Você está em casa, tranquilamente curtindo um seriado ou um bom livro. Do seu lado, enrolado e quieto, está seu gato doméstico.
De repente, as orelhas dele se movem. Ele se agita no sono. Acorda. Olha fixamente para um ponto no espaço.
Curioso, você olha para lá e não vê nada. Faz uma carícia no bichano, mas ele se agita, e dá um bote… no nada. Você ri, pensando: “que bicho maluco”, enquanto ele, satisfeito, se aconchega junto de você, requisitando o mesmo carinho que rejeitou ainda agora.
Você nunca vai saber, mas nesse meio tempo, seu gato recebeu uma mensagem no Sonhar, atacou e derrotou uma ameaça à sua saúde espiritual, e executou um ritual mágico que vai te manter seguro… por enquanto.
De nada.
Cat: A Little Game about Little Heroes é um jogo, nas palavras de seu criador, “sobre gatos domésticos que protegem seus donos de ameaças que eles não podem ver”. E isso é tudo. Seu criador, por acaso, é famoso por um joguinho chamado Lenda dos Cinco Anéis. Você já deve ter ouvido falar. Com a primeira edição lançada em 1999, e a segunda em 2011, Cat continua sendo um jogo para todos os gostos. Se você é um adolescente de primeira viagem, se você é um marmanjo à procura de algo novo, ou se é alguém buscando levar o RPG a novas gerações de jogadores mirins, Cat tem o que você precisa. Fantasia leve, poesia, ou terror.
Um joguinho para grandes heróis.
O CENÁRIO
A premissa do jogo é muito simples. A cada mil anos, um torneio entre todas as criaturas vivas ocorre no Sonhar. Esse confronto coloca as habilidades naturais de cada raça contra as outras em combates fantásticos. Nos últimos torneios, os gatos venceram, quando o Rei dos Gatos derrotou a Rainha Cadela, deixando os cachorros em segundo lugar. Como prêmio, nove vidas e magia poderosa… e uma responsabilidade de proteger os últimos colocados do torneio, uma raça de garras frágeis e dentes cegos, fraca e desastrada.
A Humanidade.
Embora tenhamos basicamente dominado o mundo físico graças à nossa tecnologia, a realidade verdadeira é o Sonhar. E lá, somos pouco mais do que macacos pelados sem cauda ou habilidade. Não conseguimos ver as ameaças que nos cercam de maneira invisível… e não temos como nos defender delas.
Entram os gatos. Pequeninos heróis que arriscam suas nove vidas para proteger seus “donos” incompetentes de monstros invisíveis que geram e se alimentam de nossas emoções mais negativas… até nos consumir por completo.
Nessa missão inglória, eles têm que enfrentar esse monstros (chamados genericamente de Bogans), além da inveja dos cães… e da própria ingratidão e maldade dos humanos.
Não é à toa que eles precisam de 18 horas de sono diário, para se recuperar dessa luta toda…
O JOGO
Aqui, você é o herói. Logo, você joga com um gato.
Para tanto, você precisa assumir Riscos, e nesses Riscos, você vai usar seus Atributos: Pelugem (que revela suas cores, e o ajuda a resistir ao dano físico e persuadir outros), Garras (importantes para escalar e lutar), Cara (seu centro sensorial), Presas (para lutar e carregar coisas), Pernas (para equilíbrio, salto e movimentos rápidos) e Cauda (importante para usar Mágica).
Um gato também terá três Nomes (seu nome secreto, que dá poder sobre ele, seu nome de gato, que é o nome que ele usa para se relacionar com outros gatos, e seu nome mundano, pelo qual ele é conhecido em geral), uma ou mais Reputações (sua fama no Sonhar e que dão bônus quando envolvidos em um Risco) e, claro, nove Vidas iniciais.
Uma vez que seu gato está pronto, você pode começar a se aventurar. Sempre que se envolve em algo que não seja automaticamente bem-sucedido, um jogador deve Testar seu Destino assumindo um Risco, que varia de Fácil a Difícil, passando por Moderado. Gatos possuem várias vantagens aqui, incluindo uma característica chamada Estilo, que é um trunfo. O autor menciona que um cachorro pode fazer o que precisa fazer e ficar satisfeito com isso… mas um gato não só vai fazer aquilo, mas o fará com charme e graça… isso quer dizer que se um gato tem um sucesso muito bom em um Risco, ele ganha pontos de Estilo que podem ser investidos mais tarde para ter sucesso em outra tarefa, ou simplesmente adquirir vantagens narrativas em um teste já bem sucedido.
A última arma no arsenal dos gatos é sua Mágica, que eles podem usar enquanto possuírem Pontos de Magia. Mas essa magia tem um preço, que é a maldição dos gatos: sua vulnerabilidade a água e a coisas brilhantes.
CONCLUSÃO
O jogo, em um formato simples de PDF, conta com menos de 50 páginas e é tudo o que você precisa para várias tardes divertidas imaginando como seria viver na realidade de um gato. Desde o gato de madame que tem que proteger suas crianças mimadas, até o gato de rua que deve sobreviver a cada dia em um mundo claramente hostil. As histórias podem facilmente variar de uma fábula infantil inocente e florida até um ambiente de puro terror Lovecraftiano (se você precisa de um exemplo, você já viu Alien: O Oitavo Passageiro? Lembra que um dos dois únicos sobreviventes da Nostromo era um gatinho laranja chamado Jones? Pois é, talvez, se a tripulação prestasse mais atenção no bichinho de estimação da nave, o resultado tivesse sido diferente…). O jogo traz sugestões de como narrar para crianças e de como visualizar histórias da perspectiva de um gato, incluindo o Sonhar, onde eles são tipicamente maiores e mais imponentes (como não lembrar de Neil Gaiman aqui e suas versões felinas de Lorde Morpheus?). Em suma, um jogo, de fato, para qualquer idade e qualquer público.
Fique seco, resista ao pontinho vermelho, e proteja seu humano!
Por Rafael Ramos Blanco
Equipe REDERPG
NOTAS (de 1 a 6)
Layout/Arte: 3.0 (O livro é um PDF básico, bem próximo de uma versão Beta de muitos jogos por aí, com diagramação simples e imagens de silhuetas de gatos espalhadas aqui e ali. A capa é relativamente bonita, com um fundo escuro onde se destaca um par de olhos felinos. Nada demais, nada de menos.)
Texto: 6 (Simples, direto, e muito bem distribuído, com experiências tocantes do autor sobre o livro e seu falecido gatinho, o texto supre tudo o que se precisa para jogar, com boas dicas de narrativa para iniciantes.)
Conteúdo: 6 (Novamente, simples, com boas dicas para foco em narrativa, onde criar a história é mais importante do que “otimizar” o gato para combate. Rápido e divertido.)
NOTA FINAL: 5 (Recomendadíssimo para quem gosta de gatos, ou para quem não entende porque gatos são tão legais.)