“Quem é o mais forte: X ou Y?”
Típica pergunta, bastante utilizada em comparações de personagens de todos os tipos. Mas que se torna particularmente presente e ferrenhamente debatida em um tópico em particular.
Crossovers.
A cruz e a espada de muitos escritores, autores, diretores… e mestres de RPG.
Não entremos aqui no mérito (ou demérito) de qual sistema é melhor para crossovers. Nem de qual é o cenário mais forte. Ou qual tipo de personagem/template/classe ganharia de qual.
Pensemos aqui: por que tantos crossovers aparecem? Por que tantos personagens aparentemente diferentes se misturam em combinações que, à primeira vista parecem (e, admitidamente, às vezes são), sem pé nem cabeça?
Simples.
Porque nós gostamos de coisas variadas. E às vezes, por pura diversão ou ócio, imaginamos como seria se duas coisas aparentemente desconectadas se misturam. Como Scooby Doo e Supernatural, por exemplo. À primeira vista, temos pouca coisa em comum. Um desenho animado infantil que ensina que monstros não existem, e sim humanos são os verdadeiros monstros… contra um seriado de horror e ação que mostra que monstros não só existem, como estão em toda parte… e que humanos são joguetes para eles.
Supernatural facilmente seria uma boa adaptação para Storyteller ou Storytelling, onde temos caçadores vs monstros como parte integrante do cenário. Scooby Doo, igualmente, onde pessoas que “provam” repetidamente que monstros não existem trabalham para a Camarilla e a Tecnocracia, às vezes sem consciência disso, para proteger a Máscara e a Regra das Sombras.
Mas isso não é um crossover. Independentemente, os cenários funcionam, mas as temáticas são diferentes… isso seria apenas duas adaptações.
Ter os irmãos Winchester de Supernatural caçando um demônio, apenas para descobrir que esse demônio já partiu, e o humano que ele possuía foi preso pelas investigações de Scooby, Velma e companhia… Hum… Já temos um certo drama aqui… e uma possibilidade real de interligar as histórias, com um tema interessante: como provar que o vilão é de fato uma entidade sobrenatural, já que o forte da Máquina do Mistério é justamente provar que entidades sobrenaturais não existem? E que conseqüências viriam com esse novo conhecimento, caso de fato o sobrenatural fosse provado?
“Ah, então posso fazer crossover do que eu quiser com o que eu bem entender?”
Claro.
Mas não.
E sim.
O principal problema de crossovers, como de qualquer história (adaptada ou não) recai em uma palavra: coerência.
Obviamente, se você e seu grupo só querem fazer bagunça, tudo fica mais fácil. Patolino já foi de arquimago a Lanterna Verde, passando por vingador mascarado, sem nem se preocupar com o que estava acontecendo.
Mas, se sua história deve ser intrigante, coerência se faz necessária para que os jogadores não se vejam em um mundo surreal onde qualquer coisa pode descambar para uma paródia.
Vamos tentar misturar duas coisas que não se bicam em um olhar superficial: Conan e Star Wars.
“Tá de sacanagem, né? Como você vai misturar a Estrela da Morte com camelo turaniano?”
Calma.
Em primeiro lugar, um crossover obviamente precisa de concessões. Isso quer dizer que dificilmente teremos elementos completos de dois cenários em conjunto. Precisamos selecionar.
“Mas um é ficção científica, o outro é fantasia!”
Já ouviu falar de Spelljamer?
Mas, para agradar aos puristas, comecemos pensando em quais elementos os dois cenários têm em comum.
O Mundo Hyboriano de Conan se passa há muito tempo na Terra, em um cenário pré-cataclismo. Sabemos que existe contato com entidades de outros lugares no espaço-tempo e até de outras dimensões, graças à influência lovecraftiana no cenário.
Star Wars se passa há muito tempo, em uma galáxia muito, muito distante (já temos um tempo indefinido aí). Sabemos que viagem espacial à velocidades supra-luz são constantes aqui… e temos até, em Legends, a possibilidade da Força criando “buracos de minhoca”.
Ou seja, AMBOS os cenários ventilam a possibilidade de transporte intergaláctico.
Seja por um ritual a Yog Sothoth, seja por um poder da Força, temos uma Deus Ex que justifica, por exemplo, um Star Destroyer chegando à Terra.
Precisamos também de uma premissa. Neste caso, por que não uma incongruência dimensional, ou simples Leis da Física que diferem de uma galáxia para outra, e que forcem a gigantesca nave a um pouso forçado em, digamos, Hyrkania? Talvez a própria viagem tenha drenado os propulsores… Talvez um acidente tenha sobrecarregado os sistemas.
Sem tecnologia de reposição, os engenheiros imperiais teriam que reinventar seus instrumentos, descobrir formas de substituir ou replicar formas de energia. Os Storm Troopers teriam que poupar a munição de suas armas laser e vibrolâminas ao caçar e se defender e, claro, se Lorde Darth Vader estiver a bordo, ele precisa descobrir como tratar seu corpo mutilado indefinidamente sem sua câmara de pressurização em algum momento. Ele pode usar a Força? A Força existe nesta galáxia? E se a magia de sangue praticada largamente pelos feiticeiros hyborianos for simplesmente uma maneira formulaica de se acessar os mesmos poderes que os Sith e os Jedi utilizam de maneira tão natural? Pode a energia vital de sacrifícios a entidades inomináveis substituir os cristais de energia que abastecem os reatores e armas? Quanto tempo uma única tropa do vasto Império Galáctico poderia resistir a hordas de invasores turanianos e hyrkanianos? Ou seria a Terra anexada como uma colônia distante, com toda a história mudada a partir daí?
Temos tudo o que é necessário para uma campanha a longo prazo aí: Imperiais formando um novo centro de poder com “bruxarias” tecnológicas, um vilão icônico com potencial para se tornar ainda mais perigoso (considere Darth Vader precisando absorver almas ou sangue para sustentar sua armadura…) duas formas de “magia” que podem ser complementares ou opostas… Mais que suficiente para um escopo épico e uma campanha capaz de abarcar anos ou décadas in (ou off) game. Tudo porque um pouco de ousadia e planejamento buscou criar um pouco de coerência em uma mistura aparentemente estranha e incongruente… mas que com um pouco de boa vontade, tem potencial para cenas memoráveis.
Por Rafael Ramos Blanco
Equipe REDERPG