Eberron (resenha, parte 1)

A resenha a seguir da edição original de Eberron foi escrita pelo Tzmisce em duas partes, sendo que a primeira (2.153 leituras) foi publicada em 20 de agosto de 2004. Confira!

Eberron, o mais novo cenário para D&D e campeão do concurso feito pela Wizards of the Coast, chegou às lojas a poucos meses mas já deu o que falar. Esse artigo é parte de uma super-resenha do cenário, detalhando os primeiros 5 capítulos do livro. Aguardem a segunda parte para amanhã.

Senhoras e senhores: o Vencedor!

Demorou mas finalmente foi revelado o campeão dentre os cerca de 11.000 cenários enviados para a promoção promovida pela Wizards of the Coast. Uma promoção histórica obviamente, afinal, onde mais alguém poderia ter como prêmio o lançamento do seu cenário de RPG junto com a promessa de um suporte nas mais diferentes mídias?

Foi com base em todas essas expectativas que fãs de D&D pelo mundo afora aguardaram o lançamento de Eberron, cuja primeira aparição se deu nas páginas da DRAGON Magazine. Uma série de artigos foram dedicados a explorar os meandros e exclusividades do novo cenário. Agora, se tem algo que Eberron é o campeão indiscutível, é da polêmica. Praticamente nenhum cenário causou tanta discussão e divisão entre os jogadores de D&D. Seja devido a acusações de favorecimento do autor, por causa de uma infeliz coincidência de sobrenomes, seja devido ao seu tema – totalmente deslocado do recomendado para o torneio pela própria Wizards. O resultado final é que o concurso que elegeu Eberron está parecendo com a eleição que colocou um certo presidente americano atualmente no poder. Bem, discussões (e políticas) a parte, o clima resultado disso foi ruim, porque gerou um preconceito desmerecido para com o cenário por parte de certos jogadores. No entanto, não se deve esquecer que Eberron – como “o melhor” dentre milhares – é visto com altas expectativas.

Indo direto ao assunto…

Visual

O livro do cenário de campanha Eberron é um primor de qualidade e um exemplo de onde a Wizards pode ir quando realmente quer (e serve como prova incontestável de que não temos que engolir livros mal editados como o recente Complete Divine). O tomo possui 320 páginas, todas coloridas. As páginas são brancas, com extremidades contendo traçado antigos, parecidos com tatuagens primitivas, além de desenhos de ruínas, bem no clima do cenário.

As ilustrações variam, mas são todas de nível médio para cima em qualidade. O destaque são as ilustrações feitas a semelhança de histórias em quadrinho. Como Eberron é um cenário para aventuras cheias de ação cinematográfica, a idéia ficou excelente. Os editores tiveram o cuidado de manter o estilo da arte do livro e o resultado é um clima consistente. O livro é dividido em 12 capítulos, com direito a um índice remissivo bem organizado.

Dragão do Meio

De acordo a mitologia do cenário, no passado do mundo existiram 3 dragões progenitores de poder imensurável: Siberys, Eberron e Khyber. Esses seres praticamente divinos desenvolveram o que viria a ser conhecido como a Profecia, uma espécie de história secreta e fonte de poder obscuro. Aparentemente, aquele que dominasse a Profecia reinaria sobre o mundo. Os dragões Syberis e Khyber começaram então a guerrear por essa fonte e o mundo foi despedaçado. Para evitar sua destruição final, Eberron entrou na luta, equilibrando as forças. A batalha ancestral terminou com o fim dos três dragões. Syberis se despedaçou formando o cinturão de asteróides dos céus e Khyber deu origem às profundezas da terra. Entre o céu e o abismo, separando os eternos adversários, ficou Eberron, o Dragão do Meio, que deu forma à superfície. O mundo passou a levar seu nome desde então.

O cenário de Eberron tem a proposta de ser uma mistura de swashbuckling (mais conhecido por aqui como capa-e-espada) e fantasia sombria. Ele conta com altas doses de magia, civilizações diferentes, ruínas e continentes perdidos. Junte a isso tudo o fim de uma guerra secular (a Last War) que temos um cenário que se inspira no estilo pulp, como Indiana Jones. Até a intriga e os arquétipos de filmes como Casablanca e com clima noir podem ser encontrados no cenário, com seus mestres inquisidores (detetives) e metamorfos changelings (espiões).

Substâncias mágicas naturais do mundo de Eberron servem como combustível e foco para a criação de itens mágicos além do comum. Entre essas substâncias, as mais cobiçadas são os dragonshards – cristais que dizem derivar dos três dragões primordiais. Existem assim cristais de Syberis (os mais raros), Eberron (os mais comuns) e Khyber (os mais sinistros), provenientes respectivamente do cinturão de asteróides, da superfície e das profundezas do subterrâneo. Esses cristais propelem as maiores maravilhas mágicas do cenário, como barcos voadores e até uma espécie de trem chamado de “lightning rail”, um enorme artefato que cruza o continente em estradas feitas com dragonshards.

Acha que está complicado? Bem, para adicionar pimenta ao pote temos ainda as Dragonmarked Houses (algo como Casas dos Marcados pelo Dragão). Lembra da Profecia? Bem, os dragões neste cenário – descendentes dos três dragões progenitores – ficam observando o mundo à procura de sinais da manifestação dessa tal Profecia. Os grandes lagartos são muito mais introspectivos neste cenário do que em outros mundos de D&D. Eles afirmam que a Profecia pode ser vista em “marcas pelo mundo”. No entanto, os dragões ficaram assustados quando viram essas “marcas” se manifestarem fisicamente nas “raças menores”. Há pouco tempo (para os dragões) humanos, elfos, anões, gnomos, halflings, meio-elfos e meio-orcs começaram a manifestar estranhas marcas com poderes místicos. Esses indivíduos com o passar dos séculos ergueram grandes casas dinásticas e acumularam grande poder político e econômico, controlando por detrás dos tronos muitos dos eventos de Eberron.

Explorando Eberron

Introdução de Eberron se dedica a dar o tom do cenário e contém as “regras sagradas” que o Mestre deve observar. Os fatores de magia abundante no mundo, intriga, as novas raças, a sombra da Last War e o clima cinematográfico são reforçados aqui. Dois entre esses mandamentos merecem destaque.

O primeiro é que qualquer elemento do D&D (criatura, classe, raça, talento, poder etc.) pode ser adicionado em Eberron sem grandes dificuldades. O cenário parece ter sido feito com esse slogan.

O segundo é que, para manter a intriga e o mistério das aventuras, as tendências em Eberron não funcionam como “cartas marcadas”. Provavelmente uma das idéias mais geniais do cenário foi desvincular as raças das tendências. É mais fácil encontrar aqui coisas estranhas como orcs leais e bons e dragões dourados caóticos e malignos do que em outros mundos. Na verdade, uma das premissas do cenário é destruir velhos preconceitos. Por exemplo, em Eberron, os goblinóides (goblins, hobgoblins e bugbears) possuíram grandes impérios civilizados no passado, destruídos em batalhas contra seres extra-planares. Os orcs por sua vez fundaram uma importantíssima tradição druida (Orc druida?! Isso mesmo…) dedicada a manter o mundo a salvo das crias demoníacas vindas das profundezas de Khyber.

capítulo 1 descreve as raças novas e como as raças normais se encaixam no cenário. As raças do Livro do Jogador ganham novos contornos, mas não há nenhuma diferença mecânica. Os anões são membros de clãs banqueiros que controlam a riqueza das nações humanas; os gnomos são sábios sedentos por conhecimento e pelo acúmulo de informações; os halflings são bárbaros de boa índole conhecidos por suas cidades no deserto e seus dinossauros; os elfos descendem de um continente perdido e possuem uma cultura alienígena, que idolatra seus mortos como conselheiros divinos. Os humanos ganham mais atenção na descrição das nações do cenário, enquanto que os meio-orcs e os meio-elfos são um pouco desprezados.

As novas raças de Eberron são um show a parte e nota-se que houve um cuidado especial em garantir que todas sejam opções interessantes de personagens. Temos os changelings, descendente de humanos e doppelgangers. Eles não possuem as habilidades psíquicas de um doppelganger mas podem se disfarçar como qualquer raça humanóide. O clima de paranóia do cenário é garantido só com esses sujeitos. Os shifters são descendentes distantes de humanos e licantropos. Eles possuem traços levemente animalescos e são bem ágeis, mas sua principal habilidade (que pode ser melhorada com certos talentos) é a capacidade de metamorfosear certas partes do corpo, criando garras, presas, couro protetor etc. Em seguida temos os kalashtars, feitos para os fãs de psiônicos em D&D. Os kalashtars são descendentes de humanos que aceitaram ser possuídos por espíritos extra-planares de grande poder psíquico. Finalmente temos a mais polêmica adição do Eberron, os warforged. Uma das melhores idéias do cenário, os warforged são “golems vivos” criados em massa nos dias da Last War para serem usados em exércitos. A raça tem um conjunto de defeitos e habilidades que na teoria a torna equilibrada para grupos de 1º nível. No entanto, muitos não concordam com isso e consideram a raça desequilibrada. Assim como o shifter, há uma série de talentos para customizar o warforged (com direito a belezinhas como corpo de adamantine). O capítulo fecha com tabelas de idade, peso e altura, além de dados regionais sobre quais são as classes, classes de prestígio, perícias e talentos mais comuns das regiões de Eberron. Há ainda um texto encorajando a adição de outras raças (seguindo a filosofia “aceitamos tudo” do cenário).

capítulo 2 é dedicado às raças. Primeiro temos a novidade, a nova classe artífice. O artífice é literalmente um construtor de itens mágicos, ganhando inclusive uma “barra” de XP somente para isso. Ele ainda ganha uma série de habilidades, a mais interessante sendo as infusões. Elas representam as “magias” do artífice, mas só podem ser lançadas sobre itens para que alguém se beneficie de suas vantagens. Um conceito muito interessante, o artífice pode ser usado em qualquer cenário de D&D mais high-magic como Forgotten Realms e Tormenta. Mestres de mundos mais “pé no chão” como Greyhawk podem achar a classe muito chamativa.

O capítulo em seguida descreve como cada classe básica funciona em Eberron. Novamente as modificações mecânicas são mínimas, mas muito interessantes. O destaque vai para o bardo, que pode trocar habilidades musicais por certos talentos que concedem dons diferentes. Os clérigos são outra mudança interessante. Em Eberron, os autores escolheram manter os deuses distantes – eles não podem ser encontrados nem nos planos de existência. Há muita discussão entre os clérigos de Eberron sobre se os deuses existem ou não, principalmente levando em conta que clérigos podem ganhar poderes de ideais como “ordem” ou “caos”. Outra conseqüência é que podem existir clérigos corruptos com poderes divinos infiltrados nas igrejas, o que permite melhores aventuras de intriga. Os druidas ganham novos companheiros animais e até as classes psiônicas ganham um texto nessa parte do livro.

capítulo 3 trata das “características heróicas”. A principal novidade aqui é o uso das regras de pontos de ação, retiradas de jogos como o d20 Modern. Os pontos de ação permitem uma incrível versatilidade no uso dos poderes e habilidades, além de garantirem cenas mais heróicas, dando aos jogadores a chance de escolher quando seus personagens terão “mais sorte” na partida. Em seguida temos regras tratando de novos usos de perícia.

Eberron trás uma boa lista de talentos. Os mais interessantes são os que usam a mecânica dos pontos de ação, permitindo que os personagens “quebrem” certas regras – como realizar ataques extras ou trocar magias preparadas. Infelizmente, eles têm pouco uso em outros cenários (a não ser que o Mestre utilize pontos de ação). Há uma boa gama de talentos representando ordens místicas. Esses talentos concedem acesso a magias novas e individualizam esses grupos. Há ainda um ótimo talento representando a influência que se ganha ao entrar numa das várias Dragonmarked Houses. Há ainda talentos para melhorar os warforgeds e shifters. Como Eberron é um cenário com muita magia, há talentos que concedem bônus a itens mágicos, que melhoram as habilidades do artífice ou ainda que permitem a criação de certos itens únicos do mundo. Uma boa notícia desse trecho é a total inexistência daqueles enfadonhos talentos que dão bônus de +2 em duas perícias.

O capítulo segue com a descrição das dragonmarks que dão poder às várias Dragonmarked Houses. Esses símbolos místicos surgem em certas gerações dessas dinastias, concedendo poderes mágicos como a habilidade de domar animais, curar, consertar coisas, detectar substâncias venenosas etc. A idéia é muito boa, mas a mecânica é fraca. Praticamente, as dragonmarks são uma série de talentos que concedem usos diários de certas magia. Por serem de uso muito limitado, algumas dragonmarks acabam soando estranhas – é como se tivessem sido feitas justamente para fazer sucesso em comércio e não como conseqüência de uma profecia mística como o cenário implica.

Finalmente temos uma rápida descrição das igrejas e religiões de Eberron, que ocupam pouco espaço no livro. Como em Eberron qualquer causa pode ser a fonte de energia divina é possível o culto a seres poderosos como liches (The Blood of Vol) ou a antepassados (Undying Court). Há no entanto a descrição de algumas divindades.

capítulo 4 trás 8 classes de prestígio. Os autores de Eberron garantiram que o cenário traria somente classes de prestígio “derivadas” da história e dos grupos do mundo. Pode-se dizer que a idéia foi seguida a risca, no entanto esse é o capítulo mais decepcionante do livro. Além de termos poucas classes, muitas são simplesmente sem graça. Tomem o Master Inquisitive o Extreme Explorer. As duas representam conceitos chaves do cenário – o detetive infalível e o explorador audaz – mas tem uma mecânica totalmente plana. São basicamente um conjunto de habilidade similares a magia colocados ou ainda de pequenos bônus. Não é algo suficiente para individualizar um personagem a ponto de merecerem uma classe de prestígio. São classes que provavelmente verão mais uso nas mãos de PdMs.

Assim como ocorre com os talentos, muitas das classes de prestígio expandem habilidades de conceitos e raças. Temos uma classe de prestígio para os warforged, outra para os shifters e duas para os membros das Dragonmarked Houses. Mesmo nesses casos, as classes pecam em adicionar algo de exótico e novo. A crítica aqui – que já é comum lá fora – se baseia mais no fato de que essas classes simplesmente “não empolgam”. Mecanicamente, a maioria delas é impecável.

Ironicamente, num cenário que pretende ter vários grupos e facções, somente duas classe de prestígio representam grupos: o Exorcist of the Silver Flame e o Eldeen Ranger.

capítulo 5 trata da magia em Eberron. Visto a profusão de maravilhas mágicas, esse capítulo merece atenção especial. A idéia de Eberron é a de um mundo movido a magia de uma forma totalmente diferente de outros cenários de D&D – na verdade, os autores buscaram com Eberron criar um cenário que REALMENTE levasse em conta as conseqüências do uso de magia. Pensando assim, serviços que vão desde comunicação, alimentação, transporte e cura, até coisas como autenticação de documentos ou produtos mágicos são levados em conta. Infelizmente, na maioria esmagadora das vezes as “consequências” do uso de magia se limitam às Dragonmarked Houses. Aspectos culturais mais concretos não são descritos (de certa maneira fica difícil imaginar uma fazenda ou cidade pequena).

A única inovação traga pelo cenário nesse ponto são os magewirghts – uma classe de conjuradores arcanos menores, mais comuns do que magos, feiticeiros ou mesmo adeptos. Os magewrights dominam magias menores mas de grande uso na vida cotidiana, como encantamentos que geram luz, criam fogo, consertam armas, criam pequenos objetos etc. Isso dá boa parte do clima mágico de Eberron e evita, de maneira inteligente, que o Mestre tenha que buscar explicações esdrúxulas para o porquê de não existirem magos em cada esquina.

O capítulo descreve ainda vários tipos de materiais fantásticos, além de componentes materiais potentes, que melhoram certas magias. Temos também a descrição do complexo sistema planar de Eberron, composto por 13 planos de existência. Esses planos “orbitam” em torno do plano material de Eberron, afetando o mundo quando mais próximos e dificultando certas magias quando distantes. A quantidade enorme de planos garante o Mestre com várias oportunidades de invasões e conjunções planares. Há ainda a descrição do que acontece em regiões de Eberron permanente afetadas por um plano de existência. Essa última regra garante vários ganchos para localidades fantásticas.

O capítulo fecha com regras para possessão por demônios e canalização por anjos. A canalização consiste numa espécie de “possessão camarada” onde o celestial concede parte de seus poderes ao possuído. A regra não é novidade e foi tirada do Book of Exalted Deeds. Finalmente temos novos domínios e magias, a maioria sendo infusões para o artífice.

NOTA: Esta resenha terá seu prosseguimento publicado amanhã.

Por Tzimisce

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