Caixa de Ferramentas do Mestre de Jogo: Conflito entre Personagens!

Olá amigos! Como sabemos, o RPG é sobre um grupo trabalhando como um grupo, uma coisa única e funcional para trazer melhores resultados e sobreviver. Mas isso tudo seria perfeito demais não? Mesmo irmãos ou melhores amigos podem brigar e se desentender e um pouco de intriga e conflito é um excelente ingrediente para fazer as coisas mais interessantes em muitos casos. Claro que não estou falando aqui de fazer os jogadores se matarem, longe disso. Mas um amigo que vira rival, um companheiro que vende o outro por algum motivo, traição direta ou apenas não concordar e impedir uma situação pode aumentar o clima entre personagens e fazê-los mais humanos. Então vou discutir aqui algumas formas de fazer isso de forma mais natural. Lembre-se que nesses casos o Mestre vai ser o capetinha no ouvido dos jogadores jogando eles um contra o outro, mas também como a consciência fazendo eles se entenderem se algo foi um pouco longe demais. Ou dependendo do jogo deixe ir longe demais, perfeitos para jogos com muita intriga e jogos políticos (Vampiro, por exemplo).

Mas lembre-se: deve se tomar cuidado com estes ingredientes para não ter uma mesa com personagens que se odeiam e acabam com o jogo. Tudo deve ser pesado com cuidado e, claro, situações para reconciliação são bem-vindas.

Conflito de Interesses

Bem, claro que cada personagem tem um interesse na aventura. O Bárbaro pode querer dinheiro, o Mago corre atrás de ingredientes mágicos e o Ranger quer salvar o último Urso-Coruja Albino do mundo. Mas e quando esse Urso-Coruja vale muito dinheiro no mercado e é um ingrediente poderoso para magias? Bem, aí haveria um conflito de interesses, pois se ele for salvo o Bárbaro perderia seu dinheiro e o Mago não teria seu ingrediente que o deixaria mais poderoso. Teríamos um conflito a ser resolvido de alguma forma entre os personagens e as consequências do ato podem ser irreversíveis.

Os personagens podem ter interesses ou objetivos diferentes que contradizem com os de outros personagens. Nem precisa ser o mesmo objetivo: Louis precisa dos dados de um cofre da hipercorporação, mas o grupo foi contratado para resgatar um cientista. Eles têm que sair o mais rápido possível, pois os guardas altamente treinados e armados estão chegando. Talvez Louis se separe do grupo escondido para conseguir seu objetivo e só essa ação pode estragar um plano ou criar um caos desnecessário para outros jogadores.

Talvez o mesmo objetivo, como vencer o campeonato dos Lutadores ou conseguir o tesouro do Barba Sangrenta antes do outro. Isso pode levar à rivalidade ou à inimizade durante a aventura, com um tentado ser melhor que o outro ou talvez um dando rasteira no outro por toda uma aventura. Tais objetivos podem vir do próprio personagem ou de um PdM que pode ter solicitado algo em particular, um extra por assim dizer, ou uma informação que apenas aquele personagem sabe.

O conflito de interesses pode ser usado para criar uma aventura com PdMs diferentes contratando grupos diferentes para uma das situações, ou situações diferentes, mas que podem atrapalhar a missão do outro grupo. Talvez dois monstros imortais e rivais resolvam lutar a noite toda uma vez por semana, causando destruição perto de sua batalha e talvez lutar não seja uma boa solução… Os Orcs Azuis e os Orcs Vermelhos podem atacar a mesma cidade atrás de um item, ou da própria cidade! Uma área de caça de vampiros pode se tornar um caos quando dois grandes vampiros querem tomá-las para si por motivos diferentes.

Este tipo de conflito tem uma rápida duração na história, mas pode trazer grandes cicatrizes com ela, e o motivo do conflito pode ser resolvido rapidamente.

Falta de Conhecimento

A ignorância pode ser uma benção, mas às vezes não. Claro que algumas informações não são de conhecimento de todo personagem e isso pode causar alguns problemas… E queremos problemas. Um personagem pode acreditar que um bom dia com um aceno de mão não é nada de mais, mas para os Orcs da Montanha Furiosa é o sagrado chamado de combate, “Um bom dia só é um bom dia com uma Luta”! Mencionar o seu cavaleiro heroico, aquele que é seu herói, pode ser complicado nas terras do norte onde ele massacrou uma vila e é conhecido como o Carniceiro do Norte… Também existem pessoas que viveram “numa bolha” e assim não tem conhecimento comum do seu mundo: “Vivíamos no Bunker 45, onde nosso estilo de vida era semelhante ao fim da 3ª Grande Guerra. Ai sair de lá, como eu poderia saber que aquelas pessoas maltrapilhas eram mutantes e não mendigos? Ainda mais que tentaria nos devorar por eu oferecer uma esmolinha a eles?”.

Talvez uma pessoa apenas não tenha a informação ou simplesmente não sabe que um fato aconteceu. Talvez o caçador do grupo não saiba que o disco de dados de uma corporação foi roubado e é colocado contra a parede para devolvê-lo. Talvez sem saber do caso ainda se ofereça a acabar com os ladrõezinhos e recuperar os dados sem saber que era seu próprio grupo. E claro não se falha com a Megacorp.

Podemos usar algum aspecto desconhecido da cultura de um personagem para criar um pouco de conflito entre eles, talvez seu povo use uma magia considerada tabu? Aliaram-se a um grande inimigo do mundo? Não se desafia um Nômade do deserto? Tenha dito que a alta sacerdotisa em vestes cerimoniais é uma prostituta? Disse que odeia aqueles bárbaros imundos comedores de carne vermelha para um samurai do Unicórnio mesmo sem saber? Claro, dependendo do cenário, tom ou mesmo do grupo essas palavras podem ter consequências brandas ou mesmo um duelo até a morte.

Podemos usar esse tema para criar suas aventuras, com uma gafe se tornando um problema politico de grandes proporções, um incidente internacional ou até mesmo uma guerra. Um deslize pode enfurecer um senhor feudal, clérigo ou rei e criar uma nova inquisição… Talvez aqueles monstros que vocês foram contratados para caçar não fizeram nada e vivem em paz na floresta, culpados apenas por serem monstros. Talvez o assassino não seja bem o que parece: apenas um anão que não conhecia o mundo fora de seu reino que serviu a cerveja anã mais forte do mundo ao franzino politico do reino. E claro apenas os Anões aguentavam… Talvez numa caravana Thri-Kreen você pode arrumar um problema ao não aceitar o seu delicioso ensopado de elfo, feito com o elfo que estavam procurando…

Um caso que passei foi de um personagem num jogo de supers ajudando a salvar seus contatos de uma vilã. Ele fazia o jogo dela (meio que literalmente, já que ela transformou pontos da cidade em jogos de fliperama) e durante uma missão ele encontrou outros membros do grupo e um desses membros desafia a vilã e ainda diz abertamente ela está mentindo, é isso que vilões fazem. Ela não tem refém nenhum onde o outro herói já tinha resgatado algumas pessoas de seu grupo… Resultado? Uma vítima sem os braços, um herói que fugiu e estava muito enfurecido, enquanto outro ainda dizia ter a razão e ele tinha sido enganado… É bom separar o grupo de vez em quando.

Pontos de Vista Divergentes

Cada pessoa tem uma criação, um modo de vida, afiliação, alinhamento, objetivos, lealdades e até religião que o tornam único. Assim como seu ponto de vista. Pelo ponto de vista cada um é o herói de sua história e isso pode ter um impacto num grupo. E quanto mais diferentes os personagens são entre si, maior esse impacto. Mesmo os PdMs têm seus pontos de vista e, sim, eles são os heróis de suas histórias, mesmo o necromante que quer dominar o mundo. Uma história pode ser vista por pontos de vista diferentes, por exemplo, o Ladino tem um ponto de vista enquanto o Paladino tem outro, bem diferente. O ladino vê as armadilhas como ameaças mortais, se cuida em todo beco e desconfia de cada sombra. O Paladino acha que o deus dele vai protegê-lo de tudo enquanto ele “caçar o mal”. Lembrando que “Caçar o mal” também é subjetivo, já que o ladrão que roubou o talismã sagrado, só queria sobreviver e ter uma refeição e o Paladino dando sopa com ele não parecia estar numa situação ruim.

Como vemos os personagens mudam quando mudamos a câmera, se ela estivesse centrada no Paladino o que veríamos era o Campeão do bem atrás de um ladrãozinho de rua maligno que roubou seu item precioso, talvez para ele não conseguir usar seus poderes? Se focar no ladrãozinho, vemos um garoto passando dificuldades até o ponto de roubar aquele artefato brilhante que estava pendurado num bolso, achando que valeria algumas moedas de prata, e depois uma pessoa de armadura completa, perseguindo-o como um louco, derrubando tudo para pegar o jovem que corria para salvar sua vida. Viu? Mesma cena, pontos de vista diferentes.

Claro que isso pode causar conflitos entre personagens, já que cada um deve achar certa a maneira que vive (ou errada para alguns personagens mais dramáticos) e assim tem opiniões conflitantes em seu modo de agir. O religioso pode achar aberrante andar com um mago se sua religião o assim diz, ou talvez o filho do ferreiro for visto com um comerciante possa ser o fim da linha para aquela família. Ou mais clássico, ser visto com um Capuleto! Ou um Mezenga.

Várias ideias e pontos de vista podem ser utilizados para criar conflito entre jogadores e PdMs também, talvez não aceitando o modo de vida um do outro, ou maneira de agir ou pensar. Muitas pessoas tentam impor seu ponto de vista sobre outras e isso é algo que pode mudar com o tempo, não é algo escrito em aço, a ferro e fogo. Muitos pontos de vista podem ser criados a partir da falta de conhecimento e descobrir a verdade pode fazer alguém mudar de ideia.

Os pontos de vista podem ser usados para gerar muitas histórias, já que o General Negro realmente acredita que está trazendo paz para seu reino, enquanto o Rei só está atrás de lucro fácil com uma conquista. A Megacorporação visa gerar seu lucro, mas o empregado dela acha que ela deve a ele, então tirar do grupo do jogo e ficar com o dinheiro, pode ser interessante. A ideia do Príncipe Vampiro de ajudar a construir casas para atrair novas vítimas pode entrar em conflito com a visão dos Gangréis de que aquele local é área de caça deles.

Lembrando que um grupo pode ter um ponto de vista geral, mas cada indivíduo pode ter um ponto de vista próprio dentro daquele conceito, por exemplo: religiões (cada qual seguidor pode seguir os preceitos de uma maneira diferente, ou achar alguma atitude da instituição errada em algum ponto), partidos políticos, clãs, grupo escolar, matilha…

Objetivos Pessoais

Bem, já disse acima sobre alguns objetivos temporários em conflitos de interesses, mas aqui vou falar de objetivos que podem guiar uma vida inteira. O Guerreiro em Busca da Vingança por sua família, a eterna busca de conhecimento do mago, a caçada pela verdade do que aconteceu no Hotel Lutz, quem matou Odete Roitman?… Bem, um objetivo pessoal funciona como um motor para o personagem, impulsionando na história ou a se aventurar. Mas, às vezes, isso pode levá-lo a discussões com outros personagens.

Nosso guerreiro vingativo pode ter ouvido falar sobre uma gangue que participou do assassinato e pode querer satisfação imediatamente, mesmo que estejam sendo caçados pelos guardas do duque. O grupo deseja queimar o grimório amaldiçoado de Halfin, mas o mago os impede pensando no conhecimento armazenado nas páginas (mesmo que isso possa trazer um deus ancião à sua dimensão, o conhecimento tem um custo). Talvez uma pista do crime do hotel surja do outro lado do estado, e o detetive vai para lá ignorando o caso atual do grupo. Vejam bem, tais ações podem ser contra argumentadas (Você pode quebrar todo mundo da gangue depois, Krung), mas o objetivo pessoal pode ser mais forte que isso para um personagem e deixe bem claro. Talvez em casos mais extremos usando de regras para ver o bom senso. A gangue pode escapar, o grimório ter o conhecimento que deseja ou as pistas no outro lado do estado podem esfriar. Às vezes não importa a razão ou voltar depois, para o personagem talvez aquela ação seja o agora ou nunca, mesmo que isso não faça sentido para outros, e isso vai também do ponto de vista do personagem.

O mesmo pode ser dito para PdMs, que podem fazer alguma besteira por seus objetivos pessoais. Dalak está se escondendo na cidade, sendo perseguido pelos guardas do rei quando vê o Guerreiro que acabou com seu clã e jurou destruí-lo. Dependendo de como Dalak age, ele pode tentar emboscar o guerreiro ou sacar a espada no meio do mercado e desafiar o guerreiro, atraindo toda a atenção para si. Talvez o plano maligno do mago seja cancelado assim que ele vê um dos personagens com sua amada, protegendo-a. Ele cancela o ataque e aguarda um momento ou para conversar com ela, se lamentar, ou simplesmente raptá-la… Mas naquele momento ela não pode ser ferida.

Os objetivos podem ser criadores de problemas por muito tempo, já que a maneira de terminá-los é o personagem cumprir seu objetivo ou ser impedido definitivamente de conseguir isso. Claro que normalmente quando se cumpre um objetivo temos outro para começar…

Defeitos de Personalidade – Complicações Pessoais

Ok. Em muitos jogos compramos desvantagens que podem dificultar a vida do personagem. Mas algumas delas podem atrapalhar o grupo como um todo, já que podem incluir alguma coisa que cause discórdia no grupo. Um egoísta pode trazer outros egos à tona além do dele, um ganancioso pode pegar algo que enfureça outro jogador, alguém com uma Estima elevada pode tentar dar um passo maior que a perna e levar o restante do grupo nesta rasteira… Aqui também valem algumas complicações que o personagem possa ter sem ser defeito, por exemplo: uma raça detestada, uma aparência estranha, uso de itens proibidos ou tabus, costumes diferentes da maioria, etc. Um drow num cenário em que eles atacaram a superfície não vai ser visto com bons olhos pelas pessoas, talvez até por algumas pessoas do grupo. O bruxo que usa crânios como indumentária pode fazer uma vila entrar em pânico. Um samurai que usa uma pistola pode ser visto com um tabu ambulante! (Em Rokugan seria pior ainda!). Um muçulmano rezando no meio da praça pode chamar uma atenção indesejada, mesmo porque houve um ataque terrorista da Al Quaeda há pouco tempo.

O ser humano é uma criatura social e cheia de defeitos, por isso muitas dessas coisas podem acabar transparecendo mesmo no cenário mais pacífico. Claro que em jogos sem defeitos podemos colocar as personalidades fortes dos jogadores (sim, eles são heróis afinal de contas) em conflito com outras.

Aliás, um conflito interessante é o consigo mesmo, onde suas opiniões entram em conflito com outros preceitos que segue. Se eu roubar aquele item, não estou indo contra minha religião ou criação? Sempre ouvi não matarás, mas se não o fizer, centenas de crianças morrerão! Nunca deveria seguir os conselhos de um Nômade, mas ele parece ser a única opção que tenho.

Conflitos morais são um bom combustível para criar momentos de tensão e drama. Já que você está entre duas forças ou em cima de um muro prestes a cair. E você tem que escolher qual lado cair. Talvez algo entre o que você acredita e cumprir seu objetivo. Entre sua moral e sua felicidade. Entre o certo e o errado que salvará vidas. Decisões difíceis estão sobre o seus ombros o tempo todo.

Falha de Comunicação

Bem já dizia o velho da vila “Quem não se comunica, se trumbica…” e isso é bem verdade. Uma falha de comunicação simples pode acender o pavio de uma encrenca sem tamanho ou um conflito intenso. Muitas falhas de comunicação podem entrar em falta de conhecimento, mas aqui podemos incluir o conhecimento errado ou a comunicação usada para distrair. Alguém passa uma missão e dá os detalhes, mas um personagem descobre a informação que aquilo é uma armadilha, ou que o que procuram não está mais lá, talvez que quem os contratou é uma bruxa… Nesse contexto existe muito para o grupo entrar em discussão seja uma informação verdadeira ou um boato sem fundamento (mas boatos podem ter um fundo de verdade não?).

Com uma falha de comunicação, o grupo pode ir para o lugar errado, ou durante a missão uma falha entre eles pode gerar que alguém faça algo errado e acabe com todo o plano. “Som de tiros… Você deveria estar no prédio 345, vigiando! – Desculpe achei que era para ficar no carro…”. Informação é poder. Informação errada é caos. Por isso, cuidado: um exército pode cair por causa de algumas informações erradas e isso pode ser vantajoso para os jogadores que souberem lidar com essas falsas informações.

A dose certa

Não pese a mão com conflitos entre jogadores. Eles servem para apimentar um pouco as coisas, não transformar o grupo em seres que se odeiam. Uma briga ou troca árdua de palavras é interessante, talvez até uma briga, mas isso não é a regra sempre. Talvez deixá-los desconfortáveis com opiniões, mas no momento em que precisem agir em equipe, eles devem estar alinhados, pois essa é essência do RPG. Talvez possam ser inimigos em alguns casos, mas, na hora do “vamos ver”, eles têm que deixar suas diferenças de lado e lutar por um bem maior.

Se seu papel é causar conflitos, também é o de resolver. Use a história a seu favor, crie a tensão, e dê um jeito de resolver. Pode ser aos poucos para não parecer uma solução magica. Se usar demasiadamente conflitos, os jogadores podem se sentir mal e alguns podem quebrar a amizade, por isso sempre ponha um contrapeso e evite a irritação real. Afinal, estamos aqui para nos divertir não?

Por Evandro Campos Silva
Equipe REDE
RPG

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