Como Iniciar uma Campanha – Planejamento

Quando você está começando uma nova campanha, não importa apenas o gênero e o sistema que você está jogando. É melhor se organizar desde o início, mesmo que isso signifique adiar o primeiro jogo por um mês enquanto você se prepara. O trabalho extra e a organização vão compensar adiante.

COMO INICIAR UMA CAMPANHA – PLANEJAMENTO
by Dru Pagliassotti

Como descrito no artigo Escrevendo Aventuras – O Foco, a primeira coisa que você deve fazer é desenvolver uma breve descrição da finalidade e os objetivos da campanha. Se a campanha destina-se a curto prazo, isto é, projetada para levar os personagens a uma certa batalha e, em seguida, terminar, então seus objetivos devem refletir este efeito. Se a campanha é a longo prazo, sem fim previsto, seus objetivos devem ser mais gerais.

Por exemplo, digamos que estamos a desenvolver uma campanha curta de super-heróis na era Victoriana. Antes de começar, vamos dar-lhe um título, como se fosse um livro. Vamos chamá-la de “Bravura a Meia Luz”, que capta muito bem a ideia de valentes homens e mulheres  vitorianos, que serão os heróis da campanha, e as misteriosas ruas iluminadas a gás que existiram na Londres do século XIX. Agora vamos passar para o foco. Mantendo as regras descritas no artigo, vamos escrever o foco da seguinte forma:

Os super-heróis devem investigar uma série de crimes que lentamente revela a real presença de “Moriarty”, um supervilão do crime, no coração de uma Londres vitoriana. O “grand finale” será a batalha contra ele nos viveiros e esgotos da cidade. Constantes problemas incluirão as reuniões sociais dos personagens; a interferência suspeita de membros da força de polícia metropolitana, liderada pelo corrupto inspetor Blackleg; e o intrometido e sensacionalista repórter Caleb Perry.

Observe que em 71 palavras o foco da campanha “Bravura a Meia Luz” descreveu todo seu fluxo (as aventuras serão crimes e elas levarão a algum tipo de confronto nas favelas e esgotos de Londres), uma ambientação potencialmente bem humorada (reuniões sociais, que eram bastante comuns na Inglaterra vitoriana e oferecem muitas oportunidades para os heróis se ostentarem em chás e jantares entre a luta contra o crime) e vários personagens do mestre, o supervilão, o inspector Blackleg e o repórter Caleb Perry. Um bom começo!

Agora é hora de pegar o caderno(¹) para começar o Registro da Campanha (ainda a ser traduzido). Procure elaborar o layout do registro de campanha de forma que seus jogadores sejam lembrados da ambientação da campanha sempre que você pegar o caderno. A primeira nota do registro da campanha deve ser o foco criado. Isso o ajudará a sempre se lembrar a direção final que a campanha deve tomar.(²)

O segundo passo é certificar-se de que você tem a ambientação bem planejada. Neste caso, uma vez que estamos planejando um RPG histórico (isto é, organizado em um período de tempo real), certificar-mos de que sabemos o suficiente sobre a Londres vitoriana, para criar uma atmosfera convincente, é essencial. Se fosse um RPG de fantasia, precisaríamos criar um ambiente de fantasia convincente (veja, por exemplo, Como Iniciar uma Campanha: Construindo uma Cidade e Como Iniciar uma Campanha: Construindo um Reino (ainda a ser traduzido)). Supondo que qualquer sistema de super-heróis que você utilize não possui suporte para a era vitoriana, você precisará fazer alguma pesquisa preliminar. Felizmente, há uma abundância de recursos de ficção para a era vitoriana, assim como existem para a maioria dos outros períodos históricos necessários para uma campanha. Para a era vitoriana, aventuras de Sherlock Holmes e romances de Charles Dickens e Jane Austen imediatamente vêm à mente. Se você não possui interesse em ler os livros, alugue alguns filmes sobre as aventuras de Sherlock Holmes, “Oliver Twist”, “Grandes Esperanças”, “Orgulho e Preconceito” ou “O Morro dos Ventos Uivantes”.(²)

Se você preferir obras não ficcionais, tente “The Writer’s Guide to Everyday Life in Regency and Victorian England from 1811-19010” de Kristine Hughes, que é projetado para ser um guia fácil de referência para escritores e da mesma forma úteis para um RPGista (Dica: todos os “Writer’s Guides to Everyday Life” são excelentes recursos para RPGs históricos. Não localizei referência traduzida para eles). Para obter mais detalhes, “What Jane Austen Ate and Charles Dickens Knew” de Daniel Pool é um outro bom guia rápido.

Você também pode localizar recursos facilmente na internet. Finalmente, você pode considerar comprar um livro de cenário criado para a era vitoriana e adotar as informações básicas para o teu jogo (por exemplo, Call of Cthulhu tem um cenário vitoriano; Castelo Falkenstein é um jogo de ficção científica da era vitoriana).

Você não precisa se tornar um especialista de determinada era jogar um RPG histórico, mas é uma boa ideia ter uma noção geral do que existia, ou não, para tornar o jogo interessante e realista. Por exemplo, nossos heróis em “Bravura a Meia Luz” realmente não devem ser subprodutos de um experimento radioativo falho… embora a radiação certamente existia na época, ela não foi formalmente descoberta até 1896. Muito melhor seria dar aos super-heróis históricos conceitos e poderes mais vitorianos, como sendo os resultados de um experimento mesmerista (inicialmente praticado em 1778), hidropatia (1829) ou similares.

Todas as notas que você pesquisou devem ser armazenadas em seu caderno de campanha na parte destinada ao Cenário. Além disso, imprima ilustrações interessantes que você possa vir a encontrar durante a sua pesquisa, como ajuda visual para seus jogadores. Lembre-se, no momento em que sua campanha iniciar, você vai saber muito mais sobre o período histórico do que seus jogadores, assim dar-lhes algo para inspirar a imaginação será uma grande ajuda. Mantenha seus olhos abertos para buscar mapas também (não é muito difícil encontrar um mapa da Londres vitoriana, por exemplo).

O terceiro passo é começar a adaptar essa informação de campanha para seus jogadores. Para fazer isso você precisa descobrir que tipo de personagens seus jogadores querem jogar. É útil para dar aos jogadores um anúncio prévio da campanha para que eles possam criar bons personagens antes do início, dando uma chance ao GM de rever os personagens e começar a tecê-los juntos, antes da primeira sessão de jogo. Então, neste momento, anuncie a história da campanha e peça a seus jogadores para definir seus personagens. Se você precisa criar regras especiais para o período histórico, o faça e os informe depois. Se todos os seus jogadores estão on-line, criar uma lista de discussão em e-mail (ou fórum) para o jogo é uma boa maneira de divulgar as alterações de regras rapidamente para todos de uma vez, e também permite que os jogadores façam perguntas e compartilhem as respostas imediatamente. Certifique-se de imprimir (ou escrever) cada regra, alteração, adição ou explicação que você criar e adicioná-las a seu caderno de campanha para referência futura.

Quando seus jogadores começarem a enviar de volta as revisões de seus personagens, procure semelhanças. São todos ricos? Classe média? Pobres? Poderia um ser relacionado a outro por laço familiar ou matrimonial? Um poderia ser empregado da família do outro? Ser um velho amigo da família? Eles podem trabalhar para a mesma pessoa? Acho que é útil unir os personagens antes do jogo tanto quanto possível, especialmente se eles vêm de origens muito díspares, para certificar-se de que há uma lógica para eles estarem unidos. Em um jogo de super-heróis, este pode ser o fato menos importante (super-heróis tendem a simplesmente aparecer sempre que há um problema e trabalhar juntos para resolvê-lo), mas como esta é especificamente uma campanha vitoriana em que gênero e diferenças sociais são questões reais, eu tiraria um momento para certificar de que todos possuem motivos para ajudar uns aos outros… supondo que nunca descubram suas identidades secretas. Para mais ideias sobre elos para uma equipe, consulte o artigo Introduzindo Personagens (ainda a ser traduzido).

Você também deveria unir os personagens dos jogadores a locais específicos do cenário. Esboce um mapa (ou use o mapa que você encontrou durante sua fase de pesquisa) das casas ou quartos onde os personagens vivem, ou encontre algumas ilustrações que retratam o bairro dos personagens. Estes mapas e ilustrações ficarão juntos das anotações referente aos personagens, talvez subdivididos pelo nome do personagem de cada jogador.

Esta também é uma boa oportunidade para começar a procurar ideias para subtramas e derivações (spin-offs). “Bravura a Meia Luz” destina-se a ser uma campanha de curto prazo, então não queremos nos atolar em subtramas e derivações, mas seria bom desenvolver uma ou duas ideias, especialmente se elas podem ser usadas de forma cômica ou para aumentar o drama do confronto final planejado. O artigo Escrevendo Aventuras – A Árvore de Aventuras (ainda a ser traduzido) aborda como desenvolver subtramas e derivações para uma aventura; o mesmo se aplica a uma campanha. Se dois jogadores descrevem seus personagens apaixonados por uma evasiva dama (ou cavalheiro), defina que esta pessoa é uma só, apenas para se divertir fazendo-os rivais românticos. E, em seguida, tome em suas anotações que este interesse romântico deve ser o ponto focal de uma das aventuras… sendo ele uma vítima ou, talvez se te baixar o espírito de porco (e o DM já não o é?), um vilão. Salve todas as informações em seu caderno de campanha na área destinada aos personagens, se for principalmente sobre os personagens, ou na área destinada aos PdM’s, se for principalmente sobre estes, ou na área destinada as Aventuras, se você esboçou algumas ideias de aventuras fora do caderno.

Isso nos leva para o quarto passo, escrever os principais PdM’s. Temos a definição do foco que nos dá ideias para PdM’s e agora temos ideia superficial de quem são os personagens dos jogadores, o que nos dá mais PdM’s para escrever (cônjuges, amigos, amantes, familiares, empregadores ou empregados, etc). A maioria dos PdM’s não requer descrição extensiva, mas é útil anotar o nome, descrição física e maneirismos de um ou dois, para certificar-se de que você não se contradiga no jogo (jogadores são impiedosos quando pegam o GM em uma contradição). O artigo Escrevendo Aventuras: Personagens do Mestre (ainda a ser traduzido) classifica os personagens entre antagonistas e personagens principais, artistas convidados, figurantes e suplentes (que só fazem pontas). Durante esta fase de planejamento você terá uma ideia dos personagens principais (o anônimo arquivilão, o inspector e o jornalista) e uma artista convidada (o interesse romântico para dois dos personagens). Assuma que todos são suplentes, por enquanto – um nome e pouco mais. Coloque estas notas em seu caderno de campanha.

Os personagens principais e o antagonista precisam de um pouco mais de trabalho. Escrêva-os como se fossem personagens dos jogadores – afinal, o objetivo é mantê-los presentes em praticamente toda a aventura. O Inspetor e o jornalista devem ser bastante fáceis. Dar-lhes nomes, estatísticas, habilidades, competências (se aplicável) e, mais importante, personalidade. Já que o Inspetor Blackleg destina-se a ser um obstáculo corrupto, certifique-se de que ele seja politicamente influente o suficiente para colocar as identidades secretas dos personagens em risco, ameaçá-los com prisão, lesão ou pior. Ele pode até ser empregado de nosso arquivilão!

O jornalista Caleb Perry também deve ser um aborrecimento, mas não uma ameaça (exceto, talvez, por conta das identidades secretas novamente). Você pode decidir fazer dele pró ou anti super-herói agora ou esperar para ver como ele será tratado pelos super-heróis antes de decidir se vai elogiá-los ou condená-los nos jornais.

O arquivilão, agora, que é um desafio. Você pode querer escrevê-lo agora, ou esperar por algum tempo. A virtude para redigir um arquivilão antes da campanha é que você tem uma boa ideia de seus poderes, contatos e modus operandi. Mas, ao mesmo tempo, você pode correr o risco dos personagens descobri-lo antes que você esteja pronto para o confronto final. Isto não será um problema se você decidir quem é o arquivilão apenas em algum momento durante o jogo. Afinal, se você não sabe, então os jogadores também não saberão. A vantagem na espera é que você também pode escolher fazer do arquivilão alguém que os personagens acabam lidando frequentemente – um amigo próximo, rival, inimigo… ou seja, aquele que vai causar maior impacto dramático ou maior satisfação aos jogadores. A desvantagem é que você pode precisar fazer algum retcon para descobrir como tio Bob poderia estar no hospital Dama da Misericórdia, sendo visitado por membros da família, ao mesmo tempo em que ele estava na caçada real a raposas em seu disfarce de vil. Não importa o que você decidir, leia o artigo Como Representar Bem um Bandido (ainda a ser traduzido) para obter ideias para substanciar seu vilão.

O artista convidado e interesse romântico dos personagens não precisa de muito aprofundamento, mas você vai querer descrevê-lo bem o suficiente para manter os personagens interessados.

Se você puder encontrar boas ilustrações para os personagens e PdM’s, use-as, embora suas chances de encontrar retratos de personagens da era vitoriana realmente interessantes podem ser bastante remotas. Ainda assim, a imagem de um PdM pode ser muito útil na fixação imediata do personagem na imaginação dos seus jogadores.

Desnecessário falar que todas estas descrições devem ser inseridas em seu caderno de campanha.

Com todo esse histórico em mãos, você está praticamente concluindo seu planejamento inicial da campanha. Se você é ambicioso o suficiente para escrever as aventuras neste ponto (ou sortudo o suficiente para ser capaz de comprá-las na prateleira), vá em frente e arquive os dados em em “aventuras”, no seu caderno da campanha. Mas, neste ponto, você provavelmente só estará pronto para escrever a primeira aventura. Este é o momento.

Lembre-se que a primeira aventura deve (1) introduzir os personagens, (2) apresentar (em termos de modus operandi, pelo menos) os primeiros sinais de que vão levar para o confronto final com o arquivilão, (3) introduzir os principais PdMs (o Inspetor e o jornalista), (4) convencer os personagens que eles funcionam bem juntos (sua esperança!!) e (5) definir o ambiente para o resto da campanha. Isto é imperativo, e significa que você precisa planejar bem sua primeira aventura. Algumas ideias são fornecidas no artigo Escrevendo Aventuras – A Cena de Abertura (ainda a ser traduzido). Em uma campanha de super-herói, o cenário habitual de partida seria “Tumultos Caóticos” (Chaos Strikes). Ainda assim, use a sua imaginação. Certifique-se de mapear as áreas essenciais – especialmente onde o combate é suscetível de ocorrer – descrevendo os combatentes PdM’s.

A primeira aventura deve, naturalmente, ser arquivada na parte de aventuras no seu caderno de campanha.

Já que esta é a primeira aventura, mostre as ilustrações agora para que seus jogadores tenham uma boa imagem da Londres vitoriana em sua mente. Considere reproduzir um vídeo em um cenário vitoriano (ou apens o som) no fundo, ou reproduzir uma música clássica ou erudita apropriada para ajudar a definir o ambiente. Muito do ambiente vai depender de você como GM – o uso da descrição e caracterização – mas adicionar a atmosfera ao espaço de jogo só ajudará. Se você estiver jogando à noite, pense em escurecer as luzes para dar uma sensação vitoriana. GMs com dinheiro podem ter recursos para melhorar ainda mais a ambientação, é claro (como sair e comprar músicas ou adereços específicos para a campanha), mas planeje fazer aquilo o que você pode.

Conforme for jogando, certifique-se de manter anotações sobre as ideias que lhe ocorrem e, depois de cada jogo, aproveite para anotar tudo o que você passou a pensar em termos de ideias de aventura, subversão de PdM’s e outros. Em seguida, arquive-as em conformidade (ou apenas anote para rever mais tarde, se você está terminando o seu jogo depois da meia-noite e não tem energia para fazer nada além de ser rastejar para a cama). Você pode rever estas ideias enquanto estiver planejando a próxima aventura.

Embora isto seja o básico do planejamento, outras medidas podem incluir a criação de folhetos de campanha que incluem fatos históricos para os jogadores, ilustrações e mapas para sua referência, ou criar um site de campanha que contenha todas as informações on-line e, talvez, links para outros sites na Londres vitoriana ou até mesmo outros jogos de super-heróis para os seus jogadores consultarem. Jogadores apreciam uma campanha bem preparada… apenas lembre-se de não ficar tão atolado no planejamento que você nunca venha a executar a campanha!


(¹) utilizei “caderno” aqui, pois a tradução literal optava por instrumento de anotações pouco usuais ao RPG no Brasil.

(²) Este parágrafo foi readequado, pois a tradução literal trazia argumentos não usuais no Brasil.

Ps. Como puderam perceber, existem vários links apontando para vários outros artigos de forma aleatória. Comentei sobre isso em outra tradução que fiz, mas com o tempo e lendo os demais artigos (o que atrasou a tradução desse) percebi que aparentemente os artigos foram reeditados para sempre se intercalarem. Ou seja, não importa a ordem que eu faça das traduções, cronológica ou não, sempre haverão links para artigos ainda por traduzir. Isso só vai ser resolvido quando todos estiverem prontos e eu reeditá-los para corrigir os links em português.

2 Comments
  1. Os links expiraram.

  2. Infelizmente tanto o ezine “The Harrow” quanto o site oficial da escritora “drupagliassoti.com” não estão mais online há tempos. o único meio que encontrei de acessar os antigos materiais foi pelo Waybackmachine (https://web.archive.org/web/20040706095349/http://www.theharrow.com/rpg/)

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