Vampiro: A Máscara em sua nova versão, a 5ª Edição, traz consigo um monte de modificações visando trazer o horror pessoal de ser uma criatura noturna, melancólica e predatória de volta ao Mundo das Trevas. E a Fome é, talvez, a característica que melhor pode ser explorada. Tanto Narradores e jogadores podem abusar dos questionamentos internos de um vampiro que sentem seu lado bestial cada vez mais forte, quando o mesmo se recusa a se alimentar. Mas o que é essa Fome? Como ela funciona? É o que tentarei responder aqui, neste artigo.
Nas edições passadas, os vampiros tinham uma característica chamada Pontos de Sangue. Funcionava como uma Mana em jogos de videogame. Você ia gastando esses pontos ao despertar, ativar disciplinas, aumentar atributos físicos e se curar. Aí, quando julgasse apropriado, você fazia seu personagem se alimentar. O livro até dava orientações de quando o jogador deveria interpretar que o estômago de seu personagem estaria apertado, mas o sistema em si, não obrigava o jogador a isso. Funcionava no bom senso, coisa que na maioria das vezes, faltava entre jogadores e Narradores, já que muitas das mesas eram jogadas como “Liga Noturna da Justiça” ou “X-Vamps“, mas isso é assunto para outro texto.
O que o novo sistema trouxe para substituir isso, foi um novo método de contar o quanto seu vampiro está fatigado e faminto. Ele funciona da seguinte forma: a característica Fome vai de 0 à 5. Sendo 0 totalmente satisfeito e 5 um estado animalesco onde seus instintos primitivos falam mais alto que sua razão (Um semi Frenesi). Sua fome NUNCA zera (A menos que mate sua vítima humana. O que pode te trazer outros problemas bem maiores). Seu personagem sempre está com fome, no mínimo 1. Não importa se, em game, você se alimentou de 1000 pessoas, sua fome sempre vai estacionar no nível 1, pois é uma fome provinda de sua maldição, não tem a ver com o quanto de sangue cabe dentro do seu corpo, esse sangue entra e faz parte dos aspectos “mágicos” de seu organismo morto-vivo.
Essa fome, ela traz consigo um desconforto para a mente do vampiro. Ele se sente angustiado e compelido a praticar suas compulsões ou despertar seu lado bestial. Lógico, essa angústia vai aumentando junto com a Fome, tento os níveis 4 e 5 quase que insuportáveis. E como o sistema tenta forçar jogadores e Narradores a colocarem isso em game? Simples, a partir de agora, seu personagem divide sua parada de dados com a besta. O livro fala para o jogador usar dados pretos para os dados do vampiro e vermelhos para os dados de sua besta interior. Funciona da seguinte maneira:
– Roberto está jogando com Mikaela (sua personagem). Ele quer que ela desvie de um soco de um vampiro anarquista que está em combate corporal e Mikaela está com 2 de fome. O Narrador pede um teste de Destreza + Esportes, Mikaela em sua ficha tem Esportes 2 e Destreza 4, totalizando 6 dados. Roberto então jogará 4 dados pretos (dados do personagem) + 2 dados vermelhos ( dados da besta).
E o livro descreve efeitos para falhas e sucessos bestiais. São efeitos compulsórios ou mesmo animalescos, muitas vezes realmente violentos. Tudo porque esses dados de Fome identificam a ação do seu eu primitivo provindo de sua maldição. E quanto mais Fome você tiver, mais perigoso para você libertar esse demônio que carrega dentro de si. Perigoso para seu personagem e para aqueles que estão em volta.
O que deve ser levado em questão é que finalmente em Vampiro: A Máscara você vai interpretar um amaldiçoado, um ser profano que buscar manter sua humanidade. Porém, sua natureza adquirida quando a morte mortal provinda do beijo de um vampiro o encontrou, tenta te distanciar desse caminho, o tornando mais maligno e predatório.
É fato que os membros logo percebem que muito do que eles eram em vida não importa muito. Pois tudo que eles fazem é desculpa para conseguir um objetivo: mais sangue.
Um músico que insiste em seguir esse ofício e fazer shows, usa esses tais shows como armadilha para suas vítimas que estão na plateia. Ou um vampiro que se cerca de seguidores humanos em um culto, usa desses cultos como uma forma de também atrair o rebanho para, quase que exclusivamente, se alimentar. Não importa se seu vampiro diz querer status dentro da instituição que pertence ou quer mandar em um território. Tudo isso é pretexto para tornar sua alimentação mais fácil ou mais prazerosa. A real busca de seu amaldiçoado é sempre a busca pelo sangue, pois quando ele acorda toda noite, quando o último raio de sol deixa de tocar sua região, é o sangue que chama se excitando dentro de seu corpo inerte o forçando negar sua morte e o trazendo para esse mundo mais uma noite para beber dos vivos.
E a mecânica dos dados da besta tenta trazer essa realidade para uma regra muito clara. Então, o membro que tentar negar a si mesmo sua natureza de criatura das trevas e predador da humanidade, logo sucumbe ao monstro dentro dele. E assim, ele vive nessa balança eterna. Manter seus valores mortais, mas nunca podendo negar realmente quem ele é de fato agora.
Lembrem-se: V5 é um jogo de extrema imersão no Mundo das Trevas. Não é legal ser vampiro. Seu personagem não é um herói da moral e dos bons costumes. Você é a escuridão do mundo. A ideia anterior que era super descolado ser um ser noturno com seus poderes que poderia dar danos absurdos em seus inimigos e depois pegar um copo de sangue tirado de uma ambulância e ficar supersatisfeito acabou! Vampiros precisam de sangue ainda quente para sentirem o prazer e a saciedade de uma alimentação. O sangue traz as emoções e lembranças de suas vítimas, depois que ele esfria, é só um liquido ferroso que enche, com muito custo, sua barriga. Para entenderem melhor esse último aspecto farei uma analogia: seu personagem trocar uma pessoa cheia de emoções fortes (a gosto da ressonância do vampiro) por um saco de sangue de hospital é a mesma coisa que você, jogador, trocar a refeição mais maravilhosa que pode imaginar por uma ou duas bolachas de água e sal integral. Triste não é? Pois é, não é para ser fácil ser um vampiro.
Por isso a fome é algo que incomoda tanto o vampiro. Seu organismo começa a reclamar através da besta interior te tornando pouco a pouco mais monstruoso e seu psicológico fica abalado, pois o vampiro sabe o que está por vir. Uma vez que ele deixou a besta se tornar 90% seu eu por algumas horas, em um estado que até falar é custoso, ele sabe o quão horrível pode ser reviver isso de novo.
A seguir, vamos tentar fazer um exercício de abstração para entender cada nível de fome, pois já percebi, assistindo outros jogarem, que isso talvez não tenha ficado claro na mente de jogadores e Narradores. Espero ajudar em suas narrativas.
Níveis de Fome
1 – Neste nível, o vampiro é assolado por uma angústia ininterrupta. É quase como se ele tivesse escondendo um segredo terrível de seus entes queridos ou feito algo ruim do qual se arrependeria em vida. Sabe quando a gente sabe que fez besteira e ninguém sabe? É assim que seu vampiro viverá na maioria de suas noites, do momento que é abraçado, até o dia de sua morte final.
2 – A partir desse estágio, as coisas começam a ficar mais complicadas. Se imagine naqueles dias que você acordou de mau humor, algum plano seu deu errado. Não conseguiu aquela folga que queria para viajar. Seu salário não foi o suficiente para comprar algo que queria. A angústia é horrível, seu personagem custa a responder tudo que perguntam para ele. Sua barriga dói como se você estivesse há umas dez horas sem comer, seus lábios e garganta estão secos, como se você estivesse de ressaca ou se tivesse acabado de correr por uma hora ou um pouco mais que isso, sem tomar água. E isso é visível na fisionomia do vampiro.
3 – As coisas ficam terríveis a partir daqui. Seu personagem entra em um estado patológico de vício. Seria como um drogado que venderia o que tem em casa para comprar o objeto de seu vício. Suas mãos tremem, lhe custa abrir a boca para falar, a secura em sua garganta e lábios é insuportável, sua barriga dói como se tivesse recebendo alfinetadas, seu semblante é maligno a todo o momento. Sua paciência está em quase zero, qualquer palavra errada que lhe dirijam, vai te fazer ou sair do recinto ou ser bem indelicado com aqueles que estão em comunicação com você. Seu personagem está inquietou. Custa-lhe até fingir tranquilidade.
4 – No nível a seguir, interprete alguém que perdeu a razão, seu ente querido morreu e estão todos falando um monte para você, sobre contas de casa, sobre responsabilidade. É essa a sensação. Difícil de lembrar né ou mesmo de aceitar? Mas é nesse nível. Pouquíssimas palavras saem de sua boca que parece que engoliu água do mar com areia de tão seca que está. Sua garganta dói quando você engole saliva, sua barriga parece que tem uma brasa lá dentro de tanta fome. Nesse estágio, você já é mais um animal que um ser pensante. Um animal no cio, raivoso e sem paciência para nada. Sua vontade é xingar todos que lhe dirigirem a palavra. Custa pensar em outra coisa que não seja sangue.
5 – Bom, já pensou em interpretar um Frenesi? Então é nessa linha que você, jogador, precisa andar para interpretar tal nível de fome. Apesar de seu personagem estar consciente, ele só consegue pensar em sangue e lhe custa responder uma ou duas palavras caso tentem interagir com ele. Seu corpo todo treme, seus músculos parecem pedra, sua mandíbula dói de tanto que aperta os dentes e músculos faciais. A dor que vinha só da barriga, agora toma todo seu corpo. Cada dedo movido, cada virada de olho, dói. Seu personagem vai se concentrar em sangue para tentar burlar esses efeitos. Ele vê um campo escuro em sua visão, o que aparece no meio é algo semelhante a um círculo vermelho-escuro que só clareia quando um humano cruza com sua linha de visão. Toda vez que encontrar um ser humano, o Narrador pode pedir um teste de auto-controle para seu personagem não quebrar a Máscara e atacar o pobre coitado no meio da multidão. De fato, você não escolhe muito quem será sua vítima, nesse estado você talvez só se segure o suficiente para ter uma alimentação, no mínimo, privada. Todos que te olham na rua nesse estado, acham que você é um louco ou drogado de crack ou heroína que está precisando da próxima dose. Você agora é 90% um animal raivoso.
0 – Se imagine agora, em um dia comum, sem nenhuma angústia, acabou de almoçar e é sua folga. Vampiros que matam suas vítimas, antes de pensarem no quão terrível foi tal ato, são tomados pela paz de serem mortais de novo. Sua besta dorme finalmente, você está livre para pensar em algum projeto de vida sem a imagem de sangue em sua mente por nenhum momento. É o único momento que seu personagem vai sorrir e ser 100% sincero.
Por Roberto York Afonso
Equipe REDERPG