E aí, galera, suave? Então, eu sou aluno universitário de Desenho Industrial com foco em jogos analógicos. Neste semestre, estudei uma matéria chamada História e Teoria dos Jogos. Aprendi bastante coisa e, em meu trabalho final na disciplina, fiz uma monografia voltada para o conceito de imersão focado no RPG.
Como o assunto é um pouco específico, não atentei para o estudo no geral, mas, caso o assunto (História e Teoria dos Jogos) o interesse, pode ser que este trabalho lhe sirva de porta de entrada para que você procure se aprofundar mais. Sei que este artigo é um pouco grande, mas, hei, ele me rendeu uma nota 9!
Então, sem mais delongas, segue o artigo, divirtam-se:
A Teoria da Imersão nos Jogos Analógicos de RPG
O que você conhece por RPG?
RPG, do inglês Role Playing Game, é um jogo de interpretação de personagens, onde os jogadores fingem ser vampiros, guerreiros medievais ou magos milenares (ou, às vezes, todas estas opções em um mesmo personagem), em um jogo narrativo, como um jogo de faz de contas infantil, mas com regras e outros elementos comuns a outros jogos, tanto analógicos como digitais.
Ao vermos, a seguir, as definições do que é um jogo, se torna mais simples a assimilação deste conceito.
O Jogo como um Fenômeno Cultural
A fim de esclarecimento, antes de definirmos as aplicações de diversos conceitos de imersão a este tipo específico de jogo, é importante esclarecer os conceitos básicos de jogo a fim de clarificar, mediante estudos prévios, o conceito de imersão e desmistificar sua aplicabilidade única (referenciada em artigos diversos sobre o tema em questão) na área de jogos digitais.
Segundo a análise de Jonah Huizinga, por ideias recolhidas de diversos jogadores, o jogo em si, se baseia em um tipo de manipulação da realidade segundo a ideia de imaginação, buscando compreendê-lo como um fator cultural.
Sendo assim, começaremos a definir pelo fato de ser uma atividade supérflua, é possível que, a qualquer momento, se adie ou se suspenda um jogo, ele não deve ser algo imposto seja por necessidade física ou por dever moral.
Como uma segunda característica, ele apresenta uma evasão da “vida real” para uma tarefa temporária, com o fim em si mesma. Sendo assim, todo jogo é capaz de, em qualquer momento, absorver inteiramente o jogador.
Outra de suas características principais é o isolamento, com sentido e caminho próprio, dentro de certos limites temporais e espaciais.
O que leva a uma quarta característica, ele, enquanto ordem, cria sua própria ordem. Com seu conjunto próprio de regras e suas delimitações, ele cria, por um tempo definido, ordem, suprema e absoluta. Pois assim que esta ordem é quebrada através de desobediência às suas regras, o momento é privado de seu caráter e de seu valor, quebrando assim seu “fascínio” sobre os jogadores. Mesmo cercado de incertezas e imprevisibilidade enquanto resultado ao seguir suas regras, o desejo de ganhar deve estar subordinado a seu conjunto de regras e diretrizes. O jogador que desrespeita as regras atrapalha o jogo em sua totalidade, priva dos outros jogadores a ilusão de ordem, atrapalhando o jogo não apenas para si mesmo, mas para todos os outros jogadores, já que interfere em um conceito básico do jogo.
Não só de jogadores de RPG, mas de jogadores de qualquer tipo de jogo em comum, acaba por criar uma comunidade própria onde, em seus momentos de encontros, as leis e os costumes da vida cotidiana perdem o sentido diante da ilusão. Enquanto jogadores, somos diferentes e fazemos coisas diferentes da rotina diária.
As Definições de Jogo e suas Classificações
Todas as formas de mídias são como extensões de nós mesmos e servem para prover visões novas e transformadoras.
– Marshall McLuham
Roger Caillois não desmerece Huizinga ao afirmar que este último analisou com maestria várias das características fundamentais do jogo, demonstrando sua importância e papel no desenvolvimento da civilização, mas que, mesmo descobrindo características de jogos em áreas nunca antes analisadas, ele peca pela falta de classificação dos próprios jogos pois, ele não teria feito um estudo dos jogos, mas sim um estudo cultural em sua qualidade criativa da ideia de jogo e, mais precisamente, no espírito das regras.
Assim, segundo Huizinga escreveu em seu livro Homo Ludens, a definição do tópico anterior se conclui da seguinte forma:
“Numa tentativa de resumir as características formais do jogo, poderíamos considerá-lo uma atividade livre, conscientemente tomada como ‘não-séria’ e exterior à vida habitual, mas, ao mesmo tempo, capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras. Promove a formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros meios semelhantes”.
Não há dúvidas na relação em que um jogo deve ser definido como uma atividade livre e voluntária, uma fonte de alegria e divertimento pois, sem estas características, ele passa a ser definido como uma forma de trabalho, a exemplo de alguns esportes. Resumindo, o jogador deve ter a liberdade de abandonar o jogo a qualquer momento dizendo; “eu não quero mais jogar”, ou ao alcançar um objetivo no jogo em si, como a vitória, derrota, ou um espaço de tempo pré (ou pós) determinado. Estando assim, em efeito, como uma atividade separada do resto da vida real, com limites de espaço e tempo próprios. Estando, em todo caso, protegidos em seu domínio através de suas próprias restrições de espaço e tempo em seu próprio universo: um espaço puro.
Quando um jogador viola as regras, este, pelo menos, finge respeitá-las, tirando vantagem da lealdade de outros jogadores à regra. A desonestidade não é capaz de destruir um jogo e sim alguém que se recuse a jogar, que veja suas regras como sendo absurdas ou sem sentido. Muitos jogos não possuem regras limitantes, como jogos infantis de bonecas ou soldados, comidinha ou polícia e ladrão, onde o conceito de quebra das regras citado aqui, acabam com a magia do jogo, seu “círculo mágico”, tornando o jogo algo tolo, irreal.
Ainda segundo Caillois, os jogos não podem ser de “faz de conta” e regrados, eles devem ser um ou outro. Hoje temos no RPG um exemplo de jogo regrado e de “faz de conta” e, mesmo contra esta premissa, o RPG se enquadra na definição de Caillois:
1) Livre: sendo o jogo não obrigatório, caso o seja, ele perde sua atratividade e sua qualidade enquanto diversão;
2) Separado: circunscrito em seu limite espaço-temporal, definido previamente;
3) Incerto: o seu curso não pode ser pré-determinado, nem os resultados alcançados de antemão, estando os mesmos, de forma casual, nas mãos dos jogadores;
4) Improdutivo: não é capaz de criar bens ou riqueza nem novos elementos de qualquer tipo e, fora a troca de propriedades entre os jogadores, os mesmos terminam em situação análoga a inicial;
5) Governado pelas regras: sobre convenções próprias, ele não se sujeita às regras da sociedade, mas às suas próprias;
6) “Faz-de-conta”: acompanhados de uma clareza especial de uma segunda realidade ou uma livre irrealidade, diferente da vida real.
Entre as quatro possibilidades de jogos observadas por Caillois, o RPG se encontra na categoria mimicry no quadrante de equilíbrio entre paidia (da livre interpretação) e ludus (o espírito da ordem e das regras).
O conceito de Mimicry, segundo Caillois, dita que os jogadores assumam temporariamente, dentro de um universo ilusório, um personagem imaginário, onde o mesmo acredita ser uma outra pessoa. O mesmo esquece, disfarça ou temporariamente divide sua personalidade em prol de uma outra persona no jogo e somente enquanto jogo, não para que venha ilicitamente enganar alguém.
Mimicry exibe as características interpretativas, podendo ser vista no RPG a exceção apresentada por Caillois, na questão de liberdade, suspensão de realidade, delimitação de espaço-tempo e delimitação, porém submetida a regras imperativas e precisas, regras estas paralelas à realidade.
As regras fazem parte da interpretação e, assim, a partir do momento em que o jogo se inicia, as mesmas fazem parte de sua natureza, mas há uma liberdade básica que está enraizada no jogo, que tem como papel estimular a distração e a fantasia. Esta força da interpretação e improvisação ele chama de paidia, enquanto a mesma se alia ao conceito de dificuldade intrínseca e regrada, chamada por ele de ludus.
Paidia seria a manifestação espontânea do espírito gazeteiro, como um gato envolvido com uma bola de lã, o riso puro de uma criança. Ele está presente na exuberância da alegria e da diversão, fácil e impulsiva.
Mas como um jogo, se vê a necessidade de inventar regras…
A condição proposta pelo ludus, se reflete em uma diferente gama de jogos, e vem complementar e refinar o conceito de paidia, trazendo disciplina e, ao disciplinar o conceito inicial de mimicry, a torna uma arte mais rica de diversas formas diferentes, refinando técnicas e criando recursos sutilmente complexos.
Teorias da Imersão
A memória de uma pessoa é composta por milhões de imagens que trabalham em conjunto para formar um conceito de identidade. Os escritores mais talentosos são aqueles capazes de manipular a memória do leitor de uma forma enriquecedora, a qual ele usa para criar um mundo em ressonância com as próprias emoções reais do leitor. Os eventos estão acontecendo somente em uma página, impressa, mas as emoções se tornam reais. Este é um sentimento único, quando alguém se encontra “absorvido” em um certo livro, “perdido” neste.
– Tom Wolfe
Aqui, apresentarei um apanhado de ideias de diversos autores, coletadas por Marie-Laure Ryam no livro Narrative as Virtual Reality, para demonstrar através de suas ideias, o conceito de imersão pela leitura.
Para Italo Calvino transição de algo cotidiano para uma realidade textual é um grande evento, e deve ser encarado com toda a pompa, como ele diz nas instruções ao leitor em seu livro Se um Viajante numa Noite de Inverno: “Você está para começar a ler o novo romance de Italo Calvino, Se um viajante numa noite de inverno. Relaxe. Se concentre. Livre-se de qualquer outro pensamento. Deixe ir o mundo à sua volta… Encontre a posição mais confortável: sentado, alongado, ou deitado… Ajuste a luz para não cansar a vista. Faça isso agora, porque uma vez que você se encontre absorto na leitura, nada mais ira afetá-lo”.
Mas o que transforma um texto de domínio semântico em um mundo? Como um mundo existe sob a forma de um mundo?
Para Michael Heim, teorista da realidade virtual: “Um mundo não é uma coleção de fragmentos, nem mesmo um conjunto de peças. Ele é sentido através da totalidade ou do todo”. Isto é “não uma coleção de coisas, mas o que une as coisas relacionadas, que as liga… O mundo é uma totalidade como uma teia… O mundo é todo o ambiente, todo o espaço ao redor” (Virtual Realism). Pode se somar o conceito de mundo em quatro características: um grupo de objetos e indivíduos em conexão, ambiente habitável, um razoável número de observadores externos inteligentes e um campo de atividade para seus membros.
O objetivo se torna pegar os objetos no mundo textual, dar-lhes propriedades para compor o cenário e animar os personagens, ou seja, conjurar sua presença na imaginação.
Já na visão de Félix Martínez-Bonati, tanto textos ficcionais e não-ficcionais convidam o leitor a imaginar um mundo e imaginá-lo como uma realidade física e autônoma, com objetos palpáveis e povoado por pessoas de carne e osso (como não ser?). E a diferença entre ficção e não-ficção se dá através da importância da imagem descrita, em um caso, no mundo textual encontra o fim em si mesmo, enquanto no outro, o mundo textual deve ser avaliado em termos de precisão em respeito às referências externas do mundo conhecido pelo leitor através de outros canais de informação.
Então, a ideia do mundo textual oferece as bases para a imersão, mas são necessários mais materiais para dar forma ao projeto.
Richard Gerrig desenvolveu uma metáfora para a transposição de um script narrativo para a imersão: Alguém (o viajante) é transportado por algum meio de transporte através do resultado de certas ações. O viajante se afasta de seu lugar de origem, tornando o mesmo inacessível pela viajem no momento e, quando ele retorna a seu lugar de origem, algo mudou em seu âmago. Assim, de forma poética, ele afirma, através da metáfora da viagem, como o mundo textual se faz presente na mente, como o mundo real difere deste e que seu senso de presença pode ser transportado para o mundo ficcional. Sendo as mais ricas formas dependentes de cinco fatores: enredo, narrativa, apresentação, imagens e estilo.
Mas quando somos transportados para um mundo textual, como o trazemos à vida?
Uma definição de “jogo de faz de conta”, mesmo sem uma proposta formal, pode ser extraída de um conjunto de regras extraído das análises de Kendall Walton:
1) Os Jogadores escolhem um objeto x¹ – o acessório – e concordam em aceitá-lo como um objeto virtual x².
2) Os jogadores se imaginam como membros em um mundo virtual onde x² é real. Agindo de forma adequada ao encontrarem o acessório, como agiriam ao encontrar x².
3) A ação é legal quando a mesma é adequada ao encarar o objeto x², criando assim a verdade ficcional.
Um exemplo proposto por Walton, um grupo de crianças decidem que um toco de madeira é um urso. A decisão é arbitrária, pois qualquer objeto poderia ter sido escolhido, mas uma vez decidido, a relação entre o toco e o urso ganha peso em seu significado. No faz de conta, um toco não é um pedaço de um urso, eles são encarados como o animal. Sempre que as crianças veem um toco, no faz de conta, elas reagem como se tivessem encontrado um urso. Eles devem correr, escalar uma árvore, ou atirar nele, mas não devem fazer carinho no urso ou montar nele, ou prendê-lo em uma coleira. Então, a expressão real “olha um toco” é substituída pela expressão ficcional “olha um urso”. Assim, cada vez que fazem uma ação legal, eles colaboram com a verdade ficcional do faz de conta, e nesta atividade criativa se encontra o paidia, o prazer em fazer parte do jogo.
Veja as recomendações de Aristóteles para autores de tragédias gregas para afirmarem a consistência na história: “Quando construir ideias e trabalhá-las a fim de as tornar completas em sua expressão linguística, você deve, sempre que possível, visualizar os acontecimentos. Ao ver as coisas deste modo, de forma vívida, você deve descobrir o que é apropriado e quais são as inconsistências a serem evitadas.” Então, o que Aristóteles sugere, é que em uma narrativa ficcional, o autor imagina um enredo e tenta várias alternativas possíveis até que um final satisfatório apareça.
Como Gregory Currie sugere: “O processo de criação do mundo só é imperfeito quando sob o controle consciente do criador. Enquanto o mesmo estimula o comportamento apropriado aos seus personagens, o novelista passa a vê-los como seres humanos autômatos que passam a escreverem a história ao tomarem o controle sobre seus próprios destinos.”
Imersão e Presença
Em matéria de jogos, imersão e presença são complementares pois, ao adentrar em um universo ficcional através de um personagem, este se torna uma espécie de avatar do jogador nessa realidade ficcional, apresentando o conceito de presença neste mundo.
Os termos imersão e presença (…) capturam dois aspectos diferentes, mas, em última instância, inseparáveis do efeito total: imersão insiste no fato de estarmos dentro de uma substância material, presença, no fato estarmos em frente a uma entidade bem delimitada. Imersão, portanto, descreve o mundo como um espaço vivo, um ambiente que dá suporte ao sujeito corporificado, ao passo que a presença confronta o sujeito da percepção com objetos individuais. Mas não poderíamos nos sentir imersos num mundo sem a sensação de presença dos objetos que o ocupam, e estes mesmos objetos não poderiam estar presentes para nós, se não fizessem parte do mesmo espaço que os nossos corpos. Isto significa que os fatores que determinam o grau de interatividade de um sistema também contribuem para sua performance com o sistema imersivo. (Ryan, 2001)
Em todo jogo de RPG, mesmo os ambientados em uma era contemporânea, projetam, também um universo ficcional próprio, ao qual estão subordinados os personagens, os cenários e as ações decorridas durante a sessão de jogo. Segundo Jesper Juul, as regras e a ficção competem pela atenção dos jogadores, sendo assim, complementares, embora assimétricos.
Agência
Quando as coisas que fazemos trazem resultados tangíveis, experimentamos o segundo prazer característico dos ambientes (…) – o sentido de agência. Agência é a capacidade gratificante de realizar ações significativas e ver os resultados de nossas decisões e escolhas (…) normalmente, não esperamos vivenciar a agência dentro de um ambiente narrativo.
– Janet H. Murray
Segundo Arlindo Machado, um dos componentes particulares do processo de imersão nos jogos é o que os povos de língua inglesa chamam de agenciamento (agency), onde o interator experimenta a sensação de que suas decisões realmente influem no desenrolar dos eventos determinantes da narrativa.
A diferença central, portanto, é que de fato, em um RPG, podemos estar no total controle do protagonista, decidindo o que será feito em seguida, e por quais caminhos seguir.
Jogadores, Experiências e Diversão
As experiências de jogo podem ser definidas como um conjunto de sensações, pensamentos, sentimentos e ações durante o jogo. No RPG, os jogadores não apenas “entram” no jogo, mas ativamente participam da construção do universo ficcional. Eles constroem seus personagens baseados em seus desejos, antecipações, e experiências anteriores e, através destas, sua interpretação reflete essa experiência.
Cada jogador busca objetivo diferente através de seu personagem, procurando seu modo ímpar de diversão. Muitos livros dão exemplos de diferentes tipos de jogadores. Como exemplo, usarei os tipos de jogadores descritos no Dungeon Master’s Guide da quinta edição do jogo Dungeons & Dragons:
(…) seu papel é o de manter os seus jogadores (e a você mesmo) interessados e imersos no mundo que você criou, e deixar que seus personagens façam coisas incríveis.
1) Os Atores: jogadores que se divertem agindo como seus personagens e falando através das vozes dos mesmos. Eles interpretam com o coração, adoram interações sociais com os Personagens do Mestre, os monstros e seus companheiros de grupo;
2) Os Exploradores: jogadores que desejam explorar querem a experiência das maravilhas que um mundo de fantasia tem a oferecer. Eles querem saber o que há além da próxima curva ou desfiladeiro. Eles também gostam de encontrar pistas e tesouros escondidos;
3) Os Investigadores: jogadores que gostam de investigar são ansiosos para verem as coisas acontecendo, mesmo que encontrem perigos pelo caminho. Eles vão preferir correr em direção ao perigo e encarar as consequências a enfrentar o tédio;
4) Os Lutadores: jogadores que gostam do combate em um mundo de fantasia, de derrotar vilões e monstros. Eles procuram por qualquer motivo para começar um combate, sendo mais destemidos que prudentes;
5) Os Maximizadores (aqui é onde eu me encontro): jogadores que se divertem maximizando as capacidades de seus personagens, como deixá-los afiados para o ápice do combate ganhando níveis, novas vantagens e itens mágicos. Eles se agarram a qualquer oportunidade de demonstrar a superioridade de seus personagens;
6) Os Solucionadores de Problemas: jogadores que querem resolver problemas, derrubar as motivações dos Personagens do Mestre, desvendar as maquinações do vilão, resolver charadas e elaborarem planos complexos;
7) Os Contadores de História: jogadores que amam contar histórias querem contribuir com a narrativa. Eles gostam quando seus personagens estão altamente envolvidos em uma estória ainda não contada e adoram encontros que se conectam com ou expandem um enredo abrangente.
A Imersão como componente da Experiência de Jogo
Quando você usa uma interpretação ativa, você fala com a voz de seu personagem, como um ator interpretando um papel. Você pode até simular a linguagem corporal e os movimentos de seu personagem. Esta aproximação é mais imersiva do que a interpretação descritiva, embora você ainda tenha que descrever as coisas as quais você não pode interpretar razoavelmente.
– Dungeons and Dragons Player’s Handbook Fifth Edition
B. J. Pine e J. H. Gilmore categorizaram diferentes tipos de experiências em duas dimensões: participação e conexão. A dimensão da participação varia de ativa para passiva e a conexão varia de absorção à imersão. Absorção significa direcionar a atenção para uma experiência que veio à mente enquanto a imersão significa se tornar fisicamente ou virtualmente uma parte da própria experiência. As experiências de jogo podem ser classificadas como uma experiência escapista enquanto, em uma participação ativa, a imersão tem um papel de destaque.
Neste caso, a imersão pode vir a ser definida como “a sensação de se encontrar rodeado por uma realidade completamente diferente (…) que toma o controle total de nossa atenção, de todo o nosso aparato sensorial” (J. Murray). A imersão e a presença, realmente, não estão muito distantes uma da outra e, muitas vezes, são vistas como sinônimo. Porém, já que o termo “presença” foi desenvolvido originalmente no contexto de teleoperação, este se apoia na metáfora da transposição. No contexto dos jogos, é preferível o uso do termo “imersão”, pois conota de forma mais clara o processo mental envolvendo a experiência de jogo.
Enquanto experiência de jogo na qual o jogador é absorvido pelas histórias e pelo mundo, ou começa a se sentir como ou se identificar com um personagem do jogo, é o conceito de imersão imaginativa. É nesta área em que o jogo oferece ao jogador a oportunidade de usar sua imaginação, enfatizar seus personagens, ou apenas se divertir no universo ficcional.
Uma Investigação Sobre os Tipos de Imersão nos Jogos
O termo imersão é amplamente usado para descrever jogos, mas ainda não está claro o que é a imersão ou mesmo se as pessoas estão usando a mesma palavra de forma consistente.
– Emily Brown e Paul Cairns
A imersão é uma poderosa ferramenta de jogo e tem sido mencionada por jogadores, designers e pesquisadores de jogos como uma importante experiência de interação. Porém, uma imersão total pode ser difícil de conseguir, pois há barreiras para a imersão tanto pela perspectiva humana quanto do sistema.
Laura Ermi e Franz Mäyrä descrevem três tipos de imersão em seu estudo, onde a mais significativa para o RPG, a imersão imaginativa, já foi previamente citada nesta monografia, como quando o jogador se encontra absorvido pela história e pelo mundo, ou começa a se sentir ou a se identificar com um personagem. Não coincidentemente ela é também definida como a mais proeminente quando alguém se encontra envolvido por um bom livro de romance.
Para Dominic Arsenault, O termo imersão imaginativa daria lugar ao termo imersão ficcional. A razão por trás da mudança é que alguém pode se encontrar imerso em uma história sem fazer uso da imaginação. A psicologia cognitiva a resposta do leitor da escola de estudo de filmes e a teoria literária mostra que o consumo do objeto de mídia nunca é completamente passivo; de fato, leitores e espectadores estão constantemente mapeando esquemas e procurando o sentido na história que lhes é apresentada, formulando hipóteses para o enredo, atribuindo motivos e história de fundo para os personagens, estudando o cenário físico da ação enquanto exercitam a “criação ativa da crença”, para assim assimilarem a imersão.
Para chegarmos a algum lugar, precisamos saber separar entre o “uso da imaginação” e a “imersão”. O uso da imaginação pode ser observado através do uso da imersão ficcional. A melhor forma de descrever a imersão ficcional é através do conceito ilusório de realismo que Marie-Laurie Ryan apresenta nos fazendo sentir que “Há muito mais desse mundo (ficcional) do que aquilo que aparece no texto, uma gama maior de objetos, uma mente própria e única para cada personagem e o tempo e espaço que vai além da obra”. O termo imersão ficcional é amplo o bastante para evitar as armadilhas da imersão imaginativa e ainda assim incluir todas as formas de narração e representação encontrados nos jogos.
Já em seu segundo conceito, o conceito de imersão sistêmica, Arsenault afirma que há diversas formas de experimentar a sensação de desafio em mídias não-participativas. Usando de uma definição metafórica de Janet Murray, ele afirma que a imersão ocorre quando encaramos uma pintura, ouvimos a uma música, nos perdemos na leitura de um livro ou em um jogo de xadrez, e acabamos por não mais perceber os sons no museu ou nas ruas, esquecemos do que acontece no mundo real, abdicando da percepção de suas leis.
Outro exemplo apresentado é o de imersão linguística, pois, por não ser um anglofônico nativo mas morar em uma região que se expressa através deste idioma, ele descreve a necessidade de imersão em um estado mental propício para o idioma inglês antes de escrever algo, porém, ao começar a pensar em inglês, a dificuldade da escrita desaparece.
Na definição de mídia imersiva de Elena Gorfinkel: “A imersão não é de propriedade de um jogo ou de um texto de mídia, mas vem a ser um produto produzido pelo texto”. Então, para que um objeto se qualifique como imersivo, este não precisa ser imersivo o tempo todo nem para todas as pessoas.
Para encerrar, cito os estudos de imersão de Emily Brown e Paul Cairn que apresenta três níveis de imersão, engajamento, entrosamento e imersão total, onde para que cada nível possa ser alcançado, certas barreiras precisam ser removidas e o nível anterior passa também a ser um pré-requisito.
Para o engajamento, necessita de investimento do jogador (de tempo, esforço e concentração) e acessibilidade (ele não deve odiar o jogo ou o cenário, as regras precisam ser claras), o que fara o jogador continuar jogando.
Para o entrosamento, o jogo não pode ser mal construído (tarefas interessantes, enredo elaborado), uma vez alcançando este estágio, os jogadores se tornam emocionalmente envolvidos. “O jogo se torna a parte mais importante para o jogador, afetando diretamente sua atenção e suas emoções”
A imersão total, para Brown e Cairns, é um sinônimo de presença e ocorre quando o jogador tem uma empatia com os personagens e sente a atmosfera do jogo. Quando alcançam este estágio, os mesmos se encontram à parte da realidade e o jogo é a única coisa capaz de afetá-los.
Esta classificação, segundo Arsenault, é confusa, como expressado pelo estúdio, a barreira impedindo a imersão total é a necessidade do jogador de se identificar com os personagens do jogo, o que não impede a imersão sistêmica, tendo em vista que é possível se imergir totalmente em um jogo como Doom ou Tetris, provando que a imersão total não é exclusiva de jogos com foco na estória. Havendo a necessidade de reavaliar as barreiras deste último nível de imersão.
Conclusão
Ao estudar os jogos digitais, o conceito de imersão não atingiu definições precisas.
Porém, no campo analógico, especificamente do RPG, o conceito de imersão foi exaustivamente estudado, mas não na área de estudo enquanto jogo mas, enquanto sua estética narrativa, esta foi estudada desde a antiga Grécia, como citado no livro de Ryan, The Text as World, e, embora não tenha uma atenção maior na área de estudos de mídia, pelo campo acadêmico, muito se tem feito desde seu surgimento através do Dungeons and Dragons e suas milhares de ramificações de regra e sistema, tendo cada designer como um tipo de “ludólogo” em seu nicho, usando às vezes do conceito literário de imersão, às vezes através da pura observação, sem um embasamento acadêmico, mas trazendo luz ao mercado do RPG, como visto através dos conceitos dos diferentes tipos de jogadores que, não só no Dungeons and Dragons, mas em diversos outros jogos sob diferentes alcunhas.
O conceito de agência de J. Murray, também é bastante expressivo no caso dos jogos de RPG, pois, como mesmo em “aventuras” comerciais, pré-desenhadas, há espaço para a adaptação por parte do Mestre de Jogo para se adequar às divergentes ações de seus jogadores, propiciando para que os mesmos possam ver como as suas ações de decisões interferem diretamente no cenário do universo ficcional apresentado pelo Mestre de Jogo.
Também é evidente a definição final de Arsenault se adequando perfeitamente à liberdade criativa e narrativa encontrada nos jogos de RPG.
Infelizmente, enquanto mídia, esta carece de estudos acadêmicos mais aprofundados, porém, em fóruns e grupos de RPGistas, este conceito vem frequentemente à luz e seus “estudos” enriquecem a experiência vivenciada nesses tipos de jogos, na “comunidade lúdica” descrita por Huizinga criada por jogadores e Mestres e reforçada ao longo dos anos. Enriquecendo assim todo o mercado dos jogos de RPG e transformando antigas aventuras em experiências emocionais como forma de narrativa dinâmica, amplamente em pauta durante eventos de RPG.
Como observação pessoal, acho que este mercado, devido a suas características únicas e seu mercado sempre em expansão, teria muito a ganhar caso tivesse um maior espaço nos meios acadêmicos, pois o mercado não existe apenas para os jogos digitais, então, não seria correto uma maior atenção ao RPG enquanto jogo? Eu, enquanto Homo Ludens, e minha comunidade poderíamos evoluir muito com esta atenção e poderíamos retribuir em um ciclo constante de crescimento e enriquecimento intelectual.
Por Eduardo Elfman
Equipe REDERPG
Referências
– Arsenault, Dominic “Dark Waters: Spotlight on Immersion”
– Brown, Emily e Cairns, Paul “A Grounded Investigation of Game Immersion”
– Caillois, Roger “The Game Design Reader”
– Ermi, Laura e Mäyrä Frans “Fundamental Componentes of the Gameplay Experience: Analysing Immersion”
– Falcão, Thiago “Estruturas de Agenciamento em Mundos Virtuais: Mundos Ficcionais como Vetores para o Comportamento Social In-Game”
– Gomes, Renata Correia Lima Ferreira “Imersão, Presença e o Design das Affordances”
– Huizinga, Jonah “Homo Ludens”
– Ryan, Marie-Laurie “The Text as World – Theories os Immersion”