V5: “Brincando com fogo” ou “O dia em que eu me tornei um blogueirinho” (4º Lugar do I Concurso Literário V5)

“Brincando com fogo” ou “O dia em que eu me tornei um blogueirinho”, de Tatiana Versieux (Tati Malkaviangel), foi o conto 4º colocado no I Concurso Literário de Contos – Vampire (V5), promovido pelo grupo Vampire (V5) do Facebook. Confira a seguir!

“Brincando com fogo” ou “O dia em que eu me tornei um blogueirinho”

Boa noite senhores!

Vocês sabem que existem… só um minuto, já estão todos aqui?

Bom, não importa. O assunto é importante demais para esperar pelos retardatários. Como eu ia dizendo, vocês sabem que existem pessoas, e até mesmo empresas, que vivem de criar perfis em redes sociais, conseguir seguidores e depois vender esses perfis para influenciadores ou marcas que desejam se promover ou promover seus produtos? Parece uma ótima ideia, certo?

Não, isso não é um esquema de pirâmide! Nem marketing multinível! Inferno!

É, é… Eu sei, eu ia chegar nisso, me deixa terminar…

Em uma primeira olhada, um pouco descuidada, parece de fato uma excelente ideia. Você nunca teve uma presença digital e, de repente, você tem milhares de seguidores. Existe, porém, um pequeno problema. Esses perfis artificiais, apinhados de pessoas, até oferecem um palco, e podem fazer parecer que você tem alguma relevância, mas não criam engajamento na sua marca ou no que você está querendo promover. Você literalmente compra dez, vinte, cinquenta mil seguidores que não têm absolutamente interesse algum no seu produto. De qualquer forma isso existe e, principalmente, vende.

Esse mundo digital é interessante, eu sempre gostei de ficar por dentro das novidades, desde o surgimento da primeira lâmpada elétrica. Ela literalmente me deu uma luz.

Eu sei que você também gosta. Dá pra parar de questionar o que eu gosto, por favor? Eu gosto porque eu gosto, não estou tentando te copiar!

Sabem, eu pensei sobre isso e descobri que isso nos abre uma oportunidade. Prestem atenção.
Vocês sabem bem como é, os velhotes vivem (vivem… hahaha) bom, eles “não-vivem” (melhor ainda! Hahahaha). Eles “não-vivem” com o papo de que a gente tem que tomar cuidado com as tecnologias, que elas são perigosas e bla-bla-bla-bla… (é, é isso que eu escuto quando vocês começam a falar demais também). Mas isso é puro medo da modernidade. As máquinas não temem suas centenas de anos e seus dentes afiados, e é por isso que os velhotes não gostam delas. No final das contas, elas não mordem… (quem morde somos nós, lembram? Dentes afiados).

Tá bom, se você também não gosta, você também é um velhote, e pode ficar de fora da reunião… tchau!

Continuando, me perdoem pela interrupção, nem todos são bons ouvintes por aqui. Voltando aos velhotes. Cheios de autoridade, eles nos mandam tomar cuidado com isso e com aquilo, mandam e desmandam, proíbem e impõem, dizem que nós podemos ser rastreados, descobertos, encontrados e… destruídos pelas mariposas.

Mas será possível que você não entenda uma metáfora? As mariposas de uniformes, as formiguinhas obedientes, as abelhas sem ferrão, isso menos, aqueles humanos que acham que podem nos destruir.

Entendam, os velhotes pararam no tempo. Acusados de todo tipo de horror no passado, seres sobrenaturais, poderosos, centenários, tremem de medo perante um celular que, literalmente, cabe no meu bolso. E nós deveríamos ser os predadores…

Eu já disse, somos nós que mordemos!!!

Bem, só os trouxas, independente da idade, caem perante eles. Mas eu não. Eles jogam um jogo interessante, esses humaninhos, de esconde-esconde, e eu só brinco com eles. Eu gosto de fazer novos amigos, principalmente quando esses amigos nos fazem… pequenos favores.

Perigoso? Hum… Talvez… mas qual a graça de brincar com fogo se você não puder se queimar? De andar na corda bamba se você não puder cair, hein? Não me digam que vocês estão amarelando!

Voltando aos perfis apinhados de pessoas nada ávidas a consumir seu conteúdo. Eles são caros, claro, mas dinheiro não é problema quando você tem várias mentes brilhantes trabalhando pra você (ou seria em você? Com você? Enfim…). Navegando pela imensidão da internet (ah, por favor, é só uma palavra, não precisa guinchar feito um camundongo) me deparei com essa ideia e adivinhem: tenho uma belezinha dessas agora, com trinta mil pessoas perfeitamente aptas a ver tudo o que eu quiser mostrar!

Não, eu não vou virar musa fitness ou mostrar meus “dotes”, e nem adianta insistir!

E não, eu não quero engajamento… pelo menos não do tipo que as pessoas normalmente querem. Eu não quero vender um produto. Eu quero “viralizar”, quero meus cinco minutos de fama, meu “conteúdo” viajando na velocidade da luz pela rede mundial e um alvo muito – bem – colocado, bem – na minha – cabeça… Ou na localização do meu GPS…

Ah, vocês não têm senso de humor? Achei que um celular com uma foto da minha cabeça colada na frente iria deixar vocês rindo por horas… e principalmente, convencidos a incentivar minha pequena, mais nova e não menos brilhante iniciativa.

Então, quem é a favor do plano?

Como assim, que plano? Bando de idiotas! Vocês vão entender enquanto eu o coloco em execução.

Primeiro, umas fotos bem tiradas, cheias de dentes e sangue e dentes e sangue e dentes e… bem, vocês entenderam a ideia… um beco escuro, um corpo caído, que depois vai contar uma história, alguns pequenos vídeos. Uma quebra da Máscara aqui, uma vítima com sangue escorrendo de dois lindos furinhos muito bem colocados na jugular ali… claro, pode parecer só baboseira dessa gente metida a trevosa (Emo? Gótico? Já se deram tantos nomes que eu desisti de acompanhar!), mas as nossas mosquinhas preferidas sabem muito bem o que estão procurando. Elas estão atentas, com seus olhos, compostos por quatro mil facetas, bem abertos! E, principalmente, elas sabem o…

Ah, cala a boca, você estragou meu “grand finale!”. Mais uma e eu excluo você também da reunião.

Eu sempre soube que aqueles anos me alimentando naquele estúdio B de cinema teriam sua utilidade… Eu quase tenho água na boca só de olhar… Material produzido (muito bem produzido, por sinal, com uma aparência intencional de amadorismo), só falta encontrar nosso réu… temos que escolher com cuidado, ter certeza de que ele merece a punição. Eu sou a acusação, a defesa, o júri e o juiz (outros tantos anos me alimentando nos corredores do sistema de justiça). Claro, eu nunca condenaria alguém que não merece, eu sou justo, afinal de contas.

É, eu também acho. Você tirou a sugestão da ponta da minha língua. Ele é um excelente candidato.

Na verdade, eu devo confessar. Eu fiz isso tudo pensando nele. Vindo de outra cidade e aceito pra viver por aqui sabe-se lá por qual motivo, aparentemente inofensivo, justo, correto, se alimenta de forma discreta e diz admirar nosso príncipe, sempre disposto a ajudar (ou bajular?). Eu certamente não posso confiar naquele Tremere (eu também não acho que seja esse o clã dele), mas o que denunciou pra valer foi a atitude dele na semana passada. Pelo visto não fui só eu que percebi então, a cara que ele fez quando o Príncipe entrou no Elísio. Aquele sorriso debochado, aquela cara de sonso. Outros poderiam acreditar que é admiração pelo nosso soberano. Eu não. Eu vi, eu ouvi, eu SEI! Aquele…

Já chega! Você está fora!

Certo, onde eu estava mesmo? Ah, o sorriso. Aquele é o sorriso da traição! Ele está tramando contra o Príncipe, eu tenho certeza. Ele está do lado da corja revoltada, aquele bando de “bad boys” frustrados e cachorrinhos sem dono (e com pulgas, sim, e com pulgas).

Agora, ele não é muito esperto, não é mesmo? Não se esforçou nem um pouco pra esconder seu abrigo…

Nem o sorrisinho cínico no Elísio, eu sei.

Foi fácil achar… pelo menos pra mim. As pessoas tendem a esquecer que eu estou sempre por aí, e eu acabo encontrando segredos que elas não gostariam de expor… principalmente quando estão planejando um golpe! Ele certamente deveria ter sido mais cuidadoso.

Olhem esse lugar, parece até bem camuflado. Uma fachada digna até, um comércio de bairro que funciona o dia todo, um subterrâneo bem disfarçado, com entrada e saída independentes. Talvez um tolo deixasse de notar… acho que vou dar uma olhada mais de perto.

Hora do julgamento! Todos em suas posições? As acusações: veio pra cá e foi aceito por motivos escusos. Certamente passou por cima de alguém pra isso. Sorriso cínico para o Príncipe, aliado dos rebeldes, mentiu sobre o clã que pertence, tentou derrubar o príncipe. Eu já mencionei o sorriso dele? Ah, aquele sorriso realmente me irritou. São todas acusações muito graves. Eu preciso pensar, claro, não quero cometer uma injustiça.

Ops, que distração a minha! Cliquei em postar… dezessete vezes consecutivas! Todas aquelas fotos e vídeos comprometedores circulando pela internet, que tragédia! Oh, não, o que poderia ser pior? Deixei cair, conectado à internet, com localização ativada e bateria reserva pra durar dias! Isso sim é um problema.

Quieto, você sabe que não dá pra alcançar! Ssshhhh! Não, eu não serei capaz de recuperar. Só nos resta sair daqui e torcer pra ninguém perceber esse pequeno deslize… e pras trinta mil pessoas não verem! Seria uma calamidade, não é mesmo?

* * *

Algumas noites depois…

O Elísio está mais movimentado que o normal essa noite. O que poderia ser?

Não, não estrague a surpresa! Sem spoiler!

Ah, a doce sinfonia do caos. As Harpias coletando e espalhando a notícia, a Primigênie sendo convocada, o Xerife chegando, bufando de ódio, com raiva no olhar (e com orelhinhas de rato na cabeça, eu devia ter apostado, eu sabia que seriam orelhinhas de rato), e, por fim, o Príncipe sendo chamado às pressas.

O que será que aconteceu? Deve ser algo realmente sério pra toda essa comoção. Apesar de que, as coisas por aqui sempre são assim, qualquer novidade gera um enorme alvoroço e vira assunto por noites a fio! Sabem como é, a eternidade pode ser entediante às vezes… não pra mim…

Descobertos? É claro que não fomos descobertos! Shhhh. Aqui não é lugar pra discutir esse assunto. Se alguém mais souber que eu andei brincando com as mosquinhas (de novo) nós todos seremos destruídos. Sim, mesmo vocês, ou vocês já esqueceram que foram meus cúmplices?

Claro, senhores, alguns detalhes que eu me esqueci de mencionar: eu já brinco com meus amiguinhos novos há algum tempo…

Eu posso, eu sou discreto. Vocês falam pelos cotovelos, sem se preocupar se alguém está ouvindo.

Onde eu estava? Ah, sim, as mosquinhas. Elas são divertidas. E fofas! Elas se acham tão importantes que se dão até nomes! Dessa vez estão se chamando de “Segunda Inquisição”. É engraçado ver um bando de humanos achando que pode acabar com a nossa espécie, mas sim, eu admito que sem os devidos cuidados até mesmo eu poderia me colocar em problemas com eles.

Um passinho de cada vez, “living on the edge”, lembrando que passinhos justiceiros valem por três!

Até onde eu sei, eles sabem que eu existo, bem, não “eu” exatamente, mas eles sabem que existe um dos nossos brincando com alguns deles. Mas no fim, nós dois conseguimos o que queremos… eu tenho minha execução, eles têm mais um chupa-sangue destruído pra se gabar, colocar em seus importantes relatórios e justificar seus pagamentos.

Mas, como era de se esperar, existe ainda outro detalhe. Nós não deveríamos nos envolver com eles. Eu falei que os velhotes têm medo, não foi? Mas além de medo, eles têm… poder… e sabem qual poder? Olha que coincidência! O poder de condenar à destruição qualquer um dos nossos que brincar com tecnologia, sabem, internet, celular, redes sociais…

Nós? Nunca! Esses bichinhos terríveis, as máquinas… ouvi dizer que elas mordem!

Ah, a reunião dos velhotes acabou. Sabem, o único deles que vale alguma coisa é o Príncipe. O maior velhote de todos! O que será que eles discutiram? O que será que decidiram? Ah, contem logo, eu estou morrendo de curiosidade!

Meu coração morto quase bate de emoção quando minha atenção é chamada, independente da minha vontade, e eu sou gentilmente forçado a olhar para o nosso soberano. Nessas horas eu entendo porque chamam esse poder de Majestade. Se eu ainda respirasse eu certamente iria suspirar em admiração.

A voz grave e séria do Príncipe é a única coisa que se ouve no Elísio. É quase como se todos estivessem prendendo a respiração (Prendendo a respiração! Essa foi ótima! Shhh, não me façam rir agora!).

Como é? Eu mal posso acreditar nos meus ouvidos! Mais um dos nossos foi pego pela Segunda Inquisição? Que tragédia! Ouvi dizer que ele era tão cauteloso!

Será mesmo possível? Até onde eu sei, ele se gabava de ter um abrigo tão discreto! Explodiu durante o dia? Disseram que foi vazamento de gás? Que absurdo, eles nem disfarçam mais… o que será de nós, senhor Príncipe?

Bom, suponho que não haja nada que eu possa fazer além de oferecer minha total cooperação ao Xerife pra solucionar esse mistério, de como ele foi descoberto. Todos por aqui sabem que eu sou muito bom em ver e ouvir coisas.

Não, eu não estou falando de vocês!

É claro, nós devemos agir como uma unidade, respeitando todas as orientações dos anciãos! Quando uma tragédia dessas acontece, devemos redobrar as precauções. A Segunda Inquisição estará bem mais ativa na cidade nas próximas noites.

O Xerife disse que existe uma desconfiança. Parece que o membro em questão, o que foi destruído pela “explosão de gás”, poderia ter um celular. Alguns carniçais relataram alguns vídeos e fotos duvidosos circulando em um tal de “Instragam”. Noites depois um lugar explode. Em teoria, foi isso que levou aqueles insetos malditos ao valoroso membro de nossa sociedade. Tão dedicado, tão promissor. Talvez ele não tenha sido capaz de abandonar os velhos hábitos da vida humana, afinal, ou tenha criado inimigos, talvez… Será que alguém tentou incriminar nosso companheiro?

Hum, vejo aqui mais uma oportunidade… eu estava pensando, sabe aquele Gangrel? É, aquele mesmo que deu uma punição descabida quando a cria dele entrou em frenesi. Pobre criança da noite… Tenho quase certeza que ele tem envolvimento com os humanos…

Ainda bem que eu nem chego perto dessas tecnologias… Pai Malkav me livre de ser destruído assim, por meros humanos…

Por Tatiana Versieux (Tati Malkaviangel)

 

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