RPG é a sigla para Role-playing game. Larp, o acrônimo de live action role play. Como as próprias palavras sugerem, algum parentesco entre as duas coisas existe. Mas de que tipo? RPG e Larp são a mesma coisa? Larp é um tipo de RPG? Ou temos aqui apenas uma grande confusão de termos parecidos para universos completamente diferentes, como no caso do RPG jogo e o famigerado RPG da reeducação postural global?
Eu gosto de pensar no RPG e no Larp como pontos em uma linha, cada um deles próximo de um tipo determinado de experiência. Como assim? Bem, vamos lembrar a maioria das partidas de RPG das quais participamos ou já ouvimos falar. Grande parte delas aconteceu ao redor de uma mesa, em um sofá confortável ou talvez no tapete da sala de casa. Nesse ambiente, acompanhados ou não de dados, fichas de personagem, salgadinhos, refrigerantes ou mesmo de um Mestre ou Narrador, nos reunimos para, basicamente, narrar histórias sobre nossos personagens.
Imaginando cenários medievais, futuristas, contemporâneos, mais ou menos realistas ou fantasiosos, pensamos em nossos personagens nesses espaços e, grande parte do tempo, descrevemos suas ações. “Eu tiro minha espada da bainha, levanto o escudo até a altura dos olhos e corro para proteger meus amigos” é o tipo de frase que você já deve ter falado ou escutado em alguma mesa pela qual já passou (se fantasia medieval não é sua praia, pense aqui no equivalente para o seu cenário predileto).
Um ponto muito importante disso é o fato de que, não importa quanto seu personagem tenha que correr de espada e escudo em punho para defender os amigos, você continua confortavelmente sentado em sua cadeira, talvez apenas endireitando as costas para o grande momento de rolar os dados. Seu personagem pode se jogar no chão, saltar um abismo, tropeçar em uma pedra ou ser alvo de uma bola de fogo. Não importa: tudo que você faz é arremessar alguns dados na mesa (se o seu sistema usa dados, claro!), comemorar ou reclamar do resultado e anotar alguma coisa em sua ficha. Pode ser que você coloque a mão no peito e grite de dor caso a bola de fogo acerte em cheio, mas vamos falar sobre isso depois.
Agora vamos ao Larp. Para facilitar nossa comparação, vamos pensar em um Larp de fantasia medieval, onde seu personagem também possa erguer escudo e espada sem parecer muito deslocado do resto do mundo. Aqui, a cadeira, a mesa ou o sofá confortável saem de cena e você se encontra de pé, carregando uma espada e um escudo feitos de EVA, papelão, plástico ou talvez algum material mais glamouroso (o pessoal do extinto grupo Fronteiras de Akitan, de Viçosa-MG, costumava usar espadas feitas de metal, sem corte!).
Bem, seja qual for o material das suas armas, o fato é que em um Larp você não vai simplesmente anunciar “Eu tiro minha espada da bainha, levanto o escudo até a altura dos olhos e corro para proteger meus amigos”. Você vai, efetivamente, sacar a espada, erguer o escudo e sair correndo na direção de qualquer que seja o perigo. Ou seja, em vez de narrar ou descrever as ações do personagem, você vai realizá-las com seu próprio corpo. Isso não quer dizer que você precise tropeçar de verdade em uma pedra e rolar pelo chão, obviamente. Isso até pode acontecer por acidente, mas você também pode simular uma queda sem se machucar ou correr risco algum. Seja como for, o lance é que no Larp você vive o personagem não apenas na imaginação, mas no corpo.
Basicamente, essa é a principal e grande diferença entre o RPG e o Larp. Luiz Falcão, um grande amigo e parceiro em vários trabalhos, costuma dizer que o RPG é épico (no sentido da poesia épica grega, como a Odisseia) enquanto o Larp é dramático (também no sentido grego da coisa, mas agora falando do teatro). Enquanto o RPG narra as histórias e os feitos dos personagens através da palavra, como Homero fez com Aquiles, Ulisses e todo o resto, o Larp conta as histórias com a ação viva, como acontece com Édipo ou Medeia durante uma peça de teatro, onde os atores andam de um lado para o outro, gesticulam, gritam, caem no chão e tudo mais.
Ah, mas eu posso me levantar da mesa, apontar uma espada imaginária ou improvisada para o Mestre e falar com uma voz trevosa como se fosse o meu personagem. Ou dar as mãos para outro jogador, cumprimentá-lo e começar uma conversa virando algumas canecas bem reais de cerveja como se estivéssemos em uma taverna. Deixei de jogar RPG e tudo virou um Larp?
Calma, não é bem assim. Como eu falei lá em cima, gosto de pensar no RPG e no Larp como pontos em uma linha. Em um extremo dela temos o foco na narração das ações do personagem, na descrição do que eles fazem, falam e pensam. No outro, o enfoque está na vivência dessas ações, falas e pensamentos no próprio corpo. Imagino toda a sorte de RPGs e Larps conhecidos transitando entre esses limites, ora mais perto de um, ora do outro.
Os RPGS, em geral, tenderiam para o lado da narração, enquanto os Larps estariam mais próximos da vivência através do corpo. Isso não significa que um RPG não possa ter muito dessa vivência ou que um Larp não possa ter momentos narrativos. É uma tendência geral, não uma regra, e essa tendência pode mudar muito de sistema de RPG para sistema de RPG, de Larp para Larp, de mesa de jogo para mesa de jogo e de jogador para jogador.
Lembro de ter participado de algumas sessões de RPG nas quais o diálogo entre os personagens se estendeu por tanto tempo que a narração passou para segundo plano. Da mesma forma, já vi Larps onde o organizador assumia o papel clássico do Mestre de RPG para narrar algumas ações difíceis de serem vividas no próprio corpo do jogador (pense em um envenenamento, uma queda do décimo andar ou o impacto de uma bola de fogo!).
Certo, mas por que isso tudo é relevante? Em primeiro lugar, a compreensão da diferença (e, por consequência, das semelhanças) entre RPG e Larp pode permitir uma experiência mais interessante com os jogos, seja na figura de autor, Narrador, organizador ou jogador. Permite investir no potencial da experiência narrativa ou dramática, ou subvertê-las. Oferece a possibilidade de decisões mais conscientes sobre o que fazer com o jogo.
Saber onde residem as diferenças entre RPG e Larp pode ajudar a localizar os pontos fortes e fracos de cada um e procurar estratégias criativas para extrapolá-los ou contorná-los. Algumas coisas funcionam muito bem em uma mesa de RPG mas, levadas para o Larp, precisam de ajustes ou simplesmente não dão certo. E vice-versa.
Vamos voltar para nosso exemplo. Imagine que seu personagem está correndo e brandindo sua espada para defender os amigos do ataque mortal de um beholder. Em uma mesa de RPG, com uma boa dose de criatividade e prática de descrição, o Narrador pode materializar na imaginação de todos a criatura e, com a ajuda dos dados, torná-la um perigo de tirar o fôlego. E se os dados não ajudarem com o pobre beholder, ele pode sacar uma dúzia de orcs descendo pela encosta da montanha para tornar o combate desafiador.
Agora, olhemos para o Larp. Antes de mais nada, nosso bipedismo e outras características anatômicas tornam realmente complicado para qualquer um se tornar um beholder crível. Da mesma forma, todos os seus ataques devastadores nas palavras de um Narrador encontrariam dificuldade considerável de ganhar materialidade no espaço. E, finalmente, precisaríamos ter escondido em algum lugar um grupo de jogadores pronto para surgir como aquela dúzia de orcs montanheses.
Isso quer dizer que é impossível ter nosso beholder combatente no Larp? É claro que não, mas as exigências são bem maiores do que no RPG. Mesmo deixando de lado qualquer figurino ou fantasia para fazer alguém parecer minimamente um beholder, a própria dinâmica do combate talvez precise de algumas estratégias mais narrativas do que propriamente dramáticas, como a narração de “agora eu lanço meu raio em você!”.
Por outro lado, em um Larp algumas coisas são mais fáceis ou funcionam melhor do que no RPG. Pensem em um grande banquete, talvez em comemoração à vitória sobre o beholder e os orcs. Uma festa grande, com talvez 40 ou 50 pessoas reunidas conversando, bebendo, fazendo suas intrigas, alianças ou apenas curtindo. Juntar 40 ou 50 pessoas ao redor de uma mesa de RPG deve ser um desafio tão grande para um Narrador quanto enfrentar o próprio beholder. Lembro de ter participado de uma mesa com 12 pessoas e ter sido, bem… uma experiência para uma vez só.
Um Larp seria bastante adequado para reunir toda essa gente e deixar a representação correr livremente, com conversas e ações paralelas, grupos se formando aqui e ali, momentos de tensão e conspiração de um lado, jogos e contação de histórias do outro. Mais uma vez: talvez algum Narrador temerário já tenha reunido 50 pessoas em sua mesa ou pense em fazê-lo, mas um Larp dá conta dessa tarefa com muito mais facilidade.
Uma boa maneira de pensar essa relação entre RPG e Larp é lembrar de outras mídias. A literatura e o cinema, por exemplo. A experiência que a leitura de um livro proporciona definitivamente não é a mesma causada por um filme. Enquanto efeitos especiais, trilha sonora, fotografia e grandes atuações precisam funcionar para envolver o espectador, a literatura usa basicamente a palavra para tornar a história e os personagens inesquecíveis para o leitor. Uma experiência não é melhor ou pior do que a outra, são apenas diferentes e há quem prefira uma à outra.
Assim, da mesma forma que o cinema não é um tipo de literatura, o Larp não é um tipo de RPG, ou vice-versa. Ambos são experiências de viver histórias através de personagens, mas operam com focos diferentes e, por isso, favorecem histórias e experiências diferentes. Ter isso em mente pode ajudar a criar jogos melhores e também participar desses jogos com outra qualidade – seja RPG ou Larp.
Luiz Prado é autor de larps, integrante dos grupos
Confraria das Ideias e Boi Voador, e agora redator da REDERPG!