Preferência? Sim. Preconceito? Nunca!

Esse é um tema que requer um cuidado muito grande; foi escolhido devido a alguns apontamentos que serão mostrados no decorrer deste pequeno ensaio tanto do nicho social brasileiro, quanto do nicho em que nossos jogadores de RPG se mostram. Os exemplos usados são praticamente exclusivos de apontamentos de redes sociais ou mesmo de convivências observadas em outros meios de comunicação. No entanto, os resultados de ambas as vertentes, a visão social brasileira e a do universo do RPG são fatos alarmantes, que devem ser observados como endêmicos e combatidos com veemência, por toda a comunidade que preza por um ambiente de RPG saudável e livre de preconceitos.

Historicamente, vamos traçar as fontes de preconceito de nossa sociedade na atualidade. Podemos ressaltar o tratamento de inferioridade dado ao indígena, posteriormente ao negro, referindo-se à etnia, e sem deixar de lado também a figura da mulher e, na sociedade atual, os casos de gênero. Todos esses são fontes de preconceito já enraizadas historicamente em nossa sociedade que, mesmo com leis, e ações sociais, quase não temos resultados que estejam chegando perto de sua diminuição, porém, sempre há melhoras, mas a passos lentos.

Já no RPG, esse preconceito muitas vezes é velado, algo que se comporta dentro dos mundos e propostas, de maneira tão orgânica que chega a ser natural e, em muitos casos, justificado e aceito. Exemplificando de modo leve, os cenários de Fantasia Medieval, os orcs, normalmente são lançados como inimigos odiados e simplesmente por conta disso, ser preconceituoso com seu personagem tratando um orc, seria algo perfeitamente normal. No entanto, há algo que torna essa equação complexa, os meio-orcs, se humanos que se relacionam com essa raça são capazes de produzir descendentes, do ponto de vista racial, são a mesma espécie. Todavia, quando o preconceito é parte inerente apenas do personagem, é um fato interpretável e enriquecedor, até o ponto que não ofenda ninguém entre os jogadores, mas mesmo essa premissa é bem perigosa.

É possível constatar, em qualquer comunidade de RPG, o preconceito de pessoas, para com situações e vivências dentro de seus jogos e, principalmente, externadas em seus hostis comentários, seja com o exemplo anteriormente citado sobre os orcs, sobre a feminilidade inerente aplicada aos elfos, o excesso de sensualização destinada a personagens femininas, e outros casos que podem perfeitamente se encaixar neste contexto. O perigo disso são os ataques gratuitos que ocorrem e acabam gerando situações perigosas, com violência verbal desnecessária, e discussões acaloradas e muitas vezes sem sentido, pois por conta de um preconceito gerado dentro do campo do imaginário, o ser humano consegue ter preconceito até do que é inventado.

Neste mar de insanidade em que muitos se perdem, ainda há o suposto acerto no processo, que primeiro vem da situação do gosto pessoal. Um indivíduo não querer jogar com um personagem meio máquina, não quer dizer que ele odeia o gênero cyberpunk; significa apenas que em seu conjunto de preferências, isso não se encaixa, assim como definir certas classes, estereótipos de personagens, ou mesmo raças, sejam elas fantásticas, ou as etnias que conhecemos em nosso tão querido planeta Terra, a ausência de escolha em determinadas áreas não torna uma pessoa preconceituosa, se ela não se sente bem interpretando ou jogando com algo fora do seu leque de preferências.

O ponto que deve ser evitado, não é o que você gosta, e os motivos que o fazem gostar de fazer suas escolhas, esses devem na maioria das vezes serem abordados e explorados. Uma pessoa que adora todo o misticismo da sociedade matriarcal celta, e faz uso disso em um mundo de fantasia medieval, constrói uma personagem druida do sexo feminino que adora animais de grande força física como ursas e lobas, mesmo esse jogador sendo um garoto, por exemplo, entra na situação de escolhas e preferências.

Agora o que devemos combater com todas as nossas forças, é o ideal que tentam nos impôr de que determinada escolha é inferior, social ou interpretativamente (este artigo não se refere na questão de mecânicas – combos – apenas visa tratar das opções de interpretação) em relação a classes, raças, etnias, gêneros, ou qualquer outra situação que possa surgir deste escopo.

RPG é um meio de diversão, não de propagação de ódio, mesmo que velado. Salvem as escolhas interpretativas de preconceito, apenas para os personagens, nunca as espalhem como jogadores e, muito menos, como seres humanos. Todos têm o direito de escolher o que for mais agradável para si e com o que se identificam. No entanto, o preconceito nunca deve ser uma pauta justificável, mesmo em cenários em que é a prática comum e cujos habitantes sejam preconceituosos, que isso fique apenas no jogo, e que nunca abale a diversão dos participantes. Pois se qualquer desconforto for sentido, é hora de buscar um novo conceito para todos, assim como todo dia, buscamos melhorar nossa sociedade, para livrá-la dessas amarras invisíveis e hediondas, que são os preconceitos.

André Raron Teixeira
Equipe REDE
RPG

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