A lâmina corta minhas mãos e calcanhares
Ainda assim, não cairei.”
Haiku encontrado em um dojo da família Mirumoto.
Do topo da montanha, o Dragão observa. Misterioso, imponente, sábio, inexplicável.
Em sua mente, o conhecimento de eras. Em suas mãos, garras impiedosas. Em seu olhar, a Verdade. Em seu espírito, a mudança. O Dragão contempla o mundo à distância; não porque o teme, mas porque o mundo não está preparado para ele.
O Dragão age pouco, pois não desperdiça energia. Fala pouco, pois não desperdiça conhecimento. Palavras fora da boca perdem a força como a lâmina fora da saya. Se forem usadas, deverão ter um propósito, cujo resultado transformará a realidade para sempre.
Do topo da montanha, o Dragão observa. O preço da sabedoria é a solidão.
A Decisão de Togashi
Provérbio ise zumi.
Quando o mundo era jovem, quando as montanhas eram pequenas crianças, o grande Hantei e seus irmãos e irmãs enfrentaram aquele que os observava da escuridão. Seu exército sombrio avançava pela terra, destruindo tudo que encontrasse, e mesmo a coragem de Hantei não fazia face à desconhecida magia que seu irmão obscuro dominava. Sem mais esperanças, Hantei resolveu enfrentar seu irmão sozinho, sabendo que havia uma grande chance de ser derrotado.
Foi quando um pequeno homem surgiu em seu palácio, desejando falar com o nobre Imperador. Ao ser abordado pelo leal Akodo, protetor do trono, respondeu que desejava apenas dividir com o grande monarca sua sabedoria. Akodo o desafiou e o atacou junto com seus guardas, mas foi retirado do caminho pelo ancião franzino que lutava com as mãos nuas.
Ao chegar ao trono, o ancião se curvou e pronunciou seu nome: Shinsei. Disse aos presentes toda a história dos filhos de Lady Sol e Lorde Lua. Foi muitas vezes questionado por Hantei e seus irmãos e, a cada resposta, demonstrava mais e mais sua sabedoria. Todos ficaram intrigados com o espírito de Shinsei e fizeram mais perguntas, estupefatos com o fato do estrangeiro parecer conhecê-los melhor que eles mesmos.
Todos, exceto um. Seu nome é desconhecido antes disso, mas Shinsei lhe chamou de ‘Togashi’. Enquanto as perguntas de seus irmãos eram respondidas, levando ao surgimento de mais perguntas, Togashi se retirou do palácio. Dois de seus súditos o seguiram; seus nomes eram Mirumoto e Agasha. Quando eles o encontraram sentado sozinho na floresta, o kami lhes ordenou a se afastar. Quando perguntaram o porquê, o resoluto Togashi apenas disse: “Eu não me moverei até compreender”.
Mirumoto e Agasha ainda insistiram, mas a decisão de seu senhor parecia imutável. Trouxeram-lhe água, comida e saquê, mas Togashi recusava-se a comer e a beber. Por nove dias o kami permaneceu na mesma posição, cercado por um círculo de comidas e bebidas intocadas.
Na manhã do décimo dia, Togashi estava quase sem forças. Mal conseguia sorrir e falar, sua visão turvava enquanto a vida parecia desvanecer de seus olhos. Foi quando entre brumas escuras viu o pequeno ancião se aproximar, prevendo sua intenção. “Eu não me moverei até compreender” disse o kami, quase balbuciando. Shinsei sorriu e concordou: “Nem eu”. Foi quando o ancião cruzou o círculo de comida e bebida e sentou-se próximo a Togashi, assumindo a mesma posição.
Togashi ficou atônito e, de repente, um estreito sorriso surgiu em seus lábios ressecados. Um rouxinol pousou entre eles, carregando um ramo de ameixeira em flor. Togashi comeu a flor do ramo e, juntos, puderam comer e beber do banquete que os rodeava.
Um Clã ‘Diferente’
Trecho de Nitten, um ensaio sobre o caminho das duas espadas, por Mirumoto Hojatsu.
O Dragão é um clã singular. De fato, nem pode ser chamado propriamente de ‘clã’. Enquanto os outros Grandes Clãs de Rokugan podem traçar sua linhagem de sangue até o seu fundador, um kami filho do Sol e da Lua, o Dragão não pode fazer isso. A chamada ‘família’ Togashi na verdade é uma ordem monástica, cujos membros vêm de diversos lugares do Império, sem qualquer vínculo familiar na realidade.
As outras famílias do Dragão descendem de Mirumoto e Agasha, os primeiros seguidores do kami Togashi. Agasha era uma shugenja altamente habilidosa e uma das primeiras a ver conexões entre a sabedoria trazida por Shinsei e a antiga religião das Sete Fortunas. Mirumoto era o yojimbo de Togashi e o primeiro a desenvolver um estilo que utilizava as duas espadas da daisho. “Eu tenho duas espadas em meu cinto. Por que deixaria uma delas descansar?” dizia o primeiro espadachim do Dragão.
Togashi jamais quis possuir seguidores. Após a conversa com Shinsei, ele se afastou de seus irmãos e irmãs e, enquanto os grandes kamis escolhiam seus campeões entre os homens e lhes ensinavam suas virtudes e conduta honrada, Togashi buscou as montanhas mais altas e afastadas do Império em busca de contemplação e iluminação. Apenas seus dois mais leais samurais, Mirumoto e Agasha, contra sua vontade o encontraram no topo das montanhas. Lá, os três construíram um templo em honra à Lady Sol e um castelo para protegê-lo. Eles permaneceram sozinhos por muitos anos, mas histórias de um templo afastado onde se buscava a iluminação começaram a correr pelo Império. Mais e mais pessoas arriscavam a subida difícil para chegar a suas portas e, quando questionadas, diziam: “Eu não sei por que vim. Apenas sei que precisava ter vindo.”
Diversos templos foram criados no alto das montanhas para atender àqueles que buscavam uma vida de isolamento e contemplação. Quando Mirumoto voluntariou-se para ser o Trovão do Dragão, seu filho, Mirumoto Yojiro, assumiu para si a responsabilidade de defender os templos e proteger Kyuden Togashi, o lar da ordem monástica dos ise zumi.
As Famílias do Dragão: os Togashi
Togashi Satsu – daimyo do Dragão
Os Togashi não podem ser propriamente chamados de ‘família’, apesar de se tratarem como irmãos. Mais que uma família, os Togashi são uma ordem monástica fundada e mantida pelo kami Togashi e seus poucos descendentes (apenas três até o momento). De fato, sempre houve alguém da linhagem de sangue de Togashi como comandante da ordem, mas não há uma descendência direta de qualquer um dos monges tatuados ise zumi ao Togashi original.
Qualquer um, samurai ou heimin, de qualquer clã pode se afiliar a ordem Togashi, basta chegar ao seu santuário. E isso não é nada fácil. Primeiro que não há um caminho definido para a Grande Casa da Luz, como é chamado Kyuden Togashi. Cada pessoa que chega ao santuário relata um caminho diferente. Segundo, há uma escarpa montanhosa íngreme e difícil para ser escalada até os portões do santuário e não é incomum a desistência ou mesmo a morte durante a tentativa. Sempre há um número pequeno, de duzentos a quatrocentos monges por vez na Grande Casa da Luz, não mais que isso.
A busca pelo santuário Togashi é apenas o início da caminhada dos ise zumi rumo à iluminação. Eles dizem que, para alcançá-la, o buscador deve estar disposto a realizar três mortes simbólicas: matar seus parentes, matar ao seu mestre e matar a si mesmo.
Matar seus parentes é feito quando se abandona a família e o clã para subir as montanhas do Dragão. Ao concluir sua busca pelo santuário, o candidato é admitido, sua cabeça é raspada e ele passa a ser conduzido por um mestre da ordem, que o submete a um rigoroso estudo do Tao de Shinsei, da ciência das Fortunas e um doloroso treinamento físico. Sua família, seu nome, seu passado, tudo é deixado para trás.
O segundo passo, matar seu mestre, é realizado em seu gempukku. O recém-formado ise zumi recebe sua primeira tatuagem e é libertado para construir seu próprio caminho. São poucos os que efetivamente voltam ao Império, a maioria ainda permanece no santuário ou vivendo a vida selvagem e rigorosa das montanhas. Esse passo segue os ensinamentos de uma conhecida conversa entre Shinsei e o Imperador:
Shinsei respondeu: “Eu não sei.”
O Imperador disse: “Mas você a encontrou.”
Shinsei perguntou: “Isso significa que eu sei como você vai encontrá-la?”
O terceiro passo, matar a si mesmo, é o mais natural dos três para se finalmente atingir a iluminação e, por isso mesmo, o mais difícil. As melhores palavras para traduzi-lo estão no livro The Way of the Dragon, um dos melhores livros de clã de L5A:
Matar a si mesmo é o último passo. Viva a vida como uma criança a vive. Veja uma criança enquanto ela pinta. Não há nada mais em seu coração que o desejo de pintar. Veja uma criança enquanto ela brinca com o cão de estimação. Não há nada mais em seu coração que o desejo de brincar com o cão.
Não é sequer correto chamar isto de “desejo”. A criança pinta ou brinca porque é isto que está em seu coração. Ser conduzido pelo desejo é ser escravo das emoções. Não seja um escravo, seja um com seu desejo e você sentirá tanta felicidade que o mundo será seu e você pertencerá ao mundo.
Ascensão e Queda das Três Ordens
O professor respondeu: “Não importa o que eu disser, será uma mentira.”
Provérbio ise zumi.
A busca pela sabedoria não isenta ninguém de conflitos. Pelo contrário, os conflitos são parte do caminho daqueles que querem alcançar a iluminação. No clã mais místico e individualista de Rokugan, isso não poderia ser diferente. Em um momento de tensão no Império, quando uma força primordial ameaçava toda a Criação, o Dragão sofreu vários golpes em seu corpo e se dividiu. A primeira cisão ocorreu na família Agasha, gerando os Tamori. A segunda foi em seu próprio espírito, a família Togashi.
Quando Mirumoto Hitomi assumiu a liderança do Dragão em 1129, após a morte de Togashi Yokuni, ela criou uma ordem monástica para si, surgindo a ‘família’ Hitomi. De todos os Togashi, Hitomi reclamou lealdade ao seu nome ou a morte ou exílio do clã. Seu treinamento era ainda mais duro que o da ordem Togashi, beirando muitas vezes o descontrole e a violência desenfreada. Quando Lady Hitomi subiu aos céus e tornou-se Lady Lua, todos aqueles que ganhavam seu favor recebiam uma tatuagem sombria e o nome Hitomi. Essas tatuagens aumentavam a força física de seus possuidores, inspiravam a fúria e controlavam as sombras. Os kikage zumi estavam sendo formados.
Muitos Togashi recusaram-se a jurar lealdade a Hitomi e deixaram o clã. Entre eles estava Togashi Hoshi, o filho de Togashi Yokuni. Com sua grande influência na Irmandade de Shinsei, Hoshi pode abrigar os Togashi remanescentes nos templos da Irmandade. Tendo o mesmo sangue de seu pai, Hoshi percebeu que poderia, ele mesmo, criar as tatuagens dos monges. Alguns membros da Irmandade passaram a segui-lo, recebendo uma tatuagem do filho do Dragão. A ordem Hoshi havia sido criada. Quando Hitomi subiu aos céus, Hoshi reclamou para si o trono como descendente de Togashi e manteve sua ordem Hoshi consigo, junto com os Togashi que retornaram à Grande Casa da Luz.
As três ordens permaneceram em batalhas ideológicas e físicas por quase 30 anos. Os ise zumi reclamando da heresia e corrupção dos kikage zumi enquanto os Hoshi tentavam mediar os conflitos entre as outras duas ordens.
Até que Togashi Satsu, filho de Hoshi e novo Campeão do Dragão, detectou uma fonte de desequilíbrio nos monges criados pelas tatuagens do Dragão e da Lua. Satsu percebeu que uma conexão tão direta com as forças celestes era demais para o frágil espírito humano, pois muitas vezes levava ao conflito excessivo e à loucura. Munido de seu próprio sangue, parte Dragão parte humano, Satsu começou a fazer suas próprias tatuagens sobre os corpos dos monges das Três Ordens, restaurando o equilíbrio em suas mentes e almas.
Em 1169, Togashi Satsu anunciou ao Império que as Três Ordens haviam sido unificadas sob o nome Togashi.
As Famílias do Dragão: os Mirumoto
Passei muitos anos na estrada, lutei quarenta e sete duelos e nunca perdi. Isto porque emprego a técnica que não se prende à tradição. Emprego uma técnica que ensina movimento ao invés de memorização. Minha escola se chama nitten, pois uso minhas duas espadas, não apenas a katana. Os que me perguntam o porquê não entendem meu pensamento. Eles tentarão construir uma casa com pregos, mas sem martelo.
Trecho de Nitten, um ensaio sobre o caminho das duas espadas, por Mirumoto Hojatsu.
Pelos feitos de seus grandes guerreiros e estrategistas marciais, bem como por seus exímios duelistas, a mais numerosa família do Dragão mantém a fama de serem bushi capazes mesmo pertencendo a um clã tão místico. O primeiro Mirumoto inicialmente destoava da postura contemplativa do kami Togashi. Ele era um homem grosseiro, que depreciava sua apresentação individual e a contemplação da natureza em favor de um árduo e duro treinamento. Dizia-se que ele quase nunca se banhava e suas palavras pouco tinham de sutileza e cortesia. Entretanto, a vida entre os sábios despertou-lhe a busca por um sentido para si além das guerras e duelos, um aprendizado que transmitiu aos seus filhos e, por conseguinte, a toda família.
Os Mirumoto são muito conhecidos por criarem a técnica nitten, que utiliza ao mesmo tempo a katana e a wakizashi. Esta técnica foi criada por Mirumoto e ensinada a seus filhos, Yojiro e Hojatsu. Além de servir como uma arte marcial mortífera e imprevisível, a técnica nitten também treina o duelo com duas espadas, uma eficiente forma de iaijutsu que rivaliza inclusive com o iaijutsu desenvolvido por Kakita. Essa rivalidade permanece entre as duas escolas até hoje.
Apesar de sua reputação marcial os preceder, os Mirumoto são muito mais sábios que guerreiros. Dentre os refinados samurais de Rokugan, os Mirumoto são os bushi mais contemplativos e com maior respeito à vida e à nobreza. Um Mirumoto acredita que a nobreza da alma não se adquire sem conhecimento e que o verdadeiro caminho da espada é forjado na mente e no espírito. De todas as famílias do Dragão, os Mirumoto são os maiores adeptos do bushido e todas as suas virtudes.
Sua proximidade com os grandes sábios também lhes despertou a importância do domínio dos elementos no combate. Melhor que qualquer outra família marcial, os Mirumoto aprenderam a usar os shugenja de maneira eficiente no campo de batalha. Bushi e shugenja treinam juntos em seus dojo, desenvolvendo técnicas que ampliam a marcialidade da magia e a sensibilidade da arte guerreira.
O principal dojo dos Mirumoto é uma sala simples, sem decorações nas paredes, onde apenas se leem as palavras proferidas por Shinsei a Togashi: “Nem eu.” Espera-se que os estudantes meditem sobre essas palavras durante todo o treinamento para, ao final de seu gempukku, escreverem um poema espontâneo a seu respeito. O mais famoso deles foi escrito pelo próprio Mirumoto original:
Entenda, mas morrendo de fome.
Meu mestre comigo.
As Famílias do Dragão: os Tamori
Provérbio Tamori.
O século XII deixou marcas nas escamas do Dragão. Em 1131, muitos membros da família descendente de Agasha estavam descontentes com a liderança exercida pela Campeã Hitomi e sua mão de obsidiana. Entre eles, Agasha Gennai, discípulo do daimyo Agasha Tamori. Contrariando as ordens de seu daimyo, a maior parte da família Agasha resolveu retirar-se do clã e migrar para a Fênix, onde foi acolhida como sua nova grande família. Por quase vinte anos, duas famílias Agasha existiram no Império. Até que, em 1150, por ordem do Imperador Toturi I, por conta de um trato feito com os exércitos espirituais ao fim da Guerra dos Espíritos, os remanescentes dos Agasha no Dragão passaram a receber o nome de seu líder, chamando-se desde então de Tamori.
Como herança de seu passado como Agasha, os Tamori desenvolveram a técnica dos mizugusuri, os elixires desenvolvidos pela família Agasha, mas de uma maneira muito mais bélica. Os Tamori acreditam que o dever do samurai é servir, tanto com a espada quanto com seus conhecimentos. Aos olhos dos Tamori, ninguém consegue cumprir esse dever plenamente sem entender o lado marcial da vida.
Em consonância com esse pensamento, os Tamori aprenderam a conjugar seus conhecimentos dos elementos com a arte da guerra. Ao mesmo tempo em que aprendem a manipular e transformar os elementos como seus ancestrais Agasha, eles também aprendem a utilizar a espada e as técnicas e estratégias de combate. Junto aos Mirumoto, os Tamori se provaram guerreiros capazes e hábeis alquimistas, sempre experimentando novas combinações para aumentar sua eficácia no calor da batalha.
As Famílias do Dragão: os Kitsuki
Provérbio Kitsuki.
Agasha Kitsuki era um menino brilhante. Extremamente inteligente e fascinado por charadas e quebra-cabeças, todos pensavam que se tornaria um excelente shugenja após seu gempukku. Não foi o que aconteceu. Enquanto seus colegas dedicavam-se ao estudo dos kami e do sobrenatural, Kitsuki mantinha sua atenção toda voltada ao natural. Acusado de desperdiçar seu talento com assuntos ‘mundanos’, Kitsuki quase foi expulso da escola. Até que cedeu a pressão e dedicou-se aos estudos de shugenja, enquanto mantinha seus próprios estudos mundanos em segredo.
Ainda na escola, Kitsuki começou a praticar e ensinar o que os seus professores chamavam de ‘mágica camponesa’. “Shugenja devem se dedicar a assuntos mais elevados” eles diziam, mas Kitsuki simplesmente os ignorava. Por várias vezes, sua desobediência o levou bem próximo à expulsão do escola, até que seu sensei foi encontrado morto pela wakizashi de Kitsuki.
Kitsuki foi interrogado e se recusava a admitir o crime. O daimyo dos Agasha viu que tal conduta forçaria seu sobrinho preferido a cometer seppuku, mas ele não tinha escolha. Kitsuki lhe implorou então um dia para provar sua inocência. O daimyo aceitou e o libertou.
Vinte e quatro horas depois Kitsuki retornou com o assassino, evidências e uma confissão. Ele foi perdoado pelo crime e elevado à condição de yoriki após sua graduação na escola. Em pouco tempo se tornou karo, até que, ao impedir o assassinato de Mirumoto Januko, o Campeão do Dragão lhe deu a honra de criar sua própria família e o status de daimyo. Nascia a família Kitsuki.
Os Kitsuki são chamados de ‘dragões hospitaleiros’ e, dentre todas as famílias do Dragão, são os únicos que assumem a função de ‘cortesãos’. Apesar dos recursos do clã em geral serem administrados pelos Mirumoto, já que os Togashi se dedicam mais à busca espiritual, são os Kitsuki que mantém as relações do Dragão com outros clãs. Antes mesmo de subirem às montanhas, após os convidados passarem pelo Clã da Libélula, são os Kitsuki os primeiros Dragões (e, muitas vezes, os únicos) a receberem os visitantes mais ilustres.
Entretanto, a família é mais conhecida pelo seu método de investigação ‘inusitado’ que pelas suas capacidades diplomáticas. O ‘Método Kitsuki’, como é chamado, difere bastante do utilizado pelos magistrados dos outros clãs na investigação dos crimes. Enquanto a justiça de Rokugan é baseada no testemunho e nas evidências imediatas, o Método Kitsuki emprega uma combinação de percepção, astúcia e intuição. Enquanto os seus antepassados Agasha estudavam a natureza de animais e vegetais, os Kisuki preferem estudar uma natureza ainda mais intrincada: a da mente humana.
Buscando evidências mais sutis e se utilizando de ciências naturais, como a medicina e a alquimia, os Kitsuki descobrem os traços dos criminosos e os rastreiam até o interior de seus abrigos. Aí sim, com as provas em mãos, podem obrigar o criminoso a fazer sua confissão.
Mais de uma vez os métodos dos Kitsuki foram questionados pelos magistrados mais tradicionais. Entretanto, sua eficiência fala mais que sua aparência ‘exótica’ aos moldes de Rokugan. Entre os Kitsuki estão os maiores magistrados e investigadores do Império e muitos grupos baseados em infiltração e subterfúgio, como os Kolat e os Shosuro, os temem.
As Escamas Brilhantes do Dragão: Indivíduos Ilustres
Por mil anos o Clã do Dragão guardou um segredo sobre seu daimyo.
Apesar de, oficialmente, o Dragão sempre ter um novo líder, ele nunca comparecia às cortes, nunca se mostrava nos campos de batalha, praticamente ninguém fora do clã tinha visto ou falado com ele. Parecia uma tradição, afinal, pois desde o primeiro a portar o título de Campeão do Dragão até Yokuni, todos os daimyos do clã evitavam o contato com o resto de Rokugan que apenas os conheciam pelos seus nomes.
Togashi Yokuni foi o último dessa linhagem. Na verdade, Yokuni fora o único, por mil anos, a chefiar o Dragão. Pois desde que o primeiro Togashi subira à montanha, ele sempre esteve no comando do clã. Yokune é o primeiro Togashi, o Dragão por excelência, um deus caminhando entre os homens.
Sua capacidade de prever o futuro o fez se esconder de seus irmãos. Há mil anos Togashi previu o retorno de seu irmão Fu Leng e planejou os acontecimentos que culminariam no Segundo Dia do Trovão e em sua nova derrota. Foi ele quem disse ao irmão de Hitomi que sua morte pelo tetsubo de Hida Yakamo desencadearia um destino que socorreria o Império. Foi ele quem entregou a Mão de Jade a Yakamo para que ele se tornasse o Trovão do Caranguejo. Foi ele quem ordenou a Hitomi que retirasse de seu estômago o último pergaminho que seria a derrocada de Fu Leng.
Do alto da montanha, o Dragão observava. Seu último sacrifício seria a salvação do Império.
Mirumoto Hitomi tinha apenas oito anos e não possuía esse nome quando seu destino foi determinado. Era a Corte de Inverno de 1113 e o rude Hida Yakamo, filho do Grande Urso, estava presente, bem como seu amado irmão Mirumoto Satsu. Por um insulto proferido por Yakamo à noiva de Satsu, o Dragão o desafiou para um duelo. O Caranguejo prontamente aceitou e, sem demora, descarregou o peso de seu tetsubo violentamente sobre a cabeça de Satsu, matando-o instantaneamente. A corte estava chocada, mas Yakamo havia vencido o duelo e ninguém poderia desafiá-lo de novo. A criança de oito anos esgueirou-se para o corpo do irmão e pegou sua daisho entre suas pequenas mãos. O rude Caranguejo jogou a espada de lado e apontou o tetsubo para a cabeça da criança, dizendo: “Não lhe matarei, pequenina, mas você saberá que eu poderia tê-lo feito.”
Dali por diante, toda a infância de Hitomi fora perdida e seu coração foi preenchido apenas pelo desejo de vingança. Assumindo o nome Hitomi em homenagem a uma célebre Matsu que vingou a morte do irmão com sua daisho, a filha do daimyo dos Mirumoto cresceu completamente alheia às obrigações de um líder. Seu treinamento e sua vida tinham um único objetivo: matar Hida Yakamo.
A oportunidade surgiu no cerco dos clãs à Capital Imperial durante o Golpe do Escorpião. Desobedecendo às ordens de seu general, ela desafiou Yakamo para um duelo e com um golpe de sua espada arrancou a mão do Caranguejo. Furioso, Kisada levou o filho para ser tratado por Kuni Yori, que substituiu a mão de Yakano por uma garra de oni. A vingança de Yakano concretizou-se na Batalha pela Passagem Beiden, onde ambos se enfrentaram novamente e, desta vez, com a ajuda da Mão do Oni, Yakamo decepou a mão de Hitomi e quase a matou.
Hitomi teria realmente morrido se não houvesse sido resgatada por Bayushi Kachiko, a dama dos Escorpiões. Kachiko ofereceu-lhe a Mão de Obsidiana que Shosuro tinha trazido das Terras Sombrias após o Primeiro Dia do Trovão. Seduzida pelo seu poder, Hitomi aceitou. Com a Mão de Obsidiana, ela pode retirar do estômago de Togashi Yokuni o 12º pergaminho de Fu Leng, que o deixou encerrado num corpo mortal permitindo a destruição do kami negro.
Entretanto, havia escondida na Mão uma fagulha da Escuridão Enganosa que dominou Hitomi, deixando-a louca. Quando assumiu a posição de Campeã do Dragão após a morte de Yokuni, Hitomi criou sua própria ordem e foi responsável por duas dissidências do Dragão: os Agasha e os próprios Togashi. Hitomi estava se tornando mais e mais corrompida pela Escuridão Enganosa e mesmo os alertas de Kitsuki Kaagi não foram suficientes para dissuadi-la de suas intenções. Apenas quando estava prestes a matar o filho de Togashi, Hoshi, Hitomi reconheceu sua própria insanidade e corrupção. Por sua mente, passou toda a existência da Escuridão, inclusive o momento em que Onnotangu havia deliberadamente escondido a Escuridão Enganosa dos olhos de Amaterasu.
A fim de acabar com a influência da Escuridão Enganosa sobre si mesma e sobre o mundo, Hitomi resolveu enfrentar Lorde Lua em um duelo. Reunindo vários artefatos com o poder da Lua, somados ao poder da Mão, Hitomi gritou aos céus desafiando o deus e derrotando-o. Então, com a ajuda de Shiba Odoshi como seu segundo, Hitomi cometeu seppuku e subiu aos céus como a nova Lua.
Os céus estavam descontentes com o homem. Um imperador enlouquecido, um período de trevas, espíritos voltando do reino dos mortos e uma jornada de destruição que se aproximava, trazendo guerra, fome e peste foi o legado dos homens. Os Dragões Celestiais observavam o reino iluminado por um Sol e uma Lua humanos e resolveram intervir.
Depuseram o Sol Yakamo e a Lua Hitomi e os substituíram pelo Dragão de Jade e pelo Dragão de Obsidiana, respectivamente. Convocaram os grandes líderes do Império e decidiram realizar um torneio para escolher quem se sentaria no trono imperial, vago desde o fim da dinastia Toturi. Cada clã traria um representante para concorrer ao trono e os Céus escolheriam a pessoa ideal. Não mais um humano seria eleito Imperador, mas sim um verdadeiro representante dos deuses.
De todos que se apresentaram, os Céus decidiram por um: Kitsuki Iweko, daimyo dos Kitsuki e representante do Dragão. Iweko era um magistrado competente e uma nobre investigadora e líder de sua família, mas jamais aspirou ao comando do Império. Quando perguntou às Vozes enviadas pelos Céus se ela era digna de sua posição, elas responderam: “Ninguém é, mas você é a mais digna.” No 20º dia do mês do cachorro, Kitsuki Iweko foi coroada Iweko I, a Luz do Céu. Era o fim da Era do Homem e o início da Era dos Céus.
Iweko I foi uma imperatriz jamais vista em Rokugan. Estar em sua presença era uma bênção e suas simples palavras eram puras demais para serem ouvidas. Por isso, a Imperatriz nomeou Togashi Satsu para ser sua Voz, aquele que transmitiria aos homens seus desejos e mensagens.
Ela enfrentou a guerra dos Destruidores e Kali-Ma, solicitando a ajuda de Daigotsu e seu Clã da Aranha. Para isso, combinou com Daigotsu que seus filhos receberiam o status de Clã Maior no Império, desde que ele, como novo Senhor do Jigoku, retirasse a mácula das terras de Rokugan. Foi também ideia de Iweko expandir o Império para as novas terras, os Reinos de Marfim, para conquistá-las e impedir o surgimento de uma nova ameaça como Kali-Ma. Nisso, o Clã da Aranha teria um papel fundamental, coordenando as ações dos colonizadores enquanto mantinha-se afastado do Império e de suas políticas sensíveis.
Ao chegar o tempo, Iweko se recolheu para escolher seu herdeiro. Deixou em Rokugan um regente, Utaku Zo Sai, até que o nome do novo Imperador de Rokugan fosse anunciado. Ao fim, decidiu por manter a tradição de sucessão sanguínea, nomeando seu filho mais velho, Iweko Seiken, como Iweko II, o novo homem escolhido para sentar-se no Trono Esmeralda.
Por Fábio Firmino
Equipe REDERPG