O cenário de A Lenda dos Cinco Anéis é centrado nas terras do Império Esmeralda e nas regiões que lhe fazem fronteira: a Terra das Sombras, a Floresta Shinomem, o deserto das Areias Ardentes e a cordilheira da Grande Muralha do Norte. No entanto, existem diversos reinos exóticos espalhados pelo mundo, inclusive alguns que entraram em contato com os rokugani em diversos momentos da história do Império. Esses reinos ganharam um jogo exclusivo chamado Legend of the Burning Sands com regras semelhantes a L5A, e por isso, pode ser usado como suplemento. Vamos tratar dos Reinos de Marfim nesse artigo, uma vez que essa região vai adquirir grande importância na história de Rokugan.
Uma Terra Exótica
Localizado a sudoeste de Rokugan, passando a Terra das Sombras e uma floresta infestada por demônios, fica uma terra dominada por diversos principados (governados por um Raja) unidos sob a regência do Maharaja. De certa forma, o sistema de governo dos Reinos de Marfim lembra um pouco a estrutura do Império Esmeralda com sua estrutura de clãs que servem a um Imperador.
No entanto, as semelhanças acabam ai. Os marfinenses possuem “olhos redondo”, cabelos escuros lisos e a pele morena com diversas tonalidades de bronzeamento. Sua compleição física vária bastante, indo do muito magro e de rosto fino até os mais robustos e de rosto largo. Eles geralmente usam camisas e pantalonas folgadas feitas algodão e usam um turbante na cabeça. Somente os mais ricos usam seda e gostam de se adornar com jóias.
Suas crenças são muito diferentes. Apesar de serem politeístas e terem deuses para cada aspecto da vida, esses deuses não estão em sintonia com uma hierarquia celestial e por isso entram em conflito, o que se reflete com seus clérigos e fiéis. Os deuses mais importantes desse panteão são Vishnu, o Preservador, e Shiva, o Destruidor. Cada um desses deuses possui diversos aspectos, alguns bons e outros ruins. Shiva possui seu aspecto bom conhecido como o Transformador, mas o culto de seu aspecto maligno fomentou diversas guerras e invasões aos reinos vizinhos.
Além disso, os clérigos marfinenses não praticam a magia como os shugenja Rokugani. Para eles, a magia é algo a ser temido e respeitado e por isso, sua prática está na alçada apenas dos deuses e dos demônios. Por abrir mão do estudo da magia, os clérigos marfinenses se focaram no estudo da matemática, ciência e medicina, fazendo com que estes conhecimentos sejam muito mais avançados nos Reinos de Marfim do que em Rokugan.
Para completar, diferentemente dos Rokugani, os marfinenses não possuem nenhum grau de xenofobia e possuem um bom relacionamento com os outros povos, realizando missões comerciais e diplomáticas em outros países, mais notadamente à cidade-estado de Medinaat al-Salaam e ao império Senpet. Inclusive, os Reinos de Marfim foram a única civilização estrangeira a conseguir enviar um diplomata ao extremamente fechado Império Esmeralda.
A Sociedade Marfineses
O aspecto social dos Reinos de Marfim é sua característica mais parecida com Rokugan. Como no Império Esmeralda, os marfinenses são divididos em castas e uma casta marcial semelhante a dos samurais, conhecida como Kshatriya, é a que governa os reinos. Os Kshatriya se organizam em Casas e cada Casa é regida como se fosse um reino a parte, com seu próprio território e políticas. O Raja é o líder da Casa, assim como o Campeão do Clã lidera um Clã Rokugani. Entre as Casas marfinenses, as mais conhecidas são a Casas Rafiq, Casa Singh e Casa Suresh. Todas as Casas prestam suas homenagens ao Maharaja, a contraparte marfinense do Imperador Rokugani.
Uma característica marcante da sociedade marfinense é que a posição de uma pessoa dentro de uma casta é absolutamente imutável. Um indivíduo deve viver para sempre dentro da casta onde nasceu e, por isso, é terminantemente proibido se casar com uma pessoa de uma casta diferente, impedindo que haja mudança de casta por esse método. Inclusive, as pessoas são desencorajadas a se associar com pessoas de castas diferentes, mantendo o relacionamento ao mínimo extremamente essencial.
Das figuras que se destacam na sociedade marfinense podemos citar os Brahmin, membros da casta que lida com as questões religiosas, indivíduos focados no estudo teológico e na devoção aos deuses. O Guru é um membro da casa Brahmin dedicados a canalizar a energia espiritual pelo corpo, lembrando um pouco o monge Rokugani. As técnicas praticadas pelos gurus são a base para a arte marcial conhecida como Sainika e aqueles gurus que se focam nessa arte também são conhecidos como Guerreiros Sainika. Os Kshatriya são os guerreiros defensores dos Reinos e também são praticantes do Sainika, recebendo o treinamento de um guru. Os Kshatriya focam seu treinamento na defesa, e diferentemente do samurai Rokugani eles usam escudos. Por último citamos o Sahir, um praticante de magia semelhante ao shugenja, mas que não é exclusivo dos Reinos e podem ser encontrados em diversas civilizações do deserto das Areias Ardentes.
Apesar dessas figuras aparentemente marciais, a sociedade marfinense é pacifista e eles consideram a guerra o ultimo recurso. Conforme citado acima, eles enviam diversas missões diplomáticas para as outras civilizações e sempre procuram uma solução pacífica caso haja um conflito. Mas quando as negociações falham, eles estão prontos para se defender e já provaram diversas vezes que são combatentes competentes.
A História dos Reinos de Marfim
A história dos Reinos de Marfim com o Império Esmeralda começa com uma embarcação do Louva-a-Deus desviado de rota enquanto procurava novas rotas para chegar aos portos do Caranguejo. A embarcação veio a aportar em uma ilha desconhecida em busca de água e para reparos, mas acabou topando com outro grupo de pessoas que cortava madeira. Como é de costume para o Louva-a-Deus, eles superaram a barreira da língua e conseguiram comercializar com os estrangeiros. Desde então, o Louva-a-Deus e os Reinos de Marfim usaram a ilha como local para comercialização de mercadorias.
Mas a história dos Reinos de Marfim é bem mais antiga, apesar de ser pouco conhecida. O que os marfinenses contam é que em um período bem antigo os Reinos de Marfim foram governados por uma raça de seres demoníacos chamada Rakshasa. Esses seres eram conhecidos por sua habilidade de se metamorfosear e por seu apetite por carne humana. Para impedir a corrupção total da terra, o deus Vishnu enviou seu avatar, Arun, que convocou um exército de espíritos metamorfos bondosos para combater os Rakshasa. Revan, o Rei dos Rakshasa, foi aprisionado por Vishnu junto com a maioria dos seus súditos, mas uma porção conseguiu escapar e se infiltraram em outras civilizações, inclusive a Rokugani, onde aguardavam uma oportunidade para erguer novamente seu reino de terror.
Durante o século VII do calendário Rokugani, outra ameaça assolou os Reinos de Marfim. Assim como Vishnu possuía um avatar no Ningen-do, o reino mortal, Shiva também possuía o seu, conhecido como Kali-Ma e representava o aspecto maligno de Shiva conhecido como a Destruidora. Esse avatar fomentou a criação do Culto de Rhumal, uma facção extremista que buscava a destruição completa dos Reinos de Marfim, o que na visão deles faria com que os Reinos pudessem retornar mais puros e mais fortes. Para conter o avanço desse culto, os Reinos fizeram uma aliança com a Ordem da Mão de Ébano, uma ordem militar sem afiliação a uma nação específica e inimiga do Culto. Com a ajuda dos Ebonitas, os Reinos de Marfim conseguiram afastar a ameaça, mas a aliança terminou junto com os conflitos.
O Culto de Rhumal voltou a causar problema nos Reinos de Marfim séculos depois, quando tentou retirar o Maharaja do poder levando o país a guerra civil. Nessa época o Clã Louva-a-Deus já era um aliado dos Reinos e, apesar de Rokugan estar no meio da Guerra dos Espíritos, o Campeão do Clã, Yoritomo Aramasu, liderou um exército que auxiliou os remanescentes das Casas da casta Kshatriya a devolverem o Maharaja ao trono e a estabilidade ao país.
Os marfinenses achavam que o Culto de Rhumal tinha sido destruído, ou pelo menos tão avariado que demoraria outros séculos para se recompor, mas estavam enganados. Em apenas uma geração os cultistas retornaram mais poderosos por meio de um ritual de sangue onde o sangue e a carne dos mais fracos eram consumidos pelos outros a fim de torna-los mais forte.
O Culto de Rhumal estava sendo comandado pela Filha de Ébano, uma rokugani que tinha sido corrompida pelo poder de Kali-Ma e se tornado quase um avatar da deusa. Ela se concentrou primeiro na destruição da Ordem da Mão de Ébano e depois se voltou para a tarefa de acordar sua mãe. O poder e extensão do Culto de Rhumal aumentaram de tal forma que logo o Pergaminho Negro da Essência do Jigoku caiu nas mãos dos cultistas.
Os cultistas usaram o artefato para acordar Kali-Ma e permitir que ela ascendesse aos céus. A Destruidora caçou e matou os outros deuses do panteão marfinense, restando apenas uma deusa, que foi corrompida e transformada no Deus Bestial, uma criatura gigantesca. O Deus Bestial foi liberado nos Reinos de Marfim e causou uma grande devastação. Noventa por cento da população foi morta e suas almas aprisionadas em casulos metálicos para criar um exército de monstros demoníacos conhecidos como Destruidores.
Kali-Ma, não satisfeita com a destruição dos Reinos de Marfim, continuou a assolar os reinos dos deuses. Ela entrou no Jigoku e destronou Fu Leng do cargo de Campeão de Jigoku e assumiu o título. No entanto, apesar de poderosa ela ainda não detinha seu poder completo. Alguns anos antes de seu despertar, a shugenja Agasha Kyoso usou pergaminhos proibidos para conjurar um oni e acabou se tornando o Lorde Oni chamado Oni no Kyoso. Mas na verdade o que aconteceu foi que ela tomou parte do poder de Kali-Ma para se transformar na terrível criatura.
Se Oni no Kyoso fosse destruída, ou Kali-Ma conseguisse a encontrar, a Destruidora recuperaria todo o seu poder e seria invencível. Um shugenja do Clã Escorpião chamado Yogo Kazunori estudou o Pergaminho Negro da Essência do Jigoku e teve uma visão sobre a vinda de Kali-Ma e a destruição que ela causaria. Ele descobriu a relação entre a Destruidora e Kyoso no Oni e usou outro Pergaminho Negro, chamado Essência da Destruição, para prender Kyoso no Oni e evitar que Kali-Ma se tornasse completa novamente. No processo, parte do poder que a Destruidora roubou de Fu Leng também foi aprisionado pelo Pergaminho Negro.
Kali-Ma invadiu Rokugan em busca do pergaminho. Como campeã do Jigoku, ela comandou as criaturas da Terra das Sombras a investir contra o império. Após essa primeira onda, ela enviou seus Destruidores para assolar os samurais desgastados. Por fim, libertou o Deus Bestial em Rokugan para causar tanta destruição quanto tinha causado nos Reinos de Marfim.
Quando parecia que o Império Esmeralda iria cair, a ajuda veio do lugar mais improvável. Daigotsu, o Lorde da Terra das Sombras se recusava a ver Rokugan cair em mãos diferentes das suas, e se aliou a imperatriz Iweko I para enfrentar Kali-Ma.
Enquanto isso, Fu Leng, que havia perdido sua divindade para Kali-Ma, foi encontrado no Ningendo-do por asseclas do Clã Aranha e ficou sabendo da existência do Pergaminho Negro da Essência da Destruição e partiu em busca ele para reaver seu poder.
No ano de 1173 aconteceu o clímax da Guerra da Destruidora. Fu Leng encontrou o Pergaminho Negro, recuperou seu poder e foi ao encontro de Kali-Ma. Daigotsu estabeleceu um acordo com Iweko para consolidar o Clã Aranha, e como parte do acordo cometeu seppuku. Quando sua alma chegou ao Jigoku, Fu Leng teve uma visão de sua derrota e passou seu poder para Daigotsu. Kali-Ma aproveitou o momento de fraqueza do Kami e o matou de imediato. Daigotsu se vingou de seu mestre e arrancou o coração de Kali-Ma, destruindo a deusa e encerrando a Guerra. A Filha de Ébano recobrou parte de sua consciência rokugani e se deixou capturar. Ela foi levada para a Corte Imperial onde foi julgada e executada.
O Império Esmeralda ficou sabendo do destino dos Reinos de Mafim por meio dos samurais do Clã Louva-a-Deus, que encontraram os sobreviventes da devastação junto às costa. Iweko I determinou que os samurais do Clã Louva-a-Deus e os samurais corrompidos do Clã Aranha colonizassem os Reinos de Marfim, tornando-os parte de Rokugan. Os Conquistadores de Iweko fundaram a Segunda Cidade e parte dos marfinenses sobreviventes se submeteu ao seu governo.
Os Reinos de Marfim em Sua Campanha
Os Reinos de Marfim claramente são inspirados na Índia e muito do que sabemos sobre aquele país, ou o que pesquisarmos na Internet, pode ser usado para ajudar a caracterizar esses reinos exóticos.
A forma mais fácil para introduzir os Reinos de Marfim em sua campanha é durante a Guerra da Destruidora. Pode-se optar por usar os marfinenses (membros do Culto de Rhumal) como uma força estrangeira tentando invadir o império e ir revelando a verdade aos poucos, ou usar os diplomatas para alertar o Império Esmeralda sobre a ameaça de Kali-Ma e envolver os personagens na missão de resgate. A segunda opção é interessante pois pode envolver uma viagem até um país estrangeiro, o que causará um choque de cultura.
Outras formas incluem a chegada de diplomatas marfinenses junto com samurais do Clã Louva-a-Deus a Corte Imperial e a participação dos personagens na visita de retribuição (que pode ser conturbada devido uma conspiração de membros do Culto de Rhumal ou mesmo de um Rakshasa); o primeiro encontro com os marfinenses envolvendo um conflito armado e depois uma união com um inimigo comum; e o mais trabalhoso, fazer com que um ou mais personagens sejam nativos dos Reinos de Marfim.
Conforme já citamos acima, os Kshatriya são semelhantes aos samurais, então essa classe pode ser usada como base, e o fato deles focarem na defesa e esse povo ter certa aversão a magia podem ser usados como ponto de partida. Os Kshatriya geralmente usam um escudo, o Dhal, semelhante a um broquel de bronze e usam uma brigantina, uma armadura feita com pequenas placas de metal. Sua arma favorita é a tulmar, uma espada curva parecida com a cimitarra, mas também podem usar o lezam, um arco longo.
O Sanika Fighter pode ser adaptado a partir do monge e como eles servem como mestres para os Kshatriya, eles poderiam usar as mesas armas e outras mais exóticas como o chakram, um disco de metal que funciona como uma espécie de shuriken gigante, e o bagh-nakh, garra de tigre, semelhante a um soco-inglês, mas com duas ou três garras se projetando a partir dele. O Guru também pode ser adaptado a partir do monge, mas com um viés mais pacífico ou mais misterioso, quase um Asako Henshin. O Brahmin é mais difícil de adaptar, uma vez que ele seria algo como um shugenja pacífico e sem magia. Mas como os marfinenses foram bons diplomatas, pode-se adaptar um cortesão para servir como diplomata marfinense.
Os outros personagens da cultura marfinense, mas voltados para os antagonistas são os assassinos e os sahir. Os primeiros se assemelham aos ninjas e poderiam se armar com a Jambiya ou com a Kukri, ambas adagas curvas sendo a última um pouco mais longa, ou mesmo com um Katar (o meu favorito). O segundo pode ser baseado no shugenja, mas uma vez que ele não segue os mesmos ensinamentos, eles poderiam misturar magias de elementos opostos ou algumas magias negras (maho) para deixar claro essa diferença. O sahir também é conhecido por serem mestres da ilusão, o que é um ótimo ponto de partida.
Enfim, essas são apenas algumas ideias que deixo para se usar os Reinos de Marfim em sua campanha. Espero que gostem e se inspirem para terem suas próprias ideias originais. Namastê.
Por Rafael Viana Silva
Equipe REDERPG