A maior parte do meu grupo joga junto há mais de dez anos. Nossos jogos são sempre presenciais, nunca nos arriscamos nas plataformas digitais e, verdade seja dita, também não sentimos a necessidade disso. Imagine a intimidade que um grupo adquire jogando quase semanalmente por um período tão longo. Podemos até comparar a aventureiros que se conheceram no nível 1 e juntos chegaram aos níveis épicos.
Dentro do jogo, no decorrer das aventuras, personagens morrem ou tomam novos rumos, grupos se desfazem e novos aventureiros se unem aos que estão engajados desde os primórdios da campanha. Podemos fazer um paralelo sobre isso na vida real. Alguns dos amigos que faziam parte do início desse grupo o deixaram por terem se mudado de cidade, por incompatibilidade de horários, por obrigações familiares, etc, ao mesmo tempo, novas caras vão surgindo, vamos conhecendo pessoas e acolhendo quem tem vontade de jogar. O grupo de RPG é um elemento vivo, seja dentro ou fora da narrativa.
Sempre dizemos que estamos abertos a receber novatos no hobby e por muitas vezes já fizemos isso. Nos orgulhamos de trazer mais um soldado às nossas fileiras, de levar o RPG adiante e de ter mais um companheiro para reunir e dar risadas durante as sessões de jogo. Entretanto, recentemente tivemos pela primeira vez um feedback negativo sobre a forma como estávamos inserindo alguém no nosso contexto. Foi preciso parar, refletir e conversar sobre a situação, reconhecer alguns erros e apontar erros dos colegas para chegar a um consenso.
A jogadora novata em questão faz parte do nosso grupo há poucos meses e não tinha experiência anterior com RPG. É notável a paixão que ela desenvolveu pelo jogo, sua empolgação, sua ansiedade pelos próximos capítulos das histórias e sua curiosidade para explorar o máximo das possibilidades de criação de personagens. A cada arco de história, ela experimenta classes e raças diferentes e se diverte com todas. Ela cria antecedentes extremamente interessantes e é o tipo de jogadora que todo Mestre de Jogo gostaria de ter: se envolve com a história, pega os ganchos lançados e cria vínculos com os personagens de outros jogadores. Certamente alguém para se preservar na mesa e na vida. Talvez por tudo isso, acabamos nos esquecendo que ela ainda era uma jogadora iniciante e agimos de forma que a afetou negativamente.
No arco de campanha atual, nossa jogadora se arriscou com um personagem de mecânica complexa e sentiu muitas dificuldades. Com a intimidade adquirida rapidamente, nos esquecemos que se tratava de alguém em aprendizado e a tratamos como qualquer outro amigo que estivesse conosco há uma década, cobrando estudo e dedicação. O Mestre penalizou o grupo pelo o que chamamos de Off em On, discussões de fora do jogo, entre os jogadores, ditando as ações dos personagens. Alguns dos jogadores apontavam quais habilidades ela DEVERIA (o destaque vai pela forma imperativa em que acontecia) usar em determinados momentos e outros, nos quais me incluo, questionaram decisões equivocadas dela e passaram a dizer o que ela deveria fazer. Por fim, percebemos que nossa jogadora tão vívida e empolgada estava introspectiva e fechada.
Já desconfiando das atitudes que tomamos, propus uma conversa, na qual ela me disse que estava se sentindo intimidada. O grande volume de informações e palpites a desencorajavam a usar a criatividade, a opinar e a falar. Internalizei, reconheci os erros e conversei em conjunto com todos. No primeiro momento encontrei resistência, realmente não é simples ouvir acusações sem tentar justificar as próprias atitudes, mas, felizmente, todos entenderam e logo começaram a propor mudanças de atitude e novas formas de interagir a fim de ensinar e ambientalizar nossa amiga. Ela se mostrou insegura sobre eu levantar essa pauta com o grupo, sentiu medo de ser julgada e de não ser aceita, mas acreditei que companheiros de tão longa data não me desapontariam. Felizmente, como nas sagas mais épicas, o grupo se recompôs e saiu fortalecido.
Na próxima Dicas de Jogo, continuarei com uma segunda parte deste artigo, com apontamentos e soluções que utilizamos nesse caso e que funcionaram para o nosso grupo. Acredito que podem ajudar muitos outros a acolherem novatos de forma mais adequada e a propagar o RPG. Como diria um bárbaro de uma das nossas campanhas: quanto mais gente do nosso lado, mais fácil é de a gente vencer essa guerra!
Por Lucas Lopes
Equipe REDERPG