Para quem chegou agora: Vampiro, A Máscara (Vampire: The Masquerade) é um jogo que está em sua quinta edição e já fez mais de 20 anos de aniversário. Sua premissa criou um verdadeiro furor na época de seu lançamento: jogar com um vampiro, um descendente de Caim, amaldiçoado a fugir do fogo e da luz do sol, preso à noite e a uma degeneração moral progressiva em um jogo de intriga e sobrevivência onde seu maior inimigo é ele mesmo. Onde a sua humanidade é constantemente desafiada por uma Besta faminta, que só quer comer e dormir, sobreviver para acordar e comer novamente.
Instigante. Desafiador. Original.
E, com o tempo, uma falácia. Como ficou provado na última “aventura” lançada oficialmente para se gerar a edição 5 do jogo.
A segunda e terceira edições do jogo já davam mostras de perda de conceito original. O jogo se tornava menos uma narrativa de horror pessoal, com o conflito interno dos personagens rapidamente dando lugar à intriga política da Camarilla (a principal organização vampírica do mundo) e, depois, à guerra Camarilla x Sabá (uma organização de predadores vampíricos). A interpretação tão dita como sendo superior a outros jogos, pouco a pouco deu lugar a ferramentas de poder de combate; meta-Disciplinas, poderes vampíricos absurdos, anciões semi-divinos que morriam da maneira mais estúpida, manipuladores seculares que cometiam erros de principiante, detentores de habilidades extraordinárias que eram incapazes de sequer superar uma superstição infantil.
Ao final da década de 1990, Vampiro já era um jogo sustentado mais pela boa vontade de sua fanbase do que pela coerência interna. Seus jogos irmãos, Lobisomem e Mago, tinham ferramentas muito mais eficientes para justificar o segredo da existência do sobrenatural do que a frágil Máscara, que em questão de anos, se tornou um conceito completamente obsoleto para qualquer Narrador que não se esforçasse – e muito – para torná-la crível. A justificativa mais simples – a humanidade era um bando de gado composto de débeis mentais – simplesmente não funcionava mais com a evolução de tecnologia moderna de comunicação e vigilância.
Jogadores novos, em 2000 e poucos, em uma época onde a internet mostra de tudo e onde temos literalmente dúzias de câmeras em toda esquina, eram brindados com um cenário onde o conceito principal era falho em sua essência: A Máscara não tinha como ser sustentada. Vampiros mais velhos, que buscavam mantê-la, usavam super poderes para isso, mas não eram capazes de atingir todos os escalões, sendo que, muitas vezes, sua preocupação com o mundo estava longe dos neófitos (vampiros recém-criados, a.k.a, personagens dos jogadores) que em geral quebravam a Máscara; vampiros mais novos, com recursos e conhecimento para proteger a Máscara com mais eficiência através de ferramentas modernas eram constantemente castrados canonicamente por seus senhores dracônicos. Agências de Inteligência eram constantemente usadas para justificar o apagar de evidências e a mídia para acobertar casos… Mas a eficiência vampírica era questionável em um cenário onde bombas atômicas importadas de outro jogo eram empregadas, canonicamente, para se lidar com uma ameaça.
O que nos traz ao kit pré-alfa de playtest aberto Vampire: The Masquerade 5th Edition. Um jogo que deveria revitalizar um cenário clássico, mas que, até agora, através de sua primeira aventura oficial, nada mais faz além de mostrar que as falhas antigas continuam lá e que se depende mais do amor de um jogador na casa dos 30-40 anos do que do bom senso de um novo jogador de qualquer idade. Pois os problemas que jogadores novos enfrentavam com a falta de coerência do cenário moderno 15 anos atrás simplesmente agora são mais graves. True Blood consegue ser mais crível do que Vampiro: A Máscara.
Enquanto o aspecto social, de sedução, intriga e terror continue a ser a propaganda de Vampiro, não há como negar que o cenário, como apresentado em sua aventura nova e introdutória, não evoluiu. Não há NENHUMA ferramenta à disposição dos jogadores para se proteger a Máscara e a tecnologia atual é usada ostensivamente CONTRA eles. A aventura em si mais parece um livro-jogo onde os jogadores, ou seguem um roteiro preciso de escolhas certas, ou THE END (que aparece, literalmente, em vários pontos). Uma atividade de grupo, que é o RPG, se torna uma competição de roleta russa para saber qual jogador vai ter o azar de entrar em Frenesi primeiro, qual vai entrar em torpor ou encontrar a Morte Final primeiro, qual vai se voltar contra o grupo primeiro e por aí vai. Não há qualquer tipo de oportunidade para desenvolvimento de personagem, apenas uma série de eventos que mais parece um grupo entrando na Matrix e enfrentando os Agentes em uma sequência de Missão Impossível do que um jogo de horror pessoal onde a Humanidade de cada um está em jogo.
Há uma tentativa preguiçosa de se estabelecer o ano atual, usando tecnologia de comunicação moderna e a presença da crise de imigrantes europeus no pano de fundo, mas os personagens prontos são rasos e a sequência frenética de acontecimentos FORÇA os jogadores à ação, sem tempo para introspecção real ou decisões morais. Mortais são colocados no caminho dos jogadores literalmente como Power Ups em um jogo de plataforma, para que eles se alimentem ao longo do caminho e recebam bônus em seus poderes dependendo do tipo de sangue e condição da vítima, sem o menor respeito aos antecedentes clássicos de Rebanho e à própria ideia da caçada noturna.
Vampiros não são os predadores da noite. São uma presa das forças especiais com balas de ponta oca recheada de fósforo e helicópteros com snipers. O único planejamento oferecido é mostrar uma lista de encontros aleatórios para as cenas (sim, isso mesmo: encontros aleatórios) e uma lista de possíveis mortes para os personagens. Humanidade, idealismo e quaisquer outras coisas que poderiam ser uma ferramenta para que os personagens mantenham qualquer esperança de redenção são duramente penalizadas com tiros, acidentes, ou simplesmente morte. Os jogadores são colocados diante de uma situação frustrante após a outra e eles devem simplesmente trair tudo o que vem por aí ou morrer. Não é terror. É gato e rato. Um gato e rato que absolutamente não admite a mínima inexperiência no jogo. Para se ter chance de sucesso, um jogador iniciante precisa de uma sorte absurda ou de conivência do Narrador. Mesmo jogadores experientes veriam que a aventura parece mais uma aventura isolada de Shadowrun do que uma narrativa vampiresca. Os capítulos basicamente são: pegue o item, escape com o item da oposição, sobreviva tempo suficiente para sair da cidade, negocie com o inimigo.
Bem-Vindo a “Vampiro: A Reciclagem“. Um jogo que pode ter evoluído em regras, sim, mas cujo cenário, infelizmente, se manteve tão estagnado como seus anciões e que perdeu boa parte, senão toda, de sua premissa inicial. Talvez essa ironia seja até proposital. Afinal, o status quo do jogo, internamente, se mantém simplesmente porque sim.
Por Rafael Ramos Blanco
Equipe REDERPG