Falar de Ars Magica é tratar dos primórdios do RPG. Me permitam antes de desenvolver o ponto central de meu texto dar uma pequena “passada” no histórico desse jogo de magi e covenants. Por volta de 1987, mesmo momento da popularização do D&D, surgia uma pequena empresa – Lion Rampant Games – que propunha um jogo com diferenças significativas em relação aos já conhecidos.
Essa empresa propôs a criação de um sistema baseado em combinação de habilidades e características, técnicas e formas aliadas a um d10 system. Uma das inovações desse RPG foi propor jogar com tipos diferentes de personagens – magi, companions e grogs, assim como ampliar e desenvolver os feudos que os aventureiros viviam. Priorizavam o que chamaremos na década de 1990 de roleplay, ao invés de pilhar e atacar. Não podemos deixar de esclarecer que futuramente a cisão dessa empresa faria surgir uma gigante do mercado conhecida como White Wolf.
Penso que o surgimento de jogos como o Ars Magica e Runnequest nos chamam atenção para um fenômeno simples. As crianças que anteriormente se aprofundavam em masmorras perigosas derrotando demongorgons, haviam crescido – entravam e se formavam nas universidades e, por essa lógica, buscavam um maior amadurecimento em seus roleplays e histórias. Um amadurecimento que refletisse suas faculdades de humanas e estudos que foram por si só influenciados pelo RPG.
Desta feita, surgem rivais ao conhecido jogo de caçar dragões, com sistemas e saídas alternativas aquilo que já se jogava. É nessa parte que gostaria me concentrar neste pequeno artigo. As diferenças estruturais de Ars Magica na ambientação profundamente influenciada por uma Europa Medieval. Anteriormente havia a proposta de se criar cenários fantásticos e mundos alternativos, mas agora a ideia era produzir uma fusão entre o lendário e historicamente viável (se é que isso existe).
O jogo dos magos poderosos, que adquiriram seus conhecimentos a partir do Império Romano, se passa naquilo que os criadores intitularam Europa Mítica. Mas o que seria esse continente? Devo eu estudar todos os livros do Carlo Ginzburg para poder “mestrar” de forma devida?
Ler Ginzburg nunca será uma péssima ideia para um aspirante ou Mestre de Jogo veterano, mas o ponto em que pretendo chegar nos leva a uma ambientação e o equilíbrio que se passa entre uma boa dosagem mítica (mágica), misturada a questões históricas. Um magus por si só já é um personagem bastante fantástico, todavia, o que o coloca em um mundo medieval do século XIII, cruel e insalubre, é a oportunidade de com um ataque de espada ser morto, por mais que possa invocar uma tempestade.
Logo, na minha humilde opinião, o jogo propõe uma ambientação bastante interessante onde jogadores, com um pouco de dedicação e estudo, poderão construir uma proposta no mínimo interessante.
Um grupo de fadas e sátiros que controlaram uma cidade isolada no interior da Irlanda. Mas tudo isso sem a percepção direta dos camponeses, porque o novo “senhor de terras” e seus auxiliares são na verdade uma corte fantástica disfarçada. As plantações nunca estiveram tão produtivas, mas em compensação algo estranho está acontecendo com os missionários católicos que chegam à região. Pense na hipótese de construir uma torre para seus magi conviverem a poucos quilômetros dessa situação. O que eles fariam? Expulsariam, também de forma disfarçada, o rei sátiro e seus comparsas? Ou se aliariam já que essa organização social (de fadas) também favorece sua proteção? O exemplo criado acima representa ao meu ver como pode existir essa interjeição entres os dois elementos citados anteriormente.
Também sempre é bom lembrar que toda essa dosagem mais crua ou mais fantástica depende de um “combinado” e conversa prévia entre jogadores e narrador. Os personagens são criados a partir de uma contagem de pontos influenciados também pela idade que os mesmos apresentam no momento da criação. Pretende criar um mundo mais realista, onde a vida se torne mais difícil para os magi? Divida pela metade os pontos de criação durante a fase de aprendizes. Pretende criar semideuses de magia que dominem os elementos e controlem a mente dos pobres mortais? Aumente os mesmos pontos!
Outra característica muito importante e que não poderia deixar de abordar neste meu primeiro artigo, seria a genialidade dos designers do jogo em pensarem todas as classificações mágicas e acadêmicas a partir do uso do Latim vulgar medieval. Creo Ignem – para aqueles personagens loucos por bola de fogo. Muto Terram – para criar um pântano em meio a um caminho. A língua morta ganha uma posição de destaque ao ponto que facilita o sistema de magia criado a partir de dois quesitos, Técnica e Forma (falaremos melhor sobre este ponto em outra oportunidade). O Latim também se encontram nas habilidades acadêmicas, rituais e cerimônias que necessitam uma comunicação mais “culta”.
Uma Europa em meio às Cruzadas, com problemas territoriais no leste, entrada do catolicismo nas ilhas do norte, massacre de cátaros no sul da França e o Norte da Espanha diante uma tentativa de reconquista da Península Ibérica. Tudo isso fervilhando novos centros urbanos, mosteiros em pleno desenvolvimento e queda.
Mas espere! Perto de um convento beneditino, que é protegido por um arcanjo, vive um dragão em sono profundo que guarda em meio a seus tesouros, escritos sagrados do grande magus Rei Salomão! Sim, não me canso de demonstrar a riqueza da ambientação desse cenário que consegue “atualizar” o charme dos elementos históricos medievais para as lendas do anel dos nibelungos.
David Chart, arquimago responsável pela quinta edição, nos apresenta algumas mudanças significativas em relação ás anteriores. Um ponto seria a criação de personagens que se baseia apenas em pontuações e que permite uma criação bem mais planejada como citei acima. Penetration e Parma Mágica resolveram os problemas de ataques entre magos, mesmo que a Ordem condene veemente está prática! Para isso as regras de Certament (duelo mágico) foram revisadas e em alguns pontos refeitas. Regras de Formulaic e Ritual Magic estão bem mais claras, assim como as magnitudes das magias. O Bestiário não existe mais e as criaturas estão dissolvidas em outros livros, inclusive no básico. Outro ponto muito interessante seria a separação bem mais clara entre os Magic Realms, que ficaram mais distintos. E a cisão das doze Casas (Houses) em três linhas de hereditariedade.
Membros tocados pelo “dom”, que pertencem a Ordem de Hermes! De agora em diante pretendo incentivá-los a discutir e jogar uns dos RPGs mais interessante desde a sua criação e também, quem sabe, encorajar a maior propagação do mesmo em terras brasileiras. Um oráculo antigo me confidenciou que a New Order Editora, vai traduzir e lançar este jogo, tornando-o um dos carros chefes de 2018! Vale também lembrar que esta será a terceira tradução realizada no mundo, pois até agora só existia a versão original em inglês e outras duas em espanhol e francês. Está na hora de adentrar na Europa Mística e desvendar as possibilidades de conhecermos mais afundo esses magos fantásticos e as magias que influenciam o equilíbrio de toda uma era.
Por Tiago Rolim
Equipe REDERPG
Setor do Ars Magica na Atlas Games: www.atlas-games.com/arm5/