Vampiro 5ª Edição: Mudanças nos clãs na 5ª edição de Vampiro

Não é um evento isolado quando vemos os editores revisitarem suas criações no passado e reverem suas regras, o que causa certo impacto na jogabilidade. Quem recentemente passou por isso foi a quinta edição do amado Dungeons & Dragons, principalmente com o Caldeirão da Tasha. Vampiro V5 sofreu alguns ajustes que podem ter passado despercebidos por seus jogadores ao imaginarem que isso são apenas ajustes de regras para nerfar ou buffar algum clã, mas a verdade é que essa discussão é muito mais profunda e tal mudança é sinal de uma reestruturação do sistema de jogo com o intuito de corrigir estereótipos do passado.

Confesso que quando me deparei com algumas dessas mudanças fiquei chateado de ter que aprender novamente tudo o que já conheço de Vampiro só para poder jogar a V5 com meus amigos. Mas pensar dessa forma me deu vontade de ir ao fundo e compreender o desejo dos desenvolvedores ao rever o passado conhecido dos seus clãs, por isso vou abordar algumas mudanças nos defeitos de clãs e algumas reestruturações, com o objetivo de entender o sentido de tais mudanças.

Dentro do mundinho da Camarilla

Olhando os clãs básicos, o Nosferatu carrega uma maldição que é passada junto com o abraço. Em tese, essa maldição não poderia ser superada tanto que um personagem até a edição de 20 anos era obrigado a ter uma contagem de aparência igual a zero. Em V5, essa mudança representa mais do que um buff ao defeito que era facilmente burlado com o nível 3 de Ofuscação (Máscara das Mil Faces). De acordo com as novas regras, o cainita vem a apresentar o defeito em qualquer uma das suas tentativas de disfarçar-se, mesmo com disciplinas, incorrendo em uma penalidade de dados igual ao nível de maldição. Mas pra quê isso? Só para dificultar minha vida?

Conforme já visto nas mudanças de fome em outro artigo da REDERPG, tal mudança força o jogador a enfrentar a maldição e viver a experiência de um proscrito não somente entre os demais vampiros, como também entre a sociedade humana. Entendo que era indiscutivelmente caro ter o nível 3 nessa disciplina para um jogador iniciante. Mas os benefícios de Ofuscação para quem estivesse tentando infiltrar-se eram indescritíveis, não comparado a comprar uma disciplina que você “não usaria para nada na vida mortal” como, por exemplo, o próprio Animalismo. Mas tudo bem, tal defeito pode parecer simplório comparado ao Toreador quando ele não está na presença de algo “pelo menos belo”.

Lembro-me de interpretar Toreadores que reclamavam com seu âmago ao entrar em esgotos, mas que mesmo assim entravam e agora isso? Penalidade em parada de dados quando estiver em algum ambiente esteticamente negativo faz muito sentido! A maldição do clã e sua obsessão com a beleza foi responsável por linhas e linhas descritas na desavença entre os dois clãs já abordados. Mas algo que também era burlado ao não apresentar o belo como ocorria na edição anterior. Para deter a presença de um Toreador nos esgotos era necessário colocar a “escultura da Monalisa em mármore branco” no esgoto. Agora simplesmente o esgoto sendo quem ele é determina os limites para interpretação errônea do personagem.

Confesso que algumas dessas mudanças não me causaram somente estranheza, mas arrancaram profundas risadas ao ver a dificuldade de um Tremere para realizar laços de sangue. Contudo, as mudanças incorporam discussões mais profundas quando vemos as regras de clãs fora do círculo interno e como elas corrigem estereótipos errados criados no passado em vez de somente ajustar falhas de interpretação.

Fora da bolha da Camarilla

Nos tempos de Assamita – e em todas as edições anteriores ao V5 – era conhecido que a pele dos assamitas tornava-se mais escura na medida em que o vampiro envelhecia (processo que fazia com que sua compaixão e humanidade escapassem desses vampiros). O que refletia em peles mais escuras conforme ficavam mais malignos.

O Suplemento Camarilla, da editora Modiphius, descreve os eventos dos Banu Haqim como se juntando à Camarilla e ao fazer isso revela que – como a falsa imagem dos soldados muçulmanos durante as Cruzadas – a impressão externa do clã veio mais de alarmismo do que um verdadeiro reflexo. Na verdade, os Banu Haqim vivem de acordo com um código de ética estrito que seu sangue os obriga a cumprir. Anteriormente, sua sede por sangue de vampiro era o resultado de uma maldição mágica.

Novamente, muitos jogadores podem ver tal reestruturação como o “famoso mimimi”, mas ridículo era ser obrigado a, no mínimo, ser um antagonista maligno para jogar com um vampiro negro. Agora, tal defeito – alinhado com sua maldição – apenas decorre de uma compulsão para se alimentar daqueles que merecem punição, com outros vampiros sendo o pináculo desta condenação, conforme descrito em seu defeito.

A maior confusão nas reestruturações dos defeitos que experimentei foi com o clã Ravnos, ao perceber que sua nova maldição o impedia de dormir em um mesmo lugar mais uma vez em sete noites, sob pena de causar dano agravado ao personagem até o limite da severidade da maldição. Qual a necessidade de tal ajuste para a interpretação? Nenhum, desde que você seja incapaz de perceber que o estereótipo do clã era de um cigano mentiroso e infundado em vícios.

Para aqueles que acham que posso estar fazendo uma interpretação exagerada do clã, lembre-se que em 1994 a sagrada White Wolf criou um suplemente exclusivo para ciganos endossando tais aspectos. Porém, a recente V5 englobou desde a edição de 20º aniversário e todas as demais procurando aprender com os erros do passado e a reformulação do clã, pra mim, foi um dos melhores acertos. Claro que era mais simples ter um personagem mentiroso e enganador se você estiver tirando uma onda de ladino do grupo. Mas um clã que era assumidamente ligado ao povo romani possuir um defeito que o liga a um vício (ainda que possa ser escolhido) reforça o estereótipo que conhecia das ciganas que eu fugia de medo no centro da cidade quando era criança (culpa da minha avó).

O recentemente lançado V5 Companion da Paradox (que está disponível para download grátis nesse link) lançou algumas regras novas para o Ravnos com o intuito de corrigir tal falha. Essa reimaginação do clã o projeta como o arquétipo do deus-trapaceiro, inspirado por figuras mitológicas como Loki e Hanuman. Em uma entrevista no canal World of Darkness Twitch, o designer principal, Justin Achilli, disse: “Cada cultura tem uma espécie de trapaceiro em sua mitologia ou alguém que é reverenciado por enganar […] todas essas diferentes conexões que existem em culturas ao redor do mundo, é isso que os Ravnos são”. Foram-se os vícios inerentes e a intinerância cultural dos Ravnos. Em vez disso, os escritores criaram uma nova maldição de clã para os Ravnos que se conecta perfeitamente à tradição existente.

Existem outros pontos que poderiam ser analisados, mas quero terminar esse artigo demonstrando que o V5 conseguiu não apenas reimaginar o que torna os clãs sombrios, mas também abrir a liberdade criativa do mundo ao abordar uma reestruturação total dos Seguidores de Set.

No primeiro clã, era chato imaginar um clã nativo do norte do continente africano com as características do clã. O agora Ministério reformula o clã libertando-o de sua origem ao Antigo Egito e da fé específica em Set, espalhando esse antagonista por todo o mundo desde o suplemento Anarch (Editora Modiphius, novamente).

Em algum momento após o início da Gehenna, o clã passou por uma mudança de nome, agora se identificando como o Ministério, exceto para aqueles na África ou descendentes de egípcios, que ainda usam o antigo nome. Em parte foi um rebranding, uma atualização para a época, mas também foi um sinal de que o entendimento do clã sobre sua relação com seu fundador havia mudado – em vez de serem seguidores de Set, eles veem Set como estando dentro deles, tornando-os sua Igreja viva. Algo que talvez não seja totalmente estranho para aqueles Narradores mais atentos e que faziam hibridizações, principalmente nas igrejas evangélicas que explodiram em diversas partes do mundo.

Mudanças menores podem ser encontradas e estigmatizadas, o que traria da estranheza a uma repulsa às novas regras. Mas Vampiro V5 acertou em cheio ao repensar suas regras mais antigas, coisa que qualquer escritor humilde o suficiente para olhar seu passado seria capaz de fazer. Eu mesmo já quero reescrever esse artigo e olha que acabei de terminar. Brincadeira. Acho que o artigo está bem escrito, por hora.

#Fernando Torres
Equipe REDE
RPG

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