A resenha a seguir da edição original de Eberron foi escrita pelo Tzmisce em duas partes, sendo que a segunda (1.682 leituras) foi publicada em 21 de agosto de 2004. Confira!
Eberron, o mais novo cenário para D&D e campeão do concurso feito pela Wizards of the Coast, chegou às lojas a poucos meses mas já deu o que falar. Esse artigo é parte de uma super-resenha do cenário, detalhando capítulos finais do livro e trazendo a conclusão. A primeira parte dessa resenha pode ser lida aqui.
Explorando Eberron 2: A Missão
O capítulo 6 de Eberron é sobre novos equipamentos para aventureiros. Temos novas armas exóticas, como novos tipos de espadas e até bumerangues. Como os elfos de Eberron usam madeiras especiais para fabricarem desde armas a armaduras, o capítulo também trás as propriedades físicas da darkleaf e da leafweave, boas para armaduras. Há também a bronzewood, forte o suficiente para se criar até lâminas de madeira. Afora as “plantinhas” dos elfos, temos o flametouched iron, um metal sagrado prezado pela igreja da Silver Flame de Thrane; o byeashk, um metal apropriado para matar os malignos e insanos extra-planares daelkyrs; o Riedran crystal, um metal feito para usuários psiônicos; o targath, uma liga letal contra os lordes mortos-vivos cultuados pelos elfos etc. Os autores de Eberron procuraram dar um clima mágico ao cenário criando vários tipos de substâncias fantásticas.
Há ainda novas substâncias alquímicas, kits de “primeiro socorros” para warforged, dragonshards usadas no lugar de grimórios, documentos especiais com runas arcanas e até mesmo roupas enfeitadas com pequenos efeitos ilusórios.
Boa parte do capítulo detalha também os serviços prestados pelas várias Dragonmarked Houses: purificação de comida, detecção de venenos, animais melhorados por magia, barcos voadores, redes de tavernas e uma série de magias disponibilizadas para seus clientes.
O capítulo 7 começa falando da vida em Eberron e cuida de detalhes como calendário, línguas, vida no campo, via nas cidades, educação, meios de transporte, economia, aventureiros etc. Infelizmente toda essa informação é muito compactada no início do capítulo e acrescenta pouco para dar solidez ao cenário (uma das maiores falhas do Eberron, diga-se de passagem). Sem contar uma menção aqui e acolá de que “existe mais magia usada no dia a dia”, o capítulo não fornece exemplos para o mestre e parte direto para a descrição geográfica do mundo.
O continente de Khorvaire, onde vivem a maior parte das raças do Livro do Jogador, é o centro das atenções do livro básico. As nações acabaram de sair há dois anos da devastadora Last War e a paz ainda parece frágil, com a suspeita de conspirações, intrigas e o retorno de velhos nêmesis. Um dado interessante de Eberron, como já foi dito, é que os goblinóides e orcs já foram um grande povo no passado. Khorvaire na verdade é o continente natal dessas raças. Os humanos, anões e elfos só chegaram depois e tomaram o lugar destas raças. É uma inversão bem legal de lugares e, novamente, uma das melhores idéias do cenário.
Os países de Khorvaire se originaram de cinco grandes nações, que por sua vez eram derivadas do grande império de Galifar. A morte do último rei e a briga de sucessão entre os cinco herdeiros deu início a Last War pouco mais de 100 anos atrás. As nações são detalhadas com suas populações e dados (como se vê em Forgotten Realms e Greyhawk), contendo ainda entradas para sobre a sociedade, religião, governo, vida econômica, organizações, principais localidades e cidades e ganchos de aventura. Há um reino para cada tipo de mestre e jogador aqui, apesar de eles se destacarem mais por suas exceções do que por suas características mais “comuns”. É mais fácil lembrar do reino de Anduair devido às suas torres flutuantes de Arcanix, e do reino de Blerand devido à sua cidade das torres Sharn. Resumindo: os reinos de Eberron não parecem “diferentes” o suficiente, falta um pouco de personalidade em muitas das nações. Claro, isso não é um defeito geral. Existem reinos bem interessantes como os Eldeen Reaches, com seus rangers e druidas lutando “contra a civilização”; a fanática Thrane com seus cavaleiros servos da Silver Flame; os caóticos Lhazaar Principalities e seus lordes piratas; e a antiga e orgulhosa Karrnath, com seus monumentos e exércitos de mortos-vivos.
No quesito “reinos exóticos” Eberron realmente faz jus ao nome. Temos as terras de Darguun, um remanescente do império hobgoblin; Droaam, um reino literalmente governado por monstros – minotauros, medusas, harpias, bruxas etc; as temíveis Demon Wastes, onde se encontram aprisionados os demônios que governavam o mundo de Eberron no passado primordial; e Cyre, uma terra reduzida a cinzas por um holocausto mágico no final da Last War, conhecida hoje como Mournland.
O final do capítulo se dedica a descrever os outros continentes de Eberron. O mais detalhado deles é a ilha-continente de Aerenal, lar do elfos. Os elfos de Eberron são um dos aspectos mais interessantes (e polêmicos) do cenário. Muitas pessoas gostaram, outras odiaram, mas a idéia não deixar de ser interessante. Os elfos ainda vivem dentro de florestas em cidades vivas e com alta magia, mas o diferencial aqui é a fascinação dos elfos com a morte. Eles a vêem como algo obrigatório e até desejado, muitos inclusive usam tatuagens de caveira sobre a face ou procuram se tornar parecidos com mortos-vivos. Parte dessa fascinação vem do fato que os elfos de Aerenal são aconselhados pelos seus próprios antepassados. Os grandes dentre os elfos são escolhidos para integrarem a Undying Court e passam a morar na Cidade dos Mortos (se você pensou em A Múmia acertou). Esses elfos se tornam mortos-vivos conselheiros e guardiões de seu povo. No entanto, não confunda eles com os mortos-vivos malignos do Livro dos Monstros. Os membros da Undying Court pertencem a um novo tipo de criatura – vista pela primeira vez no Book of Exalted Deeds – os deathless (algo como “aqueles que não morrem”). Os deathless possuem a aparência decrépita e apavorante dos demais mortos-vivos, mas são movidos por energia positiva e por isso não causam dreno de energia nem se alimentam dos vivos (pelo contrário, a Undying Court vive da devoção do seu povo). Os deathless inclusive podem ser afugentados e destruídos por clérigos malignos, mas não dominados. O conceito é muito bom e cria um novo pólo de forças no cenário.
Apesar dos elfos se manterem em Aerenal, eles são originários do continente de Xen’drik, que funciona no cenário como um continente perdido, cheio de ruínas e mistérios. Antigamente os elfos eram escravizados em Xen’drik pelos gigantes, cujo império foi destruído por uma catástrofe mágica (e por ataques dos dragões de Argonnessen). Atualmente os únicos elfos em Xen’drik são os drows, que caçam até o hoje os gigantes remanescentes. O novo papel dos drows é bem interessante, mas infelizmente o livro não nada além disso, deixando o mestre no escuro sobre até onde os elfos negros de Eberron são parecidos com os elfos negros de outros mundos.
Outro continente é o já mencionado Argonnessen, lar dos dragões, cujo litoral é guardados por tribos ferozes de bárbaros humanos, que vêem os largatões como deuses. Há também Frostfell, um continente congelado no extremo norte e lar original dos anões de Eberron. Finalmente temos o continente natural da raça humana – Sarlona. Atualmente, Sarlona se encontra na mão do maligno império psiônico de Riedra, governado pelos Inspired, humanos possuídos por entidades extra-planares chamadas quori (ligadas aos kalashtar).
O último local descrito é Khyber – o subterrâneo de Eberron – que carrega o nome de um dos três dragões primordiais. Se vocês pensam que o subterrâneo de Forgotten Realms é cheio de coisas desagradáveis, então nem chegem perto de Khyber. Todo tipo de entidade demoníaca e aberração maligna habita suas profundezas e impérios inteiros da superfície já foram destruídos – como o dos orcs – quando essas criaturas avançaram para cima.
O capítulo fecha com uma linha do tempo com as várias eras do cenário: desde a Era dos Dragões, passando pela Era dos Demônios e Era dos Monstros, até o dia das raças atuais e últimos acontecimentos.
O capítulo 8 fala das organizações e grupos de poder de Eberron. Num cenário que procura evocar um clima de conspiração, é essencial um conjunto variado de ordens e sociedades secretas. Eberron consegue um quadro decente para qualquer mestre usar em campanha. Há grupos econômicos, como o Aurum, e até faculdades e fundações que patrocinam expedições a Xen’drik. As principais igrejas e cultos, como a Church of the Silver Flame, o Blood of Vol e os Cults of the Dragon Below, também entram aqui. Temos ainda as Dragonmarked Houses, importantíssimas na história do cenário.
Além dessas, existem ordens de druidas, psiônicos, cabalas de antigos demônios, ordens de jovens dragões, magos, famílias reais e até uma ordem de cavalaria desgraçada.
O capítulo 9 trata de como organizar uma campanha em Eberron. O capítulo é uma mescla de dicas genéricas – importantes para qualquer jogo de RPG – e instruções mais específicas, que tem em mente o clima cinematográfico do cenário. Nesse capítulo a influência de filmes como Indiana Jones, A Múmia, Piratas do Caribe e outros é descaradamente revelada – se você quer pegar o clima de ação de Eberron basta ver um deles.
Os trechos mais interessantes são os exemplos de vilões recorrentes (que vivem fugindo e voltando para importunar o grupo) e os esquemas de tramas. Por exemplo: esquemas para aventuras de mistério, expedições arqueológicas, intriga etc. O clima é bem parecido com o excelente RPG 7th Sea. O capítulo fecha com comentários sobre as classes de PdMs do Livro do Mestre, com a adição da classe Magewright.
O capítulo 10 fala sobre outro aspecto essencial de Eberron: itens mágicos. De cara temos detalhados todas as propriedades dos três tipos de dragonshards – Syberis, Eberron e Khyber. Elas servem para aprisionar elementais (permitindo a criação de veículos mágicos) e criam uma gama de itens mágicos e psiônicos. Muitos dos itens mágicos do Livro do Mestre e do Expanded Psionics Handbook passam a ter como pré-requisito o uso de dragonshards, o que aumenta a importância do material no cenário.
Em seguida temos a descrição de componentes para warforged, itens que podem ser acoplados a esses golems vivos. Depois temos uma descrição de uns poucos itens mágicos (algo estranho num cenário que promove o uso alto desses itens) e seis artefatos.
O final do capítulo descreve algumas localizações notáveis. Na verdade todas são enormes itens mágicos feitos em eras passadas e com um poder considerável. O melhor disparado são as Eldritch Machines, basicamente um conjunto de dicas para o mestre criar as clássicas “armas do juízo final” tão comuns em contos pulp – aqueles aparatos esquisitos que o vilão cria para destruir metade do mundo (e que tem nomes ridículos como “Raio da Morte”). Uma pena que os autores dêem tão pouco atenção a essa parte. Pela força das idéias essa poderia ter sido a melhor seção do livro.
O capítulo 11 trás as novas criaturas de Eberron. Temos dinossauros (para os montadores halflings), os deathless da Undying Court élfica, os psiônicos Inspired, os daelkyrs e suas crias, os soldados mortos-vivos de Karrnath, animais melhorados por magia etc. Há ainda alguns monstros novos, não tão ligados ao cenário, como as hags of dusk, novos tipos de homúnculos, etc.
Uma das melhores novidades desse capítulo são os living spells. Esses seres são literalmente “magias vivas”, resultado da alta liberação de carga mágica nas batalhas da Last War. Eles são um modelo interessante porque você os aplica sobre magias do Livro do Jogador, e não sobre monstros.
Outros jogadores podem curtir também os symbionts, criaturas que dão benefícios aos seus usuários, como armaduras vivas ou membros extras.
O capítulo encerra com descrições sobre como certas criaturas encontradas no Livro dos Monstros se encaixam em Eberron. Os observadores e devoradores de mente, por exemplo, são crias dos extra-planares do daelkyrs, sendo mais comuns no plano de existência natal destes seres.
Finalmente (Ufa!…) o capítulo 12 trás The Forgotten Forge, uma aventura de 1º nível que dá um pouco do gostinho do cenário para os jogadores.
Esse filme vai ter continuação?
Ao final do livro fica difícil saber se Eberron vai emplacar entre os clássicos de D&D. O cenário definitivamente tem seus méritos e o livro básico foi feito com todo o cuidado, não apresentando defeitos. É para se deixar claro: Eberron é um cenário bem feito e estruturado o suficiente para sustentar diversos tipos de campanha. O problema é que Eberron é um cenário da Wizards of the Coast e – pior ainda – é o campeão de um concurso global. Analisando sobre esses dois últimos aspectos o cenário fica devendo em certos critérios.
Nota-se a total falta de um gênero com o que identificar o mundo. Eberron usa veículos mágicos, golems vivos, uma classe de criador de itens mágicos, mas não é um cenário de alta magia. As vilas e cidades do cenário ainda são D&D. Eberron é um cenário de grandes metrópoles, com um visual bem mais moderno, beirando um steampunk, mas não tem armas de fogo e sua “mecânica fantástica” se limita aos golems. E mesmo os itens mágicos mais incríveis do cenário – como os mencionados barcos voadores e o lightning rail – são uma exceção, não a regra. O resultado dessa miscelânea toda é que Eberron é confuso. Você não consegue associar o mundo com um gênero. Na verdade, Eberron fica brigando em ser ou não ser D&D, há trechos do livro que parecem tirados direto de Forgotten Realms e outros mundos, já outros trechos não parecem simplesmente com D&D. O cenário simplesmente não se decide. E Eberron nem ao menos é um cenário capa-e-espada ou noir como fica alardeando por aí, ele tem bem mais do hack-and-slash mágico do D&D, do que dos gêneros acima.
Talvez tenha faltado aos autores um trabalho extra para atrelar o cenário a um gênero: como por exemplo a alta magia, que parece ser o carro-chefe de Eberron.
Resumindo: Eberron é uma excelente fonte de idéias, regras e novas opções para D&D. Todo mestre vai achar algo do seu interesse aqui, no entanto, Eberron está a léguas de ser um cenário coeso quando observado como um todo.
Por Tzimisce