Você deve ouvir a música do coro celestial.
Assim que o fizer, você deve aprender a dançar.”
Do Tao de Shinsei, escrito por Shiba.
O Universo é um grande livro. Em cada lugar há um conhecimento escondido, uma verdade oculta. Debaixo de uma pedra, no sussurro do vento, na fagulha que salta do fogo e nas profundezas das águas há um mistério, um segredo reservado apenas àqueles que ousarem desvendá-lo. Alguns homens arriscaram-se a perseguir esses segredos com uma obsessão que consumiu a maior parte de suas vidas, mas que também produziu um legado de conhecimento útil para todo o Império.
A maior parte desses corajosos e dedicados homens encontra-se no Clã da Fênix. Alheios às intrigas e problemas mundanos, os samurais da Fênix preferiram procurar respostas para questões mais elevadas: Qual o sentido da vida? Qual é o poder da mente? Quão amplo é o Universo? Qual é a essência do bem e do mal?
A obsessão pelas respostas os fez ir fundo, procurar longe, algumas vezes cruzando barreiras que outros não ousariam. Se conhecimento é poder, a ignorância é uma fraqueza que deve ser combatida, mesmo à custa da pureza da alma. Essa convicção os fez abrir portas que nunca deveriam ter sido abertas e ver coisas que nunca deveriam ter sido vistas.
A Fênix assumiu a responsabilidade sobre o tremendo poder que desenvolveu a partir de seu conhecimento. Em suas montanhas encontra-se o maior acervo de conhecimento arcano já visto. Seu conselho administrativo, o Conselho dos Cinco, uma reunião dos maiores shugenja da Fênix e, porque não dizer, de toda Rokugan, fiscaliza a execução das artes mágicas não apenas dentro do clã, mas em todo o Império Esmeralda. Cada um dos Cinco Mestres Elementais detém um poder quase absoluto sobre seu próprio elemento. Nas mãos do clã mais pacífico de Rokugan há forças tão incríveis que a perda de seu controle poderia destruir a harmonia do Império. Ter acesso a tal capacidade seduz mesmo o mais pacato dos mortais a ir mais longe, a ter mais força e usá-la ao seu bel prazer. Alguns de seus membros não resistiram a essa tentação… e caíram.
O preço do poder é a corrupção da alma.
O Imortal Shiba
Shiba não está aqui, criança.
Você está errado. Ele está em todo lugar.”
Diálogo entre Shosuro e Bayushi ao fim do Dia do Trovão.
No interior do maior palácio do mundo, um Deus e um pequeno homem conversavam. Atento a cada frase, anotando cada palavra, outro imortal observava atento. Aos seus pés, rolos e rolos de pergaminho narravam a conversa anotada por ele entre o Imperador e Shinsei.
“Se cada grão de arroz do Império fosse sacrificado para se fazer papel, ainda assim não capturaríamos a totalidade da sabedoria deste homem,” pensou Shiba. Foi quando percebeu que os olhos do pequeno sábio o fitavam, penetrando-o como a lâmina mais afiada manipulada pela mais delicada gueixa. Como se o testassem para a tarefa que estava por vir.
Tempos depois, Shiba encontrava-se nas terras maculadas agora dominadas por seu irmão sombrio. Sua resolução era a todo tempo testada pela corrupção daquele lugar, mas não podia abandonar sua missão. Era ele quem deveria infiltrar-se nas Terras Sombrias e resgatar os Trovões, os mortais designados para, junto de Shinsei, derrotar o Inimigo dos Kamis.
À sua frente, sons de luta chamaram sua atenção. Entre duas rochas, Shiba pode finalmente encontrar Shinsei e um samurai com o rosto coberto de sangue. Em frente a ambos, em um combate intenso, estava uma criatura que se deformava a cada passo. Do ventre da criatura disparou-se um tentáculo viscoso que se dirigiu aos dois humanos, forçando Shiba a realizar, de espada em punho, um salto direto para a boca da criatura. Aquele era um oni, sem dúvida, mas não um oni qualquer. Aquele era o Primeiro Oni feito por Fu Leng, o primeiro sucesso grotesco da malignidade materializada do mais cruel dos kamis. O Primeiro Oni retesou-se escapando do golpe de Shiba e do tentáculo que partiu de seu ventre dois olhos curiosos apareceram, encarando o novo adversário.
Próximo de Shiba, o samurai cuja face estava coberta de sangue como uma máscara segurava uma wakizashi. Se o sangue era dele ou de alguém mais, Shiba não sabia. A máscara deixava apenas dois olhos à mostra, olhos que pareciam não conhecer o medo. Pelos olhos, Shiba reconheceu que aquele era o(a) preferido(a) de Bayushi: Shosuro. A máscara de sangue lhe cabia perfeitamente.
Com um punho formado a partir de aberturas de sua casca bulbosa, o Primeiro Oni investiu contra Shiba e o atingiu no ombro. Com uma dor lacerante, sentindo seu ombro partir-se como uma tora de madeira esmagada por uma rocha, o Grande Kami foi forçado a largar a espada e lutar contra a dor para manter o pensamento lúcido. Enrolado pelos tentáculos malditos, Shiba lutou para livrar-se do aperto mortal da criatura. Os olhos curiosos apareceram novamente e se projetaram para próximo do kami por longos apêndices arroxeados que sustentavam os globos. Conseguindo soltar os braços, Shiba agarrou aqueles olhos com ambas as mãos e, numa única puxada, os destacou do corpo do demônio medonho.
A criatura largou o kami e agitou seus tentáculos derrubando tudo ao seu redor e fugiu. Shiba largou-se no chão e sentiu a visão esvaecer-se, notando a aproximação de outras criaturas quando a maior se afastou. Tentariam banquetear-se dele, agora moribundo e tão perto da morte? Foi quando percebeu uma pequena forma juntar-se a ele ao som das asas de um corvo.
“Shiba…” As palavras de Shinsei fluíram como água fresca em seu ouvido.
“Eu estou morrendo,” disse Shiba em seus últimos momentos de agonia.
“Não. Você não viverá, mas irá continuar.”
Confuso, Shiba sentiu seu corpo entrando em choque, numa agitação tremenda que aos poucos se acalmou. Sua dor foi diminuindo e perdendo-se junto com sua consciência no contínuo da eternidade.
“Você descobriu a medida da mortalidade. Agora, precisa conhecer o seu segredo…”
À medida que a consciência de Shiba se esvanecia, Shinsei continuou a dizer em seu ouvido uma longa e complexa litania. Suas palavras fizeram-no elevar-se e aproximar-se das estrelas, enquanto via a totalidade do mundo. Ele via o céu e a terra, mortais e imortais, e a ponte entre eles. Sob seus olhos, um longo e brilhante caminho aparecia, um caminho a ser trilhado pelos homens. Do alto de sua supra-consciência, Shiba viu o rosto de cada homem e mulher que houve e haverá, soube o fim de cada um deles, os erros e acertos de toda a humanidade e por fim entendeu porque, afinal, os homens eram tão importantes para Shinsei e o Império.
Finalmente, Shiba chegou à conclusão de que o homem não poderia trilhar esse caminho sozinho. Ele precisava de alguém que o guiasse.
“Você prometeu defender a humanidade,” disse Shinsei. “Agora precisará provar ser capaz de cumprir sua palavra… por toda a eternidade.”
O Caminho do Homem
Shinsei.
Meses depois, quando o Império finalmente se rejubilava por sua vitória contra Fu Leng, Asako preparava-se para casar seu filho com a filha de Isawa. Na varanda de seu palácio, Asako olhava a luz noturna iluminar os rokuganeses em festa pela derrota de seu pior inimigo. Às suas costas, uma voz familiar lhe disse.
“Você sempre me pareceu adorável sob a luz do luar, Asako.”
A voz era familiar, mas não o era o corpo que agora a emitia. Seus cabelos e seu rosto eram como os dos filhos de Shiba, suas roupas portavam as cores da Fênix, mas o que via era alguém que mal conhecia. Entretanto, seus olhos a observavam como os de um amigo íntimo.
“Shiba?”
“Tenho muitas coisas a lhe dizer, Asako.”
“Mas como você está aqui? E por que você se parece com Tzusaki?”
“Eu sou Shiba e também sou Tzusaki, filho de Shiba. Somos… ambos.”
Suas palavras a confortaram, apesar da situação ser completamente inesperada e, aos olhos de Asako, inexplicável.
“Asako, ouça atentamente. Eu tenho um presente que todo homem mortal deverá conhecer. Alguém precisará protegê-lo até que vocês possam estar preparados para ele. Alguém precisa guiá-los no Caminho.” Suas palavras a levavam pelos mais incríveis caminhos e ideias, conceitos que ela não podia sequer imaginar, mas que conseguia ler nos olhos de Shiba.
“A humanidade é a chave para a grandeza, Asako. Ela sozinha pode enfrentar as forças que aterrorizaram o Império. Ela sozinha pode forjar a história e entender a medida da mortalidade. Eu estou aqui para mostrá-la como guiá-los. Eu estou aqui para lhe entregar o futuro…”
Asako era uma das seguidoras de Shiba no início do Império. Perdeu duas vezes seu marido Yogo, primeiro para uma maldição lançada pelo próprio Fu Leng quando o enfrentou nas Terras Sombrias, depois para o escorpião Bayushi, quando seu marido amaldiçoado foi salvo do seppuku pelo Grande Kami a custo de seu juramento de lealdade ao Clã dos Segredos. Seu desejo passou a ser ter apenas uma vida calma em sua casa com seu filho, mas a visita de Shiba no corpo de Tzusaki mudou sua vida para sempre. Deu-lhe um propósito maior do que poderia imaginar, maior que a vida de um único indivíduo: o caminho de toda humanidade, o Caminho do Homem.
Sob os olhos do restante do Império, os descendentes dos filhos de Asako são apenas historiadores preocupados em registrar os feitos dos heróis. Algumas vezes, suas palavras crípticas e seu olhar profundo assemelham-se ao de monges ise-zumi. Não seria simplesmente um estudo dedicado e uma postura exótica que chamaria a atenção para mais uma família de Rokugan, por isso ninguém fora da família suspeita do verdadeiro propósito dos Asako.
Secretamente, os Asako carregam consigo um mistério trazido pelo próprio fundador do clã, um segredo capaz de refazer a ligação entre Céu e Terra, humano e divino, homens e Fortunas. O que Shiba viu é um caminho que pode fazer o homem elevar-se ao máximo e, por seu próprio esforço, não apenas tocar o Paraíso, mas habitá-lo. Foi isso que ele passou a Asako na noite em que se reencontraram e é esse o Grande Segredo escondido até mesmo dos Isawa.
Esse Segredo é guardado nas livrarias Asako em pergaminhos criptografados, decifrados apenas usando técnicas secretas aprendidas dentro da família. Todos aqueles que passam pelo Caminho do Homem iniciam seus estudos como historiadores comuns nas Bibliotecas Asako, mas somente os que demonstram o verdadeiro potencial para caminhar são selecionados ocultamente por seus professores e ensinados individualmente para se tornarem henshin.
Alguns henshin resumem seus estudos à contemplação e isolamento, enquanto outros preferem aplicar o conhecimento diretamente na vida. “Uma virtude não testada não é uma virtude de fato,” já dizia a própria Asako. Vagando como monges errantes, esses homens muitas vezes possuem muito mais idade que aparentam, pois o próprio Caminho consegue preservar sua saúde e longevidade. Ao final de sua peregrinação, estes homens iluminados estarão prontos para literalmente subirem aos céus, como pequenas Fortunas.
O Caminho dos Elementos
Shiba Ningen, Mestre Elemental do Vazio.
No Alvorecer do Tempo, antes mesmo do mundo constituir forma, havia um redemoinho de poder sem substância que em nada se assemelhava ao Ningen-do, o mundo mortal que abrigaria os seres humanos em seguida. Este redemoinho encontrava-se no limite entre os mundos espirituais e continha todo o potencial para as coisas que existiriam no plano terrestre.
Do redemoinho, cinco raças poderosas e inteligentes surgiram, cada uma delas trazendo em si um aspecto do mundo que depois se manifestaria como um dos elementos: Zokujin, que carregava em si a dureza da Terra; Kenku, que trazia a sutileza do Ar; Troll, que portava o calor do Fogo; Ningyo, que conduzia a fluidez da Água; e Kitsu, que abrigava a essência do Vazio. Cada Raça trazia uma poderosa magia associada ao principio que representava. Não tardou muito a elas se encontrarem e descobrirem que podiam combinar suas forças e criar substância do potencial inerente do turbilhão. Do Caos desejaram que nascesse algo, um mundo concreto para habitar.
Pelas Cinco Raças foram criados os cinco elementos e por elas eles foram combinados para darem origem a tudo que existe no mundo material, inclusive a vida. Quando os Grandes Kamis, os filhos do Sol e da Lua, desceram ao Império, as Cinco Raças já haviam se degenerado e sua grande civilização havia há muito se perdido. Os remanescentes não eram mais que sombras, borrões da grandiosidade de outrora. Entretanto, os elementos por eles criados permaneceram no mundo, desenvolvendo cada um seu próprio espírito, uma parcela da consciência original de quando foram constituídos. Essas consciências individuais existentes em todos os elementos são os kami que os shugenja contatam.
Não se sabe quando surgiu a ligação entre os homens e os kamis, mas no princípio da humanidade ela já existia. Mesmo antes do Império se consolidar e a casta samurai existir, alguns homens já desenvolviam a capacidade de conversar com os kamis e obter deles benefícios, uma ação chamada vulgarmente de magia.
O dom de conversar com os elementos é raro, mas ocorre em qualquer lugar de Rokugan e em qualquer classe social. Uma afinidade natural com os animais, uma sorte incomum, uma capacidade inata de cura ou mesmo uma habilidade de prever situações como chuvas, pragas e terremotos são indicadores de um shugenja em potencial. Quando essa aptidão é percebida em samurais, naturalmente há um encaminhamento para uma escola de shugenja para que esse dom possa ser útil ao clã. Quando é percebido em pessoas de castas mais baixas, entretanto, há famílias de shugenja (como os Kuni e as Moshi) que adotam essas crianças prodígio, enquanto outras (como os Kitsu e os Isawa) as encaminham à Irmandade de Shinsei entendendo que seu dom com os elementos os auxiliará a chegar à iluminação.
Talvez por serem descendentes de Isawa e Shiba, o homem e o Kami que estiveram mais próximos do limite que um mortal e um imortal poderiam alcançar, os membros do Clã da Fênix estão entre os mais agraciados com habilidades mágicas do Império. Para a família Isawa, conversar com os elementos é um dom de sangue e tradição. Para os Shiba, tocar a eternidade com seus espíritos é uma prática e um ritual, repetido constantemente para fortalecimento de suas mentes e seus espíritos para melhor servir a família Isawa. Para os Asako, o homem não precisa dos Deuses para ser divino e entre seus próprios filhos pode apontar aqueles que transcenderam o caminho do mundo para, pelo Caminho do Homem, alcançar a imortalidade.
O Primeiro Shugenja
Atribuído a Isawa.
Muito depois das Cinco Raças terem se degenerado, os homens, nascidos das lágrimas de Lady Sol e do sangue de Lorde Lua, espalharam-se e dominaram a Terra.
Entre eles havia um muito especial, chamado Isawa. Quando os Grandes Kamis reuniram para si humanos para lhes servir, Isawa os observou cuidadosamente. Enquanto seus iguais curvavam-se perante aqueles que lhes pareciam Deuses caminhando sobre a Terra, Isawa questionava seus irmãos e irmãs: “O que os faz merecedores de nossa servidão?” Com sua família, partiu para o local que se tornou depois Otosan Uchi e lá criou sua cidade.
Apesar de primitivos, os desenvolvimentos feitos por Isawa e seus concidadãos eram impressionantes para a época. Em sua cidade, habitações, tecnologia, religião e mesmo magia, discutida e praticada em suas formas mais elementares, impressionavam os homens menos desenvolvidos do restante do Império. Na cidade de Isawa, os kamis dos elementos eram reverenciados e mesmo as Fortunas, os primeiros servos do Sol e da Lua, ali eram cultuadas e adoradas como pequenos e benevolentes Deuses.
Quando o exército de Fu Leng iniciou sua guerra ao Império a partir do Sul, os concidadãos de Isawa pouco se importaram, dado a distância de sua cidade à zona do conflito. Entretanto, pouco tardou até que os demônios do Kami Negro batessem à sua porta. Eles até tentaram proteger sua cidade com magia, mas a ferocidade e a quantidade de crias de Fu Leng excediam suas capacidades de defesa.
No dia em que a irmã mais nova de Isawa foi assassinada por um terrível oni, Shiba e Shinsei chegaram à cidade para pedir o apoio do grande shugenja na luta contra Fu Leng. Nos portões da cidade, a filha de Isawa encontrou-os com um brilho estranho no olhar. “Meu pai não pode vê-los,” disse. De frente à pira central, o shugenja erguia suas mãos para o ar e entoava uma estranha canção. De seus pulsos, voava sangue vermelho como o sol nascente. Ao redor da cidade, próximo aos seus muros, os mortos erguiam-se despertados pelo sangue e pelo poder da magia de Isawa, muito antes dos rokuganeses darem a essa arte o nome de maho.
“Sem a força de nossos irmãos e irmãs,” disse Isawa, “não teríamos esperanças de sobreviver ao mal que vocês trouxeram até nós. É da natureza dos Filhos da Terra sobreviver – não importa a que custo. Se sacrificarmos mesmo nossas almas, preservaremos a vida de nossos filhos.” Shiba voltou-se para o shugenja e lhe respondeu: “Se sua preocupação é com seus filhos, então não se preocupe com seus corpos, mas com seus espíritos.”
Antes que as palavras trocadas levassem a um conflito, o pequeno monge deu um passo à frente e lhes disse: “Sangue chama mais sangue,” murmurando em seguida “mas há outra maneira…”
Por uma noite inteira Shinsei e Isawa conversaram. E, ao final, um acordo foi feito. Isawa iria com Shinsei às Terras Sombrias lutar contra Fu Leng, se Shiba prometesse que ele e seus descendentes iriam para sempre proteger a cidade. Para selar o acordo, Isawa jurou lealdade à descendência de Shiba, mas com uma condição:
“Eu não sou seu empregado, e não quero que meu povo pense que eu os vendi como escravos. Se meus filhos serão leais à sua linhagem, então você deverá se curvar a mim enquanto lhe ofereço meus serviços.”
Para outro imortal, tais palavras seriam um insulto e um sacrilégio. Para Shiba entretanto, se o preço de vencer Fu Leng e impedir que o Império como um todo caísse em desgraça fosse esse, o pagaria sem hesitar. Imediatamente e sem pestanejar, Shiba colocou-se de joelhos.
Os Filhos de Agasha
Dos diários de Lady Agasha.
A família Agasha foi fundada por Lady Agasha no topo das montanhas… mas não as montanhas da Fênix. Agasha era um dos seguidores de Togashi quando o Grande Kami se isolou do restante do mundo e com ele foi para os picos mais afastados de Rokugan.
Lá, sua família desenvolveu uma técnica singular: seu estudo dos elementos lhes fez descobrir formas de manipulá-los e alterar sua substância, permitindo a transição de um elemento para outro. Apesar de tal técnica ser vista quase como herética por outros clãs, o Dragão com sua postura exótica abraçou a arte dos Filhos de Agasha e viu nelas um grande artifício para a paz e para a guerra. Através dos elixires produzidos pela alquimia Agasha, chamados de mizugusuri, era possível tanto cultivar arroz no infértil terreno rochoso das montanhas quanto guardar feitiços para serem usados de maneira instantânea quando a situação assim necessitasse.
A saída dos Agasha do Dragão deu-se durante uma das cismas do clã provocadas pelas ações insanas de Lady Hitomi. Dominada pela parcela da Escuridão Enganosa escondida dentro da Mão de Obsidiana, Hitomi tomou diversas decisões inescrupulosas, entre elas a execução de todos que lhe fizessem oposição dentro do Dragão. Isso suscitou a revolta de Agasha Gennai, um dos grandes nomes da família Agasha nessa época. Com ele, a maior parte da família migrou para as montanhas da Fênix, deixando apenas uma pequena parte para trás, liderada por Agasha Tamori, que constituiria no futuro a família Tamori do Dragão. Como o Clã da Fênix estava praticamente devastado pelas batalhas da Guerra dos Clãs, a adição da família Agasha ao seu front de batalha foi como uma bênção dos céus.
Essa ação dos Agasha, obviamente, despertou a ira de uns (especialmente os Tamori, que os consideram como traidores) e a compreensão de outros, que viram na atitude dos Agasha a mesma rebelião contra um líder louco que o próprio Império deflagrou contra seu Imperador dominado por Fu Leng. De qualquer forma, a família evita expor-se publicamente, ficando a maior parte do tempo possível nas terras da Fênix e estudando em seus laboratórios. Qualquer atitude provocativa poderia causar problemas àqueles que lhes acolheram e, por isso, os Agasha evitam perturbar a paz do clã mais pacífico do Império.
Fênix que caíram e Fênix que renasceram
O nascimento de Isawa Ujina já foi cercado de mistério: quando um pássaro entrou no seu quarto quando nasceu, os shugenja que viam seu destino quase tomaram tal sinal como auspicioso, se o pássaro não fosse da cor errada. Já jovem, Ujina demonstrou grande habilidade com os elementos, especialmente com o mais desconhecido deles, o Vazio. Não tardou para que os pais de Ujina recebessem o Mestre Elemental do Vazio em suas casas querendo acolhê-lo como seu discípulo.
Seu desenvolvimento foi notável e, após seu gempukku, Ujina dividia seu tempo entre Kyuden Isawa e visitas para tomar chá com seu mestre. Entre mestres e camponeses, Ujina despertava a simpatia de todos com seus modos suaves e sua sabedoria humilde.
Foi uma promessa de casamento que selou o seu destino. Em um acordo com a Garça, Isawa Ujina foi prometido em noivado a Doji Ninube, uma linda e graciosa mulher criada para plenamente entendê-lo e amá-lo. Em uma visita à família de Ujina, Ninube foi capturada no translado, caindo nas garras de crias da Escuridão Enganosa. Auxiliado por um magistrado inteligente chamado Kitsuki Kaagi, Ujina localizou o paradeiro de Ninube e foi salvá-la, mas a custa de terríveis batalhas que arrancaram seu braço direito e causaram ferimentos que marcaram para sempre metade de seu corpo. Ninube, por sua vez, foi resgatada e parecia estar segura. Finalmente, ambos puderam se casar.
Entretanto, o mestre de Ujina viu que havia algo de errado com a esposa de seu antigo aluno. “Eu não a conheço,” disse ele. “Eu conheço cada seixo de pedra que rola nas profundezas do mar do sul de Rokugan. Eu conheço cada formiga que nasce e morre sob as fundações deste castelo. Eu conheço cada nascer do sol quando ele ocorre. Mas eu não conheço sua esposa. Você a conhece?”
Apenas quando Ninube deu a luz ao seu primeiro filho que Ujina descobriu a verdade. No seu quarto à noite, com sua recém-nascida filha nos braços, Ujina viu no lugar de sua esposa uma criatura horrível, feita de pura matéria negra saída dos pesadelos. A criatura o envenenou e foi derrotada, mas o bebê em seus braços parecia ter uma estranha escuridão preenchendo seus olhos. “Seu nome será Kaede,” disse Ujina, e a escuridão nos olhos da criança desapareceu. No dia seguinte, seu Mestre o visitou e disse: “Você viu por trás da sua última ilusão. Você é o Mestre do Vazio agora.”
A vida de Ujina prosseguiu por muitos anos, mas o fragmento da Sombra deixado nele dominou sua mente e seu corpo progressivamente. Aos poucos, o jovem e vivaz Ujina cedeu lugar a um homem amargurado e taciturno. Nem mesmo o segundo casamento e o nascimento de seus outros filhos, Tadaka e Tomo, afastou a tristeza que dominava seu olhar. Tornou-se com o tempo o Sem Nome, uma figura que parecia assombrar os cantos de Kyuden Isawa.
À procura de sentido para si, Ujina buscou formas de encontrar e lutar contra as máculas das Terras Sombrias que afligiam os homens. Criou um pequeno séquito de seguidores, mas acabou por compartilhar com eles tanto seu conhecimento quanto a mácula sombria que trazia dentro de si. Por fim, faleceu nas batalhas do Segundo Dia do Trovão, enquanto seu séquito durou um pouco mais, até a Guerra Contra a Sombra.
Resoluto e sombrio, Isawa Tadaka era um homem desde sempre destinado a ser um dos maiores shugenja de sua época. Filho de Isawa Ujina, Mestre Elemental do Vazio, e irmão dos incríveis Isawa Kaede e Isawa Tomo, futuros Mestres Elementais do Vazio e da Água, o pequeno e reservado Tadaka teve uma boa infância, crescendo sobre o ombro de gigantes.
Entretanto, foi fora das terras da Fênix que Tadaka realmente encontrou seu caminho. Uma noite, em sonho, seu ancestral Isawa Akuma lhe visitou, contando que fora enganado e preso por um oni que usou o seu nome, tornando-se Akuma no Oni, um adversário terrível que caminhava livre pelas Terras Sombrias, podendo ameaçar o Império a qualquer momento. Enquanto seu corpo transitava sem impedimento, o espírito do oni torturava a alma de Akuma no Jigoku, impondo-lhe as mais terríveis dores e o pior dos sofrimentos. Cabia a Tadaka buscar o demônio nas Terras Sombrias e libertar seu ancestral.
Depois de muita pesquisa junto ao Clã do Caranguejo, nenhuma pista do monstro foi encontrada, apesar de suas crias serem numerosas e aparecerem em vários lugares. Por fim, Tadaka decidiu ele mesmo entrar nas Terras Sombrias e, em frequentes e numerosas incursões, algumas vezes sozinho, Tadaka enfrentou todo o tipo de monstros sem encontrar nenhuma pista de seu objetivo. Muitos diziam ser impossível, a esta altura, que Tadaka já não estivesse maculado.
A ausência de Tadaka nas terras da Fênix e suas notórias incursões às Terras Sombrias despertaram a ira do seu mestre, Isawa Rujo, Mestre Elemental da Terra. Rujo desafiou Tadaka para um duelo mágico para fazer valer sua autoridade, e perdeu.
A arrogância e a derrota de Rujo surpreenderam o Conselho dos Cinco, que acabou por convidar Tadaka a assumir a cadeira de Mestre Elemental da Terra. Tadaka aceitou, vendo nisto a possibilidade de acesso a um conhecimento e influência que o ajudariam em sua missão. Quando assumiu seu posto como Mestre Elemental, Tadaka requisitou para si um yojimbo, uma jovem e proeminente samurai chamada Shiba Tsukune.
Quando Fu Leng lançou seus lacaios sobre Rokugan junto com o Clã do Caranguejo, o Conselho dos Cinco enviou Tadaka às Terras Sombrias para conhecer o que pudesse sobre seu inimigo. Ele não retornou por meses. Ao voltar, disse que o único meio de impedir que o Império entrasse em colapso seria acessar os conhecimentos dos Pergaminhos Negros. Convenceu três dos Mestres Elementais a abri-los e convocar um oni que levaria seu próprio nome, mas que seria útil para fazer frente às hordas das Terras Sombrias. Tadaka no Oni foi criado, mas não sem a custa das almas de dois dos Mestres Elementais. Apenas Tadaka, com seu conhecimento da magia da terra, pôde resistir ao controle da mácula.
Vendo que sua iniciativa poderia ter causado a ruína completa de seu próprio clã, Tadaka resolveu liderar os Fênix remanescentes contra o exército das Terras Sombrias e contra o maculado Mestre do Fogo Isawa Tsuke, derrotando-o. Surpreendentemente, o descendente de Shinsei chamou-lhe para ser o Trovão da Fênix contra Fu Leng, que agora habitava o corpo do Imperador. Em sua luta contra o Kami Negro, Tadaka faleceu, mas sua alma ficou livre da mácula e pode ascender ao Yomi, o Reino dos Ancestrais, de onde vigia seu clã.
Por Fábio Firmino
Equipe REDERPG