Lenda dos Cinco Anéis: Os Grandes Clãs: O Sutil Escorpião

Bayushi Hisako, bushi do Escorpião.

Do livro “A Promessa de Bayushi”, de Bayushi Namaru.

Nas sombras, Bayushi sentou-se perfeitamente imóvel. Em suas mãos estava a carta com uma caligrafia rabiscada às pressas, implorando por sua audiência e discrição. Seu irmão sentou-se diante dele, seus olhos se encheram com a luz da ansiedade.

Bayushi olhou para a carta de novo, lendo suas palavras. Então, ele olhou de volta para seu irmão, seus lábios se separando por apenas um momento.

“O que você pede a mim”, Bayushi disse, com a voz como um sussurro na escuridão, “é sacrificar o meu nome e os nomes de todos aqueles que me seguem.”

Ele se levantou, caminhou pelo quarto pequeno, a cabeça pendente com o peso da decisão.

“Nenhum outro pode fazer o que eu peço a você, meu irmão.”

Bayushi olhou para cima quando seu irmão falou. Ele continuou.

“Eu não posso pedir a Akodo. Ele não tem a coragem. Eu não posso pedir a Doji. Ela é muito refinada. Não posso pedir a Hida. Ele é obcecado com sua Muralha. Eu não posso pedir a Shiba. Sua mente não está no prático. Shinjo se foi pelas montanhas, mas ainda assim, seu coração é demasiado sensível para esse trabalho.”

“E quanto a Togashi?” Perguntou Bayushi.

O Imperador hesitou. “Não. Porque… porque eu não confio nele.”

Bayushi assentiu. “Nem eu.”

Fez-se silêncio entre os dois irmãos e Bayushi ajoelhou-se nas sombras novamente.

“Você é o único, Bayushi.” O Imperador ajoelhou-se para frente. “O único em que eu confio para fazer esse trabalho. Esse trabalho vil e desprezível.”

Bayushi assentiu. “Eu entendo.” Ele se levantou e caminhou até seu irmão.

“Aceito.” Ele devolveu a carta ao seu irmão, mas arrebatou-a de volta, quando estendeu sua mão para ele.

“Eu vou ser seu vilão, Hantei.” Ele pausou. “Mas se você me trair…” Ele parou de novo. “Nós nunca nos enfrentamos em uma disputa, irmão…” Bayushi começou.

Hantei terminou. “E eu rezo para que nunca o façamos.”

Rokugan, o Império Esmeralda. Terra de bravos samurais e camponeses trabalhadores. Terra de homens que devotaram sua vida ao estudo e prática do bushido, o código de honra do guerreiro. Homens leais ao seu clã e ao Império, sempre preocupados com a correção de suas atitudes, cumprindo rigorosamente o código que lhes exige a palavra honesta, a coragem inabalável frente à morte e o desapego aos bens materiais. Sob os olhares atentos dos Deuses e de seus Ancestrais, os homens forjam no fogo das adversidades da vida o aço de seus corações e o valor de seus espíritos. Nada importa mais a um samurai do que seu Imperador, seu clã e sua honra.

Para um Escorpião, nada poderia estar mais longe da verdade.

Desde cedo, os samurais do Escorpião são bem educados nos valores, regras e sutilezas da sociedade rokugani, como qualquer samurai de um clã bélico como o Leão ou refinado como a Garça. Entretanto, sua instrução vai um pouco mais além. Um samurai do Escorpião aprende ainda jovem a desfazer toda essa construção social ensinada às outras crianças, enxergando o coração dos homens por trás das máscaras que usam.

Os Escorpiões são orientados desde crianças a ver que o valor de um samurai está em suas realizações, não no que dizem dele; que o bushido é apenas um ideal inalcançável; que o reconhecimento social é uma falácia e que a honra nada mais é que um meio com que homens inescrupulosos justificam suas ações vis.

O Escorpião sabe que a vilania existe no coração de todo homem: imperador, samurai ou camponês. Ao assumir isso, toda ilusão social cai. Compreendendo a honra como ela realmente é na prática, o Escorpião pode transcendê-la. Mais que ser limitado por ela, um samurai do Escorpião sabe que a honra pode se tornar uma ferramenta útil para ele atingir o que realmente é importante e valioso.

Por exibir sua máscara publicamente e desafiar abertamente a honra de homens orgulhosos, o Escorpião atraiu para si a suspeita dos outros clãs. A preocupação com sua imagem faria um samurai responder a qualquer questionamento ao seu valor com ações audazes ou duelos mortíferos. Os Escorpiões, entretanto, não se importam de serem considerados vilões ou indignos de confiança. De fato, eles contribuem conscientemente para manter essa reputação. Afinal, esse é o legado de seu ancestral, que eles abraçaram com todas as suas forças.

Ser um vilão é o estigma que eles têm que carregar. O preço da malícia é a desconfiança.

 

“Quão facilmente os homens são corrompidos, e quão difícil é fazê-los serem justos.”
Bayushi Tangen.

O Escorpião e o Sapo

Bayushi, o primeiro Escorpião.

Bayushi, o primeiro Escorpião.

Há uma antiga história que define bem a postura de Bayushi, o primeiro Escorpião filho do Sol e da Lua, junto aos seus irmãos. Após ouvir essa história em sua formação, os samurais do clã assumem o legado e a sabedoria de seu ancestral e seguem pelo Império ocultos sob sua aparência frágil, em busca de sapos ingênuos para enganar.

Quando os Filhos do Sol e da Lua decidiram fazer seu grande torneio para decidir quem iria governar, Bayushi sentou-se e observou seus irmãos e irmãs lutarem, até que Shinsei se aproximou dele. Bayushi dirigiu-se ao sábio estrangeiro: “Pequeno mestre, eu tenho um pergunta a lhe fazer.”

Shinsei nada disse, mantendo-se concentrado no torneio.

Bayushi continuou: “Eu desejo vencer o torneio, mas não sei se minha estratégia me levará muito longe.”

“Existe mais de uma maneira de se vencer uma disputa,” respondeu Shinsei.

Bayushi sentou-se próximo a Shinsei e pediu: “Conte-me.”

Shinsei assentiu e começou a narrar sua fábula. “Havia uma vez um pequeno sapo que vivia na margem de um rio. Um dia, um escorpião queria atravessá-lo e perguntou se o pequeno sapo poderia carregá-lo para o outro lado do rio.”

Bayushi sorriu: “Eu conheço essa história, pequeno mestre.”

Shinsei franziu as sobrancelhas: “Tem certeza?” Ele parou por um momento, continuando a observar o torneio. Bayushi ficou em silêncio e esperou-o continuar.

Shinsei prosseguiu: “O escorpião disse ao sapo: ‘Carregue-me para o outro lado do rio.’ O sapo disse, ‘Eu não vou. Porque, se o fizer, você irá me aferroar.’ O escorpião disse, ‘Não vou. Se o fizer, ambos cairemos no rio.”

Bayushi assentiu impacientemente. “Sim, sim. Eu já ouvi essa história.”

Shinsei franziu as sobrancelhas novamente. “Tem certeza?” Ele esperou por um momento, ainda assistindo ao torneio. Bayushi ficou em silêncio novamente e esperou que ele continuasse.

“O sapo viu sabedoria nas palavras do escorpião, então permitiu que ele subisse em suas costas e começou a nadar cruzando o rio. Mais ou menos na metade do caminho, ele sentiu uma ferroada dolorosa em suas costas…”

O primeiro Escorpião não conteve sua ansiedade. “Sim, sim, eu conheço essa história!” Bayushi exclamou.

Finalmente, Shinsei deixou de olhar para o torneio e voltou-se para encarar Bayushi nos olhos. O Escorpião fez silêncio, dizendo com voz baixa em seguida: “Desculpe-me, pequeno mestre. Por favor, continue.”

Shinsei voltou os olhos novamente para o torneio. “O sapo sentiu o veneno do escorpião dirigir-se para o seu coração e, à medida que sentia a morte se aproximar, ambos começaram a afundar na água fria.” Shinsei parou por um momento, mas Bayushi permanecia em silêncio. “Assim que seu nariz ficou acima das ondas, o sapo disse, ‘Escorpião, agora iremos ambos nos afogar!’ Mas o escorpião sorriu…” Shinsei parou novamente e virou o olho para Bayushi “… e disse ‘Mas pequeno sapo, eu posso nadar.’”

Bayushi arregalou seus olhos com a expressão paralisada de surpresa. Então, devagar, ele começou a sorrir. “Eu entendo, pequeno mestre.”

Shinsei abruptamente deu um golpe rápido com seu bastão de andarilho atingindo a boca de Bayushi. Seus lábios se cortaram e o sangue começou a jorrar. Bayushi caiu sobre seus pés e pôs as mãos sobre seu rosto. “Por que você fez isso?” ele disse entre seus lábios machucados.

“Dor é a única recompensa do mentiroso. Seus lábios me disseram uma coisa e seus olhos me disseram outra. Eu tinha que responder a apenas um deles, então respondi à sua boca mentirosa.”

Bayushi ficou em silêncio enquanto seu sangue caía na terra. E lentamente – dolorosamente – ele sorriu. Arrancou um pedaço de seu robe, colocou-o por sobre sua boca, dirigiu-se ao torneio e… perdeu de propósito.

Então, retornou a Shinsei e curvou-se profundamente ao pequeno mestre. Shinsei assentiu. “Agora você sabe como nadar.”

Máscara, Disfarce.

Máscara, Disfarce.

O Clã dos Segredos

Suborno, chantagem, sedução, insinuação, tudo isso faz parte do leque de ferramentas que os samurais do Escorpião utilizam para atingir seus objetivos além do fio da espada. O daimyo do clã costuma ser denominado o ‘Senhor dos Segredos’ e comanda uma das maiores redes de espionagem e tráfico de informações que existem em Rokugan.

Para cumprir sua grande tradição de descobrir aquilo que os outros clãs tentam desesperadamente esconder, o Escorpião se utiliza de espiões disfarçados, ninjas sorrateiros, cortesãos chantagistas e todo o tipo de agentes de informação possíveis, controlando desde rotas de comércio importantes até casas de gueixas e prostitutas onde samurais valorosos relaxam e retiram suas máscaras sociais. As palavras doces dos lábios de uma gueixa podem terminar guerras mais facilmente que um exército de mil homens.

Shosuro Makiko, uma cortesã do Escorpião.

Shosuro Makiko, uma cortesã do Escorpião.

Estranhamente, o Escorpião guarda alguns de seus segredos à vista, como uma maneira irônica de mostrar sua ‘honestidade’. O gempukku de um Escorpião, por exemplo, não é uma cerimônia secreta. Convidados de todos os clãs são chamados e até mesmo estrangeiros podem participar. O candidato à maioridade é apresentado a cada um dos convidados dizendo seu nome, família, antepassados, sensei e dojo. Além disso, ele entrega a cada convidado um presente feito pelas suas próprias mãos.

Durante as festividades do gempukku, todos são convidados a beberem em profusão e retirarem suas máscaras, para que o ambiente fique mais agradável e familiar. Ao candidato é dada a incumbência de atender aos convidados da melhor maneira possível, sendo agradável e demonstrando o tempo todo simpatia e amabilidade.

Depois que todos os convidados externos se retiram, a verdadeira cerimônia de gempukku começa. Sem ter sido avisado previamente, o candidato é levado a uma sala secreta pelo sensei e questionado sobre o nome de cada convidado e sua reação ao seu presente. Também lhe é perguntado sobre o comportamento de cada participante e possíveis segredos descobertos durante a festividade. Se as respostas forem satisfatórias, o candidato atinge a maioridade e ganha sua primeira máscara.

Segredo.

Segredo.

As Famílias do Escorpião

Entretanto, mesmo o clã dos segredos não conhece todos eles. Há segredos ainda mais antigos e obscuros que o Escorpião ou mesmo o Império. Segredos que se infiltraram no clã e contaminaram suas fileiras. Sombras que dançam no meio de sombras.

Na composição das famílias do Escorpião, um ser antigo se incutiu e se escondeu. Seduziu o grande kami Bayushi ganhando seu coração e, por pouco, quase ganha sua alma. Quem está disposto a lidar com as sombras dos corações dos homens também deve estar preparado para enfrentar as suas próprias.

Os Bayushi, a Face do Clã das Máscaras

“Sem dor. Sem lágrimas. Sem arrependimento.”
Bayushi Kachiko

A família Bayushi centraliza e coordena todas as atividades do Clã dos Segredos. Descendentes do Bayushi original, eles são, sem sombra de dúvida, a “cabeça” do clã, comandando e supervisionando a grande teia de intriga e espionagem que alimenta o Escorpião com informações e aliados. Desde o primeiro Escorpião, tem sempre um Bayushi sentado no trono como daimyo.

Bayushi Shoju (ao centro), Bayushi Kachiko (à esquerda) e Bayushi Aramoro (ao fundo).

Bayushi Shoju (ao centro), Bayushi Kachiko (à esquerda) e Bayushi Aramoro (ao fundo).

Os Bayushi são treinados a serem exímios espadachins e cortesãos sagazes. Sua excelência no domínio da espada e do leque (simbolizando, respectivamente, o lado guerreiro e o lado cortesão de todo samurai) os torna terríveis inimigos dentro e fora do campo de batalha. Usando táticas de combate desonestas e insinuando-se nas cortes, a família Bayushi se tornou a imagem do grande vilão de Rokugan, o inimigo por excelência, o terrível antagonista tanto nas histórias contadas em poemas e peças de teatro quanto nos contos reais dos diários dos cortesãos. Isso chama a atenção dos inimigos do clã aos Bayushi, exatamente como eles querem que seja.

Ser um chamariz da vilania é bom para os Bayushi e para o Escorpião. Enquanto um Bayushi atrai a atenção para si em uma corte insinuando intrigas e conspirações, espiões Shosuro furtivos podem descobrir as informações relevantes, plantar pistas falsas ou mesmo envenenar e assassinar os verdadeiros alvos. Ao mesmo tempo, shugenjas Soshi lançam mágicas sutis que ajudam a colocar determinadas personalidades importantes em situações embaraçosas, permitindo que os Bayushi descubram e usem de chantagens para atender aos interesses do clã. A ação de um Escorpião sempre vem de onde menos se espera. Enquanto as pinças (os Bayushi) agem, o ferrão pode esperar o momento certo para dar o seu golpe mortífero.

É claro que os outros clãs sempre verão o Escorpião como a epítome da traição, afinal, não há honra entre ladrões. Mas nenhum esquema como este funcionaria sem o total comprometimento de cada membro do clã. De fato, apesar de aparentemente desdenharem de todo o código de honra do samurai, o Escorpião é especialmente devotado a um princípio em especial: a Lealdade. Tudo que o Escorpião faz é por lealdade ao clã, ao seu daimyo, ao Imperador ou ao Império. Desde o primeiro Bayushi, que aceitou a desonra de seu nome e do de seus descendentes para servir ao primeiro Hantei, o Escorpião estará sempre disposto a fazer o trabalho sujo a custa de sua honra, por pura e incondicional lealdade. Ironicamente, sua lealdade quase nunca é reconhecida e muitos Escorpiões célebres foram considerados traidores do Império por terem levado esse princípio às suas últimas consequências.

Lealdade.

Lealdade.

Ainda assim, há casos de verdadeiros traidores dentro do clã. Os poucos que se atrevem não tardam a ser descobertos, afinal, é difícil esconder uma traição do clã mais habilidoso em descobrir segredos. Para os traidores, o Escorpião guardou um lugar especial, chamado Hayashi no Uragirimono, ou “Bosque dos Traidores”. Localizado ao sul do Palácio Bayushi, o Bosque dos Traidores é um dos piores locais de punição de todo o Império. Em um ritual extremamente doloroso, a alma do traidor ainda em vida é ligada permanentemente a uma das árvores do bosque enquanto seu coração é lentamente transpassado por uma faca especial. Os espíritos dos velhos desleais ao Escorpião ainda rondam o bosque, como uma lembrança a cada Escorpião do destino que os aguarda caso queiram trair seu clã.

Uma Sombra chamada Shosuro

Shosuro Tagiso, um ninja da família Shosuro.

Shosuro Tagiso, um ninja da família Shosuro.

Enquanto vagava pelo Império com seu cavalo imponente e sua armadura, Bayushi procurava por aliados que estivessem preparados para a difícil tarefa que seu irmão lhe impôs. Ao passar por uma cidade, encontrou numa estrada um jovem de olhos brilhantes que estava sentado brincando com truques de mágica com suas mãos hábeis. Ao ver o belo guerreiro montado, o garoto lhe gritou: “Samurai! Samurai! Leve-me com você!”

“Mas você nem sabe para onde estou indo,” respondeu Bayushi.

“Não importa,” disse o garoto. “Leve-me com você. Eu também quero ser um samurai!”

“Eu não estou buscando homens de honra, pequenino. Estou buscando homens de astúcia.”

O garoto rapidamente ergueu-se orgulhoso e disse: “Eu sou um homem de astúcia!”

Bayushi começou a ficar impaciente com a situação. “Eu não tenho tempo para brincadeiras, garoto. Por que não me fala de um lugar onde possa descansar?”

Então o garoto apontou uma casa de chá que ficava por perto. Bayushi agradeceu, jogou umas moedas a ele como recompensa e dirigiu-se sem olhar para trás para a casa de chá. O garoto viu as moedas caírem no chão e as ignorou, seguindo o samurai à distância.

Bayushi se instalou, tomou banho, comeu e contratou os serviços de uma gueixa à okasan do estabelecimento. Uma gueixa, segundo ela “talentosa em todos os aspectos.” Quando a gueixa entrou em seu quarto e fechou a porta shoji, Bayushi pode contemplar sua beleza que poderia até inspirá-lo à recitar poesia. Foi uma longa e agradável tarde de conversação e canções, que fizeram Bayushi sentir-se bastante relaxado.

Quando a noite avançou e as luzes se apagaram, Bayushi removeu sua tanto e preparou-se para uma longa noite de prazeres e entretenimento. No entanto, subitamente a gueixa jogou para trás seu cabelo revelando uma lâmina escondida em suas costas. Antes que o grande kami pudesse reagir, a jovem já estava sobre ele encostando o fio da adaga em seu pescoço. Uma voz familiar saiu da boca da bela e mortífera gueixa: “Você não estava procurando por homens de astúcia?”

“Você então é o garoto da estrada? Este é um disfarce muito bom,” disse Bayushi. A que a gueixa prontamente respondeu “Quem disse que estou usando um disfarce?”

Shosuro foi o nome dado à gueixa, o garoto, ou quaisquer outros disfarces que ele(ela) assumisse. O nome Shosuro, de fato, é uma corruptela da palavra “shosuru”, que significa apenas “nome”. As lendas não afirmam com certeza sequer qual seja o gênero de Shosuro, algumas vezes apresentando-o como um homem, outras como uma mulher.

De qualquer forma, de todos os seguidores de Bayushi, Shosuro era o que mais tinha seu apreço. Quando Hantei designou Shosuro como o trovão do Escorpião que iria às terras Sombrias enfrentar o kami negro, Bayushi implorou ao seu irmão que mudasse de ideia. Chegou a proibir Shosuro de cumprir a determinação do Imperador. Mas Shosuro não ouviu, e foi o único trovão a voltar, trazendo a mão de obsidiana e os doze pergaminhos de Fu Leng.

A família Shosuro é flexível como seu fundador. Os outros clãs pensavam que ela era composta apenas por hábeis cortesãos e artistas. O Escorpião pensava que a família era formada apenas por seus melhores espiões – capazes de se disfarçar e assumir a identidade de samurais e camponeses através de uma técnica de atuação e maquiagem que chega a beirar a magia – ou por ninjas leais ao clã treinados em infiltração e assassinato, conhecedores de venenos e técnicas mortais para os rokuganeses.

Todos eles estavam errados.

Sombra.

Sombra.

Os Estranhos Soshi

A máscara e as roupas de Shosuro foram queimadas após seu dono desfalecer nos braços de Bayushi depois de seu retorno das Terras Sombrias. Um estranho shugenja apareceu ao lado de Bayushi durante as honras fúnebres ao seu mais amado seguidor. Juntos, ele e o grande kami construíram uma fortaleza secreta, oculta por uma estranha magia que manipulava as sombras. O shugenja assumiu o lugar de Shosuro ao lado de Bayushi. Quando lhe perguntaram seu nome, ele se identificou como Soshi.

Todos pensavam que Shosuro, a grande e hábil criança de Bayushi, o maior e mais talentoso ator que já pisou em Rokugan, havia falecido. Suas honras fúnebres revelavam isso. Shosuro se foi… ou assim pensaram todos.

De fato, Shosuro havia pregado sua mais ardilosa peça em todo Império, simulando sua própria morte. Ao lado de Bayushi e com a identidade de Soshi, Shosuro e o grande kami puderam montar a maior rede de espionagem jamais criada no Império Esmeralda.

Entretanto, Shosuro parecia ter mudado. Agora exibia uma estranha mágica que aprendera nas Terras Sombrias e ensinava aos seus estudantes. Resolveu chamá-la de Tejina e ela envolvia conjurar, manipular e se comunicar com as sombras, como se elas fossem vivas. A arte de Tejina ficou oculta do resto do Império por mais de mil anos, pois provavelmente os Caranguejos e Fênix que a vissem a tomariam como maho.

Soshi Shuuko utilizando Tejina.

Soshi Shuuko utilizando Tejina.

De fato, a magia Tejina que foi desenvolvida por Soshi/Shosuro não era inteiramente uma criação sua. Era um presente, um presente negro, dado por uma entidade mais antiga que o Império e mais vil que o próprio Fu Leng.

Essa entidade é o que restou do Nada que havia antes do Tempo, o mesmo Nada que por seus pecados levou à Criação. Ela está na sombra de todas as coisas, onde nenhuma luz alcança. Tem diversos nomes e, ao mesmo tempo, nenhum, mas algumas vezes é chamada de Escuridão Enganosa.

Quando retornou das Terras Sombrias, Shosuro encontrou um pedaço da Escuridão Enganosa na mão de obsidiana que trouxe junto com os pergaminhos de Fu Leng. Para saber sua própria origem, Shosuro fez um pacto com as Trevas, infiltrando-as secretamente em Rokugan através do Clã do Escorpião. Em um ritual conhecido apenas entre os Shosuro, os novos espiões são apresentados à mão de obsidiana e a tocam, recebendo a marca da sombra em suas almas. A maioria nada sofre, mas um em cada quinze é reclamado pela Escuridão.

Quando a Escuridão Enganosa foi finalmente derrotada na Guerra Contra a Sombra, a mácula sombria, que já impregnava o daimyo da família Shosuro e muitos de seus membros, foi revelada e extraída. Aqueles que conseguiram resistir à tentação sombria foram curados, mas outros já estavam possuídos demais até para manter sua própria identidade e foram mortos ou entraram para a família Goju, os peões da Sombra.

Hoje, as famílias Shosuro e Soshi perderam sua mácula. Seus truques de desaparecimento e disfarce agora dependem apenas de sua técnica e perícia. A família Soshi perdeu o acesso à Tejina, mas desenvolveu no seu lugar uma capacidade de fazer magia sem chamar a atenção.

Os Amaldiçoados Yogo

Traição.

Traição.

Do livro “O Traidor”, de Yogo Anaido.

As sombras da sala eram finas e compridas devido ao sol poente. O shugenja da Fênix ajoelhou-se perante a sua wakisashi e suspirou. Sua cabeça estava pendente e sua respiração era profunda. Seus olhos estavam vermelhos das lágrimas do dia, mas sua tristeza não amortecia sua decisão.

Silenciosamente, o Fênix colocou uma folha de papel em suas mãos, as últimas palavras que ele nunca iria escrever. Então, ele pegou sua wakisashi, libertou-a de seu saya e colocou a ponta contra si…

“Espere,” disse uma voz atrás dele.

O shugenja virou-se com fogo ardendo em sua alma. “Quem ousa…?”

O vulto caminhou para fora das sombras, uma figura que o shugenja conhecia bem. “Sou eu,” ela disse, “Aquele que tudo ousa.”

“Bayushi.” Ele disse o nome entre dentes cerrados.

O Escorpião assentiu. “Sim. Eu soube de seu… dilema. Eu tenho uma solução menos dolorosa.”

Subitamente, a raiva do shugenja foi afastada e a esperança foi posta em seu lugar. “Você sabe como remover a maldição?”

Bayushi balançou sua cabeça. “Não. Este conhecimento não está a meu alcance.”

O shugenja subitamente percebeu que estava de pé. Seu queixo caiu sobre o peito novamente e as forças em suas pernas falharam. Ele caiu sobre o solo, chorando.

“Maldito!” ele gritou como se a lua pudesse ouvi-lo. “Amaldiçoado para sempre!”

“A trair aquele que mais ama,” Bayushi completou.

O shugenja assentiu. Ele soluçou por um tempo, então seu punho cerrou sobre a lâmina a sua frente. “Se ao menos…”

“Se ao menos?”

“Se ao menos eu pudesse fazê-los…”

“Fazê-los pagar?”

O shugenja olhou para cima. Bayushi podia ver o ódio nos olhos do homem, mesmo na escuridão. “Sim, faça-os pagar. Todos eles.”

O Escorpião deu um passo à frente. “Nós podemos. Juntos, nós podemos fazê-los pagar.”

O shugenja balançou sua cabeça. “Não. Não há escapatória. Mesmo com todo o meu conhecimento, a maldição não pode ser quebrada. Estou condenado a trair aqueles a quem amo.”

Bayushi ajoelhou-se a sua frente e pôs a mão no seu ombro. Havia um sorriso em sua face e alegria em seus olhos.

“Mas Yogo, você não me ama.”

O primeiro Yogo.

O primeiro Yogo.

A família Yogo possui uma história trágica. Desde seu fundador, muitos de seus membros sofrem a estranha maldição de traírem a quem eles verdadeiramente amam. Onde rokuganeses veriam drama, o Escorpião vê oportunidades. Casamentos arranjados entre membros da família Yogo e outros clãs têm dado ao Escorpião ensejos de chantagem incríveis e tristes histórias de amor para os poetas. Infelizmente, os Yogo não têm muito como evitar serem ‘usados’ desta maneira. Afinal, que outro clã acolheria uma família de traidores?

Além disso, os Yogo herdaram o talento de lidar com os kamis de seu fundador. Como segunda família de shugenja do Escorpião, sua tarefa é manter protegidos os doze pergaminhos de Fu Leng trazidos por Shosuro, bem como qualquer outro artefato de valor que o clã possua. Sua especialidade em selos, trancas mágicas e alarmes os fazem ímpares por toda a Rokugan. O clã dos segredos detém uma vantagem estratégica incrível ao saber, como ninguém, como guardá-los e protegê-los com a magia dos Yogo.

As Crianças de Bayushi – Escorpiões Célebres.

Bayushi Shoju, o assassino do Imperador.

Bayushi Shoju, o assassino do Imperador.

Traidor do Império. O mais pérfido dos assassinos. Responsável pela danação do Império. Assassino do Imperador. Criminoso.

Todos os adjetivos acima foram usados para Bayushi Shoju em sua descrição nos livros de história. Foi como um traidor que o nome de um dos maiores daimyos do Clã do Escorpião ficou conhecido. Foi como um inimigo do Império que a reputação do Grande Mestre dos Segredos ficou registrada para a posteridade. Não há dúvida para ninguém do Império que foi por pura ambição e sede de poder que Bayushi Shoju usou uma espada amaldiçoada para tirar a vida do Imperador Hantei XXXVIII e usurpar o trono para si.

O Escorpião, entretanto, conhece uma história diferente.

Bayushi Shoju era, de fato, um dos maiores conselheiros do Imperador Hantei XXXVIII. Sua lealdade ao Imperador e ao Império era inquestionável. Até um dia fatídico em que Yogo Junzo, seu shugenja pessoal, encontrou os pergaminhos de Uikku, que continham uma profecia muito antiga. Analisando esses pergaminhos, Shoju concluiu que o último Hantei seria a danação do Império, pois através dele Fu Leng voltaria e dominaria toda Rokugan.

Arquitetando um plano espetacular e malicioso que envolvia uma guerra entre todos os clãs, o Campeão do Escorpião conseguiu infiltrar um assassino na corte e envenenar o Imperador, até invadir Otosan Ushi, a capital, e dar um último golpe no peito do Imperador com a espada amaldiçoada Ambição. Por quatro dias, Shoju assumiu o trono Esmeralda e governou Rokugan, até que os clãs pudessem se unir novamente e matá-lo em seu trono.

Morte.

Morte.

Shoju quase acertou em sua previsão. Ironicamente, o Mestre dos Segredos não sabia que o filho de Hantei XXXVIII, Hantei Satorii, que havia sido sequestrado, ainda estava vivo. Ele retomou o trono tornando-se Hantei XXXIX e, como sua primeira medida como novo Imperador, tomou Kachiko, a viúva de Shoju, como sua concubina pessoal. Por vingança, Kachiko envenenou lentamente o novo Imperador, adoecendo-o, enquanto Yogo Junzo abriu os pergaminhos de Fu Leng que estavam de posse da família Yogo e trouxe o kami negro de volta a Rokugan. Ao ver o corpo debilitado do jovem imperador, Fu Leng dominou o corpo de Hantei XXXIX e desencadeou os eventos que culminaram no Segundo Dia do Trovão.

Ainda hoje, Shoju é reconhecido dentro do Escorpião como um grande herói incompreendido, um salvador que o Império não soube reconhecer; mais um a sofrer o estigma que é a sina de todo o clã.

Bayushi Kachiko, a Mãe dos Escorpiões.

Bayushi Kachiko, a Mãe dos Escorpiões.

Shosuro Kachiko era a filha mais nova do daimyo da família Shosuro. Seu pai nunca a apoiou. A beleza de Kachiko sempre pareceu uma fraqueza para o grande daimyo, que claramente preferia seu filho como sucessor. Kachiko aprendeu a crescer sob a sombra de seu estúpido irmão, superando-o em tudo, mas jamais sendo reconhecida por seu pai.

Em um dia especial, o dia em que ia se apresentar ao Imperador em pessoa, o seu irmão embaraçou-se em seu nervosismo perante a presença do Filho do Céu. Antes que destruísse a reputação de sua família perante toda a corte, Kachiko colocou-se a frente e, com maestria, atraiu positivamente a atenção do Imperador e dos maiores cortesãos de Rokugan. Seria apenas o primeiro ato de uma das maiores cortesãs e manipuladoras da história do Império.

Por sua beleza e sagacidade, Kachiko foi escolhida por Bayushi Shoju, o Campeão do Escorpião, para ser sua esposa, mesmo já estando prometida a um Caranguejo por causa de seu pai. Isso levou a um desafio público do Caranguejo traído à frágil Kachiko que, com suas manipulações, conseguiu convencer o jovem e espirituoso Doji Hoturi a lutar por ela em um duelo e vencer. Esse caso rendeu um tórrido romance de inverno, uma série de comentários maldosos na corte… e um filho bastardo.

Como esposa do Campeão do Escorpião, Bayushi Kachiko tornou-se seu braço direito. Apesar das deformidades físicas de Shoju, Kachiko amava o homem sagaz e implacável por baixo da máscara. Ela sabia de seu plano de usurpar o trono e o advertiu dos riscos, mas lhe foi fiel até mesmo depois de sua morte. Depois que seu marido foi derrotado pelos clãs que defendiam a dinastia Hantei, Kachiko armou um plano de vingança envenenando lentamente o jovem Hantei XXXIX enquanto dividia com ele sua cama. Quando Fu Leng tomou o corpo debilitado do Imperador, Kachiko tornou-se sua escrava, desviando a atenção do kami negro enquanto guiava os outros trovões através de passagens secretas do palácio. Por causa disso, Kachiko foi considerada o Segundo Trovão do Escorpião.

Por conta do desaparecimento do novo Imperador, Toturi I, o clã do Escorpião foi acusado novamente de traição e obrigado a exilar-se de Rokugan. Bayushi Kachiko confiou os poucos Escorpiões remanescentes a Bayushi Aramoro que permaneceu com eles escondido no Império, enquanto seu clã buscava refúgio nas Areias Escaldantes. No meio do deserto, o Escorpião foi atacado por um grupo gaijin chamado Senpet. Kachiko, por sua vez, foi confundida com um avatar da deusa Selqet e ficou na corte da grande cidade, manipulando o grande general Senpet Abresax, até ser resgatada pelo ronin Dairya.

De volta a Rokugan, quando Shosuro, já totalmente dominada pela Escuridão Enganosa, foi libertada da prisão de cristal durante a Guerra Contra a Sombra, Kachiko enfrentou-a no Lago Adormecido, um lago secreto abaixo do Palácio Bayushi. Ali, ambas foram impedidas de lutar pelo espírito do próprio Bayushi, que dormia nas águas do lago. Bayushi convenceu Shosuro de que a amava e que ela podia ser resgatada da Escuridão. Para isso, fundiu Shosuro e Kachiko numa só criatura, por conta do laço sanguíneo entre as duas, e trouxe a nova entidade amalgamada para morar eternamente com ele no fundo das águas.

Por Fábio Firmino
Equipe REDE
RPG

Bayushi Hisako, bushi do Escorpião.

Bayushi Hisako, bushi do Escorpião.

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