“O Espaço… a Fronteira Final”
Para qualquer trekkie que se preza, esta frase basta para trazer ao rosto um sorriso com a lembrança da música tema, as linhas elegantes da Enterprise cruzando o espaço, gloriosa em sua missão de cinco anos rumo a onde “Ninguém jamais esteve”.
Boa sorte.
Abismo Infinito leva a ideia de fronteira espacial de volta à época medieval. “Aqui há monstros” poderia muito bem se aplicar ao vasto oceano de estrelas que nos cerca na Via Láctea. E existe uma razão muito boa para alguém jamais ter estado lá…
Medo.
O medo, aqui, não é apenas palpável. Ele é mortal. Enlouquecedor. E real no sentido material da palavra.
Mas você não vai saber disso até ser tarde demais.
Lançado em 2011, Abismo Infinito é um jogo sobre astronautas… que provavelmente não voltarão para casa.
O SISTEMA
Com um sistema simples que cabe em meia folha de caderno, Abismo Infinito traz um gostinho do RPG Chamado de Cthulhu para aventuras espaciais, no sentido de que você não vai evoluir. Seu personagem, na verdade, começa no ápice de suas condições físicas e mentais, e de cara, já enfrenta um processo de degeneração constante. Seus Atributos refletem isso: Ferimentos (não, não é Vitalidade… você conta Fe-ri-men-tos), Medo Particular (que só aumenta) e Sonolência (que só se torna mais difícil de resistir). Além disso, há um número de Âncoras (que ao serem totalmente perdidas, lançam o personagem a algum tipo de loucura).
O jogo é bem equilibrado na sua resolução: quanto mais Âncoras o personagem tem, mais dados ele pode rolar contra uma dificuldade estabelecida pelo Narrador, ou por um teste resistido. MAS, quanto mais âncoras iniciais um personagem possui, maior também são o Medo Particular e/ou a Sonolência iniciais.
Basicamente, conforme o jogo progride, você deve escolher entre ficar mais sonolento (o que leva a uma catatonia repleta de pesadelos eternos), mais apavorado (que leva à loucura psicótica), ou ferido (que obviamente leva à morte); como opção, as Âncoras, que são suas motivações para um dia retornar à Terra e viver, podem ser perdidas no lugar de alguma outra opção… o que leva, obviamente, à perda do desejo de permanecer existindo… e em termos de jogo, uma redução nos dados a serem jogados para se ter sucesso, bem como um fortalecimento da potência de cada um de seus medos manifestos.
Um sistema simples de Vantagens ou Desvantagens circunstanciais complementa a mecânica, oferecendo bônus ou penalidades nas rolagens dos jogadores (uma arma pode ser uma vantagem contra uma manifestação solidificada, enquanto pode ser uma penalidade em uma tentativa de convencer os outros de que você não está ficando louco, por exemplo).
O CENÁRIO
Abismo Infinito conta a história de uma Terra onde os recursos estão à beira de se esgotar. Missões exploratórias no espaço não são uma opção, elas são a última esperança das próximas gerações. O seu personagem será um intrépido astronauta cuidadosamente selecionado para uma dessas missões… a bordo de uma nave equipada com o ápice da tecnologia humana (motores de dobra, uma Inteligência Artificial desenvolvida, e androides plenamente funcionais), você desafia os limites do espaço, do tempo… e da própria realidade e das leis físicas como as conhecemos… e numa sessão típica… perde.
Novamente, é importante lembrar que este é um jogo de horror. Os personagens estarão em contato com seus medos, que se manifestam fisicamente, e os confrontarão com rolagens simples de dados baseadas em algumas características ligadas à Profissão do personagem (e um conjunto de habilidades que faça sentido dentro dela), assim como algum detalhe da vida pessoal e background do personagem, definidos por um mote pessoal. Muitas vezes, a única opção para um personagem não ser devorado por uma Manifestação é aceitar um número de pontos em um de seus Atributos… o que leva, inevitavelmente, à degeneração física e mental do personagem, e em última análise, uma vitória parcial a curto prazo para uma derrota completa a longo.
Conforme o jogo se desenvolve, você passa por três estágios de narrativa… sendo que o último, Redenção, pode nunca chegar. Personagens podem ser perdidos no primeiro momento, o Despertar, quando a realidade e a fantasia se confundem ligeiramente e o horror do desconhecido se instaura… durante o segundo momento, o Pesadelo, o inferno literalmente chega na forma das manifestações físicas dos terrores e neuroses dos personagens. Mesmo um personagem que seja capaz de vencer todas as suas próprias fraquezas ainda pode sucumbir diante da Manifestação de um personagem não-redimido.
É um jogo tenso, onde a luta para sobreviver possui apenas uma chance: a de vencer os próprios medos, e, preferencialmente, ajudar os outros a fazer o mesmo… para, quem sabe, voltar para casa.
O LIVRO
Em um formato agradável de capa dura (21 x 21 cm), o livro também possui um escudo com as regras resumidas e, mais legal ainda, um CD com uma trilha sonora para as sessões de jogo (bem montada, por sinal). As páginas são em papel de boa qualidade, com ilustrações e diagramação bem distribuídas e colocadas. Exemplos de jogo ficam nas margens, sem interromper o texto corrido, separando bem o ON do OFF, e tornando a leitura bem fácil e agradável.
Por Rafael Ramos Blanco
Equipe REDERPG
NOTAS (de 1 a 6)
Layout/Arte: 4 (Bonito, com figuras “feias”, borradas, e cores que variam de cinza a azul escuro. Bom dentro do clima.)
Texto: 6 (O sistema é simples, as regras fáceis de se compreender, boas dicas e tabelas explicativas. Mesmo um iniciante pode facilmente se identificar e se lançar no horror do jogo, auxiliado pelos diários de bordo espalhados pelo livro…)
Conteúdo: 6 (Para o que se propõe, Abismo Infinito é um jogaço, com tudo o que se precisa para passar uma tarde bem desagradável… ou várias noites sem sono.)
NOTA FINAL: 5 (Vale a pena ser relembrado e procurado. Ele sumiu cedo demais.)