor, conseguir entrar em todos os lugares que os demais personagens estiverem. Isto requer pensar um pouco mais na preparação do roteiro da aventura levando fatores como este em consideração. Enfim, quais são as consequencias? E isso é uma das coisas divertidas em jogos de RPG, imaginar, planejar e ver o que vai acontencer na prática com situações inusitadas como estas.
O segundo aspecto é não ficar no básico. Tudo bem, um gigante é obviamente mais forte numa situação de combate, mas será que isso é tudo? Tavis, por exemplo, é um excelente batedor, um tão bom, que na verdade isso é um dos grandes encantos da história. É fabuloso ver como ele consegue resolver uma série de problemas da história por sua habilidade profissional, e não por suas vantagens raciais. Aliás, para alguém que precisa ser furtivo, ser gigante pode bem ser um estorvo…
Então, se decidir deixar um jogador tomar o papel de um gigante, ou se você é um jogador que quer jogar com um gigante, pense em como pode ser estimulante avaliar os impactos da profissão deste personagem. Um gigante ladino, mago, clérigo? Seria possível? Que impactos positivos e negativos o personagem poderia causar na diversão da campanha? Que vantagens e desvantagens específicas ele teria ao exercer determinada profissão, sendo um gigante? Seriam coisas legais a explorar na prática experimentando isso numa campanha, ou em apenas uma sessão de jogo.
Tavis, também é um proscrito. Conforme a saga evolui (nos próximos livros) veremos que ele não se encaixa perfeitamente entre os membros de usa raça e tãopouco entre os humanos. É bem provável que isto venha a fazer parte da realidade de uma campanha que adote um personagem gigante. Isso é mais um conflito. Conflito traz o drama. E daí pode vir mais diversão para seu jogo de RPG.
Tudo bem… Deixa pra lá! Sem personagens gigantes… Isso tudo aí seria muito complicado (e realmente, pode trazer uma complexidade a mais para a campanha e algum perigo de desbalanceamento). E se estivermos falando de um sistema de RPG de pontos, como GURPS, pode ficar difícil fazer um personagem gigante sem que ele custe um pouco mais que os outros personagens. Isso talvez exigiria um nível de campanha mais elevado, com personagens de 150 a 250 pontos. Mas e se o vilão, ou alguns vilões da história fossem gigantes?
Não, não estou falando de um inimigo para um combate. Ou de um guardião. Estou falando de um vilão. Aquele personagem que vai aparecer muitas vezes na campanha e atormentar os heróis. Goboka, o feiticeiro ogro do livro é um ótimo exemplo de vilão. É forte, mesquinho, perspicaz, tem muitos truques na manga e consegue infernizar a vida de Tavis. Novamente, vale o mesmo princípio. É um gigante, mas, sua profissão, de “xamã das trevas” o torna mais interessante e permite que exerça o papel de vilão na história. E com vilões, é legal pensar em cebolas, cada camada retirada, pode revelar uma nova faceta, e no final, pode haver algo a mais por trás para tornar a campanha mais interessante ainda.
Bom, é isso aí! Melhor parar por aqui, senão nos estendemos demais! Espero que tenham gostado. E até a próxima Resenha & Aventura!
Por Carlos Rocha
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