“É dito que mesmo os Dragões Elementais temiam a força de nosso poderoso Imperador. Em vez de enfrentar a sua ira, eles fecharam os Paraísos Celestiais, virando suas costas para aqueles que diziam proteger.”
– Miya Satoshi, Arauto Imperial, ano 1128 pelo Calendário Isawa, o sétimo ano do Glorioso Reinado de Hantei XXXIX.
Por uma fenda no céu, os Dragões Elementais olhavam a terra abaixo. Eles não estavam satisfeitos.
“Não há esperança,” disse Terra.
“Jigoku venceu,” disse Fogo, franzindo de raiva enquanto vapores subiam de suas narinas.
“Isto não está certo, irmã,” disse Trovão, pesarosamente. “Não pode estar.”
“Muitas coisas não deveriam estar assim,” respondeu Terra, com sua grande mão repousada sobre escamas de pedra. “Entretanto, estão. Rokugan está condenada.”
“Irmãos, irmãs, vamos pular para as conclusões,” disse Ar, enquanto seu corpo sinuoso deslizava entre os outros. “Vamos consultar Vazio, que observava Rokugan tão de perto no ano passado.”
O Dragão do Vazio virou-se de onde estava estacionado na fenda do céu. Os outros sequer haviam notado sua presença, de tão etérea que sua aparência havia se tornado. Não era segredo que Vazio estava mais próximo dos humanos que a maioria, e havia sofrido enormemente. Ao lado dele sentava-se Jade, uma criatura minúscula que sequer havia se tornado um dragão de fato. Vazio baixou a cabeça em reconhecimento aos seus irmãos e começou o relatório.
“Já se faz um ano desde que os Trovões caíram,” disse Vazio. “O Senhor Negro, Fu Leng, declarou-se Imperador de Rokugan. A traidora Kachiko governa ao seu lado.”
“Imperador?” disse Fogo. “Tolice. O único desejo de Fu Leng é a destruição.”
“Não mais,” disse Vazio. “Ele provou o poder de um Imperador e achou que era de seu gosto. Exigiu que todos os que antes serviam a Hantei agora o servissem, ou os destruiria. Os Leões foram os primeiros. Com os Sete Trovões derrotados, Fu Leng surgiu da Cidade Proibida e concedeu aos exércitos uma única chance de jurar sua lealdade. Ikoma Tsanuri, que antes liderava aqueles que serviam a Hantei, teve que se curvar à coisa fantasmagórica que agora habita o Palácio Imperial. Ikoma Ujiaki não teve tal receio; ele derrubou Tsanuri e jurou lealdade a Fu Leng, que o ordenou a atacar as tropas dos Trovões.”
“Certamente, nem todos os nobres Leões iriam servir ao Senhor Negro,” disse Terra, apesar de sua voz carregar pouca esperança.
“Não, todos não,” Vazio respondeu. “Mas alguns. O suficiente. A horda decaída de Fu Leng ergueu-se novamente ao comando de Ujiaki. O Dia do Trovão tornou-se um dia de extermínio. Ikoma Ujiaki tornou-se o Rikugunshokan da Legião do Jigoku.”
Vazio parou por um momento, permitindo que os outros absorvessem as terríveis notícias. “A Garça foi a próxima,” ele disse. “Os estragos da Guerra dos Clãs haviam enfraquecido seus exércitos, mas os filhos de Doji não se renderam. Uma semana após o Dia Trovão, a Legião do Jigoku chegou a Shinden Asahina. O novo Campeão de Esmeralda de Fu Leng estava ao lado de Ujiaki – Doji Hoturi. Ele não usava armadura; ao invés disso exibia orgulhosamente o buraco que Fu Leng havia deixado em seu peito. Kuwanan, senhor da Garça, cavalgou para enfrentar o que certamente seria um impostor utilizando o nome de seu irmão. Hoturi, o Sem Coração, voltou uma hora depois com a cabeça do irmão empalada na ponta de sua yari. Em uma hora, Shinden Asahina foi incendiada. Neste dia, os samurais da Garça morreram.”
“Nenhum sobreviveu?” sussurrou Ar, não querendo acreditar naquilo.
“Apenas um…” disse Vazio. “Apenas uma Garça sobrou…”
Os Dragões baixaram a cabeça em silêncio. Se uma lágrima caiu do olho de Jade, ninguém notou.
“A Fênix foi a próxima,” continuou Vazio. “A Legião cortava os exércitos Shiba como se fossem o gramado, mas enquanto eles sacrificavam suas vidas, o Grande Mestre reuniu os shugenja que pode e organizou um êxodo em massa para o norte. Ele acabou sendo desafiado por Isawa Tsuke, o corrompido Mestre do Fogo, derrotado no Dia do Trovão, mas agora ressuscitado pelo terrível poder de maho do Imperador. Ao lado de Tsuke estava Kuni Yori, Yogo Junzo, Kitsu Okura e o misterioso Daigotsu. Naka Kuro não pode enfrentar o novo Conselho dos Mestres Elementais de Fu Leng. Sua alma foi retirada do corpo e aprisionada em uma varinha de obsidiana por Kuni Yori, uma perversão das técnicas dos Kuni utilizadas para aprisionar espíritos de oni. Os Fênix que se curvaram a esse novo conselho foram poupados. Os que não se curvaram, e foram muitos, foram destruídos.”
“E o Clã do Dragão?” disparou Fogo. “Você não fez nenhuma menção a ele.”
“A história deles é a mais estranha,” disse Vazio. “Desde que Hitomi retornou ao seu povo, a Montanha Togashi envolveu-se em sombras e silêncio. Todos os que ousaram visitar Hitomi não retornaram. Os Dragões são apenas fantasmas agora. Nem os oni vão para lá.”
“E o que aconteceu aos outros?” perguntou Ar.
“O Escorpião, o Caranguejo, os Naga, o Exército de Toturi e o Unicórnio reuniram-se nas Planícies do Trovão,” disse Vazio, olhando novamente pelo buraco no céu. “Toturi e Hida Yakamo os lideravam. Vocês todos sentiram o que aconteceu em seguida. Os Escolhidos de Fu Leng.”
“Os ashura,” gemeu a voz do Dragão Celestial, e sete pares de olhos voltaram-se para cima, encarando o enorme olho da criatura que segurava no alto os céus. O olho, outrora dourado, agora era um brilho marrom escuro por entre veias prateadas.
“Sim,” disse Vazio. “A criação mais terrível do Imperador – como dedos da morte, samurais fantasmagóricos que cruzam o ar como se a terra repelisse o seu toque. Onde passavam, samurais desfaziam-se em pó. Suas asas de mariposa carregavam a marca da morte, tão afiadas quanto uma lâmina Kaiu. Seus arcos despejavam doença e corrupção. Agasha Tamori e Iuchi Karasu combinaram suas magias para derrubar o mais poderoso dos ashura, mas foram destruídos logo em seguida quando o poder profano da criatura irrompeu de sua casca. Toturi sabia que a partir desse momento não haveria mais escapatória. Foi quando…” Vazio ficou em silêncio, não desejando mais continuar a narração.
“Foi quando seu Oráculo interferiu,” disse Terra, com um tom acusador em sua voz grave e profunda.
“Sim,” disse Vazio. “Isawa Kaede resgatou os heróis que sobraram.”
“Então Rokugan é corrupta agora, como as Terras Sombrias?” perguntou Terra.
“Não,” disse Vazio. “Fu Leng preferiu que seus subordinados não fossem corrompidos para que sentissem o terror de seu governo. A Mácula agora é um presente dado a seu critério.”
“E algum lugar escapou de seu domínio?” perguntou Ar.
“Ainda restam três cidades Naga e as Ilhas de Especiarias e Seda têm uma espécie de paz,” disse Vazio. “Fu Leng tem apenas um punhado de barcos, nenhum deles preparado para um ataque às ilhas. É aí que os heróis se reúnem. Hida Yakamo, Togashi Mitsu, Yoritomo, Horiuchi Shoan e mesmo Toturi. Infelizmente, as ilhas nunca estiveram preparadas para abrigar a tantos. Eles dependem de ataques de guerrilha e pirataria para roubar a comida de que necessitam.”
“Um fim amargo para um samurai,” rosnou Fogo.
“Isto não é o fim,” Vazio sussurrou, apesar de parecer não acreditar em suas palavras.
“Você sempre foi ingênuo,” disse Fogo com um sorriso de escárnio. “Não é de se admirar que seu Oráculo tenha desequilibrado os elementos agindo diretamente.”
“TOLO!” o Dragão Celestial subitamente rugiu, sacudindo os céus. “Isto não importa mais! Não há mais equilíbrio! Mil anos de trevas consumirão Rokugan! Precisamos fechar o acesso ao céu e virar nossas costas para os mortais.”
“Você quer que os abandonemos?” disse Vazio.
“Não temos escolha,” disse Trovão. “Não podemos arriscar que Fu Leng conquiste também os céus.”
Vazio baixou a cabeça, seus olhos brilhavam como estrelas cintilantes. “Eu não posso abandonar Kaede. Vou ao reino dos mortais ficar com ela.”
“Você é muito fraco, Vazio,” disse Trovão. “Fique aqui e deixe-me protegê-la. Deixe Isawa Kaede ser o Oráculo do Trovão.”
“Você estará sozinho, Trovão,” disse Terra, gravemente. “Não poderemos mais lhe dar nenhuma ajuda uma vez que os céus estejam fechados.”
“Não precisarei de nenhuma,” Trovão respondeu corajoso. “Quando retornarem, vocês me encontrarão esperando ou me encontrarão morto.”
“Que assim seja,” disse o Dragão Celestial. “Quando nossa irmã Água retornar, Trovão irá descer e o acesso será fechado. Os Paraísos Celestiais estarão inacessíveis para Rokugan por mil anos.” O grande olho do Dragão Celestial se fechou. A discussão havia se encerrado. Os Dragões Elementais tomaram diferentes caminhos, voltando às suas respectivas e enigmáticas vidas.
“Para onde foi Água?” a pequena Jade perguntou curiosa, com os olhos fixos nos de Vazio.
“Foi devolver o que havíamos tomado,” Vazio sussurrou.
“A gueixa?” perguntou Jade.
Vazio assentiu. “Ela não pertence mais a este lugar, agora.”
“Isto é triste,” disse Jade. “Trovão disse que seu filho poderia ser o maior herói de Rokugan.”
“Não abandone a esperança, Jade,” disse Vazio, olhando para Rokugan pela última vez. “Acho que o Império precisa de heróis agora mais do que nunca.”
Conto de Rich Wulf
Tradução: Fábio Firmino
Equipe REDERPG