The Esoterrorists (resenha)

Há alguns dias atrás, assisti no cinema ao 2012, de Roland Emmerich (mesmo sobrenome do meu vizinho e camarada, Fernando Emmerich). Este diretor já teve uns lampejos de genialidade, como em Stargate. Porém depois se rendeu aos efeitos especiais e explosões de todo blockbuster de temporada norte-americana. Resultado: exceto que você queira testar o home-theater, é sonolência na certa.

Pouco tempo depois, notei que o Telecine Cult iria exibir um longa que eu tinha curiosidade em assistir. Tratava-se do Paranoid Park, do Gus Van Sant. Sentei no sofá e fiquei hipnotizado com o que via: nada de hecatombes ou invasões alienígenas; apenas o drama de um mero e comum adolescente skatista, exibido através de uma bela fotografia e trilha sonora bem eclética, quebrando longos trechos em silêncio. Em resumo, um excelente filme.

O que eu quis dizer até agora? Algumas idéias simples quando bem executadas, resultam em obras muito melhores do que coisas espalhafatosas, como os filmes do Emmerich são. E esse raciocícnio também pode ser estendido aos jogos de RPG. Muitas vezes leio algum lançamento cercado de expectativa e pompa, porém que não empolga. Outras vezes acompanho algum livro despretensioso, e este se mostra muito prazeiroso. É o conflito Emmerich vs. Gus Van, alienígena vs. skatista, etc. E uma destas obras alternativas é o The Esoterrorists.

O JOGO

The Esoterrorists é o nome dado a uma organização global de renegados de várias tradições ocultas, que se juntaram com o objetivo ganancioso de aumentar os seus próprios poderes. Para atingir tal fim, as pessoas do mundo comum precisam começar a duvidar de sua própria sanidade, fazendo com que as Criaturas do Horror Incessante, tornem-se objetos do nosso cotidiano. É por esse motivo que fantasmas e outras manifestações sobrenaturais são encontradas em locais assombrados ou por pessoas sensitivas. É uma espécie de círculo vicioso de ver e crer.

Opondo-se às vontades dos Esoterrorists existe a Ordo Veritatis, que é uma organização de elite formada por pessoas comuns, recrutadas das mais diversas camadas sociais e profissões. E é aqui que os personagens entram, como cidadãos comuns vivendo uma vida dupla combatendo as maquinações dos Esoterrorists.

As atividades dos Esoterrorists remontam da Era Vitoriana, onde a influência sobre as pessoas era meramente por sugestão e manifestações ordinárias, como batidas em mesas e ectoplasma. Com o final da Guerra Fria, os Esoterrorists perceberam que tinham uma oportunidade para preencher a lacuna criada pelo novo arranjo de pode mundial. Assim, aproveitando a crescente globalização e a mídia eletrônica, o grupo aumentou o seu poder e influência. Onde o mundo parece mais perturbado ou surreal do que realmente é, o limite entre o nosso mundo material se torna muito tênue. O irracional se torna lógico e o supernatural ganha forma.

De acordo com os Esoterrorists, existe uma fina membrana que separa os mundos da realidade objetiva e subjetiva. Como o mundo em que vivemos existem leis imutáveis, não importando se a gente a considera (por exemplo, a lei da gravidade), formando a realidade objetiva. Já no mundo subjetivo, a realidade é formada pelo o que os seus habitantes declaram ser verdadeiro, sendo os seus seres alterados pelo próprio pensamento deles, e exercem de volta esta influência. O grande objetivo dos Esoterrorists é enfraquecer esta membrana com informações e atos plantados, fazendo com que a realidade objetiva seja alterada. Quanto mais permeável for a membrana, mais fácil os horrores do outro lado podem invadir a nossa realidade e fazer do nosso mundo o seu cotidiano. Os rituais do grupo procuram infestar a realidade com elementos subjetivos, fazendo assim vários “furos” na membrana.

Outro aspecto interessante da ambientação é a quase inexistência da magia. Nada de soltar raios pelas mãos ou voar. A única forma de magia que os Esoterrorists são capazes de realizar são os rituais para manifestação de entidades. O próximo passo do grupo é produzir uma alteração tão grande na consciência coletiva das pessoas, que abriria uma imensa brecha na membrana, permitindo o uso de magia de nível pessoal. Este fato, chamado de Grande Projeto, ainda está longe de ser atingido.

Com isso em mente, é possível enveredar-se por praticamente qualquer tipo de aventura usando o cenário de The Esoterrorists: investigações de assassinatos em série, aparições, atividades suspeitas de cultos e por ai vai.

O SISTEMA

The Esoterrorists usa o já aclamado sistema GUMSHOE, também presente no excelente Fear Itself. Não existem atributos. Os personagens são criados pela distribuição de pontos em um punhado de habilidades ou perícias. A quantidade inicial de pontos é definida pelo número de jogadores presentes no grupo: quanto mais pessoas, menor a quantidade de pontos; em cada atributo existe um campo chamado Pool Points, que representa o nível do mesmo. A habilidade Health faz as vezes do atributo Vitalidade, tendo os seus pool points como os pontos de vida. O mesmo é válido para Stability, que representa Sanidade.

O sistema de testes é extremamente simples e funcional. Existem os testes simples, onde o personagem lança um único d6 devendo superar uma dificuldade estipulada pelo Mestre. Antes do rolamento, o jogador pode escolher gastar qualquer quantidade que possua de pool points na habilidade, sendo este valor somado ao rolamento do dado. Este gasto adicional representa um esforço adicional e força de vontade para cumprir a tarefa. Esses pool points gastos são recuperados mais tarde na aventura.

Também existem os testes de conflito, onde são envolvidos dois ou mais personagens e/ou antagonistas (como em uma corrida ou briga, por exemplo). Aqui, cada lado rola um teste simples por vez. Perde quem for o primeiro a falhar. Bem rápido.

Os testes para dano físico, sanidade e correlatos são apenas variações particulares dos testes simples e de conflito, sempre muito rápidos e de fácil execução.

Um aspecto realmente inovador em The Esoterrorists é como o sistema trata a procura e a descoberta de pistas. Por ser um jogo investigativo, o GUMSHOE foca na interpretação de pistas, não existindo testes para encontrar as mesmas. Parece uma definição simplista, mas demonstra grande poder durante o desenrolar do jogo. Como analogia, podemos imaginar um jogo estilo dungeon crawler: você faz testes para achar tesouros escondidos no ambiente, e não para achar a próxima sala, onde está o monstro pronto para ser morto e pilhado; o jogo é baseado em matar monstros e evoluir, assim o fato de encontrar os alvos é automático, evitando aborrecimentos. Em um jogo investigativo, ser obrigado a fazer testes para encontrar pistas cruciais pode arruinar com todo o planejamento da trama, e é isso que o GUMSHOE tenta evitar. E consegue de uma maneira bem simples.

O LIVRO

The Esoterrorists é apresentado em um livro de 89 páginas em P&B, tendo somente as capas coloridas. São 10 capítulos, sendo que apenas 3 deles (com cerca de 40 páginas) são dedicados às regras, tratando de personagens, sistema de regras e testes. Os outros são divididos em ambientação e uma excelente e longa aventura pronta.

O destaque aqui vai para o capítulo dedicado à criação e desenvolvimento de cenários. O procedimento apresentado para a elaboração de estruturas de investigação e mistério é realmente muito bom, fornecendo macetes de obtenção de pistas e como incluí-las na trama. As idéias para cenários e técnicas narrativas são bem úteis, fugindo do básico sobre o assunto que já foi abordado em outros livros de RPG.

Todo o livro é bem organizado, com o texto distribuído em colunas bem fluídas e eventuais boxes laterais. A diagramação das páginas é bela, com desenhos nas margens bem executados. As escassas figuras já são de qualidade duvidosa, assim como a história em quadrinhos que abre o volume.

No final do dia, você tem uma obra muito interessante, com uma proposta de ser fácil de aprender, jogar e ensinar, oferecendo uma temática investigativa bem abrangente, que com certeza, tem a capacidade de cativar os mais diversos tipos de jogadores. Como ponto positivo, pode-se destacar a maleabilidade do sistema GUMSHOE e a excelente organização do livro. Como ponto negativo ficam as fracas ilustrações internas e ausência de referências e bibliografia, que seria muito útil para expandir as idéias.

Se o seu tempo anda curto atualmente, é melhor investir em um joguinho despretensioso como The Esoterrorists. Em poucos minutos você conseguirá uma bela diversão, bem diferente de certos medalhões do RPG, que demandam meses de leitura para muitas vezes não proporcionar uma experiência de jogo tão rica e imersiva. O mesmo pensamento vale para os filmes: às vezes vale mais a pena esperar por algo bom na TV por assinatura.

Por Clayton Mamedes

Notas (de 1 a 6)
Layout/Arte:
5 (excelente diagramação, algumas imagens boas)
Texto: 5 (claro e bem redigido)
Conteúdo: 5 (excelente premissa, com idéias inovadoras);
Nota Final: 5

Ficha Técnica:
The Esoterrorists
A complete new roleplaying game by Robin D. Laws
Pelgrane Press, 2007 – 88 páginas em P&B, .PDF

Site oficial: www.pelgranepress.com

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Essa resenha de “The Esoterrorists” foi publicada originalmente no antigo portal em 13 de março de 2010 e teve 2.145 leituras.

Esoterrorists cover

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