Fear Itself RPG (resenha)

PRETINHO BÁSICO

Muitas vezes fico decepcionado com alguns autores que querem reinventar a roda: estabelecem novas regras para coisas já existentes, apenas pelo simples prazer de criar algo supostamente novo, sem adicionar nada ao universo de jogo. Exemplos assim não faltam, ainda mais com a recente possiblidade de lançamento de livros pela net. Muitas vezes me faz lembrar o que ocorre com a Microsoft, lançando uma versão de Windows mais cara, que necessita de maior poder de processamento, e que oferece somente umas carinhas mais bonitas. Para que inventar uma coisa nova?

Felizmente, o lado oposto da moeda também existe, onde a simplicidade e novas ideias reinam absolutas, proporcionando novas mecânicas ou interpretações para o gameplay. Este é o caso de Fear Itself, onde somos apresentados a um jogo de horror simples e com algumas ideias bem sacadas e originais.

O Jogo

Em Fear Itself, os jogadores interpretam pessoas comuns em um distorcido mundo contemporâneo, que são arremessadas de encontro à loucura e violência, enfrentando seres muito mais poderosos do que eles. Até aqui nenhuma novidade para quem já conhece Chamado de Cthulhu, Mundo das Trevas e correlatos. Contudo, a inovação está na abordagem utilizada.

Fear Itself é projetado para servir como uma rápida e fácil plataforma para jogos de horror pessoal estilo one-shot, composto por aventuras rápidas e brutais, geralmente roladas ao longo de uma só sessão de jogo. Para manter tal premissa, o jogo se baseia na simplicidade e facilidade de aprendizagem, bem como em um sistema rápido e leve, permitindo que a interpretação tenha um papel de destaque na narrativa. Outro ponto interessante de Fear Itself é a constante comparação com filmes de horror, seja de inspiração para o Mestre e jogadores, ou como linha de comparação para a aplicação de algumas regras.

Uma dessa regras de cinema é a brilhante inclusão dos Risk Factors, ou Fatores de Riscos, no conceito dos personagens; com uma regrinha extremamente simples é possível eliminar um dos aspectos mais desfavoráveis em aventuras de horror: a falta de motivação ou excesso de temor. Com certeza existirão momentos durante uma aventura de horror que os jogadores irão perguntar: “por que não simplesmente fugimos?”, ou “pra que eu vou entrar nesse porão?”. Por profissionalismo, muitos jogadores acabam ignorando tais questionamentos para o bem da aventura, mas com a inclusão dos risk factors, essa situação ligeiramente incômoda pode ser ultrapassada facilmente.

No momento da criação do personagem é escolhido um risk factor, que pode ser considerado como uma desvantagem. Exemplos citados são Curiosidade, Cobiça, Vingança, etc. Assim, quando aparece uma situação crítica, o personagem é obrigado a agir de acordo com o seu risk factor, lendo a passagem obscura naquele livro horrendo, saindo no escuro sozinho quando sabe-se que há um assassino serial a solta e por aí vai… Quem nunca xingou quando aquele carinha faz algo muito errado em um filme? Era somente o risk factor dele em ação.

Outro aspecto que merece destaque em Fear Itself é a estrutura de investigação que ocorre nas aventuras. O sistema é elaborado de tal maneira que o jogo é focado em interpretar as pistas que são encontradas, e não em achar as pistas, fato este que é o padrão para outros jogos que utilizam investigação. De forma análoga, em um jogo de exploração de masmorras o objetivo é progredir pelas salas matando monstros. Em alguns momentos são realizados testes para tentar localizar tesouros, como uma premiação extra. Já em um jogo investigativo que realiza teste para localizar pistas importantes, as mesmas possuem a chance de não serem encontradas, pondo em risco todo o trabalho de investigação da trama. Por isso que em Fear Itself as pistas são encontradas de forma quase automática, restando todo o tempo e energia úteis para o entendimento das mesmas.

No restante o jogo é praticamente um sistema básico, com regras simples e genéricas, podendo ser utilizadas em uma grande gama de aventuras. Os tipos recomendados, inclusive em textos ao longo do livro, são aventuras que lidem com sentimentos extremos, como sedução, vingança, mutilação e outro temas simpáticos.

O Sistema

Os personagens em Fear Itself são construídos de uma maneira curiosa, pois não existem atributos ou similares. Apenas devemos escolher um estereótipo e conceito, assim como o fator de risco e outros detalhes simples. Trata-se de uma versão light do já conhecido sistema GUMSHOE, originado em Esoterrorists.

Todos os testes são realizados utilizando apenas perícias diversas, onde alocamos pontos, que equivalem a 1 dado disponível para o teste. São utilizados dados comuns de 6 faces, que são rolados contra uma dificuldade estipulada pelo Mestre de acordo com a situação. Outro fato que realça o aspecto one-shot do sistema é a maneira como a quantidade inicial de pontos é estipulada: baseada no número de jogadores que participarão da sessão – quanto mais jogadores, menor a quantidade de pontos.

A saúde mental do personagem (muito importante em jogos deste gênero) é medida através da perícia Stability, que é utilizada também para testes, como uma versão simplificada da Sanidade em Chamado de Cthulhu. Simples e funcional. Apesar de não fornecer tantos detalhes ou possibilidades quanto regras mais apuradas de outros sistemas, cumpre bem o seu papel.

O Livro

Fear Itself é apresentado em um arquivo pdf de 91 páginas, dividido em 9 capítulos, onde apenas a capa é colorida.

Um ponto forte do livro está na parte dedicada à criação e táticas para mestrar cenários de horror e investigação, onde temos as dicas de como utilizar diversas técnicas narrativas, inclusive de como dividir o grupo de jogo durante a sessão. O capítulo sobre o sistema GUMSHOE também é muito interessante, revelando como montar a estrutura do mistério a ser resolvido e as etapas de obtenção de pistas, sempre tendo como ênfase o desafio de interpretar pistas ao invés de encontrá-las.

Já o capítulo dedicado às criaturas e antagonistas é muito fraco, possuindo apenas 2 (isso mesmo) exemplos!

Existe ainda uma aventura pronta no final do volume, o que é um fato louvável, ainda mais esta sendo bem original e curiosa.

De forma geral, todo o livro é bem organizado, com belas ilustrações, colunas e boxes com explicações e uma bonita planilha de personagem. As informações estão bem localizadas e são de fácil acesso. Devido ao sistema ser extremamente simples, não existem tabelas ou similares espalhados pelo conteúdo, o que facilita muito a vida do Mestre.

Ao fechar as contas pode-se dizer que Fear Itself serve de forma excelente ao propósito a que se propõe: um sistema fácil para rápidas e cruéis aventuras de horror. Sem querer ser ambicioso, introduz algumas ideias simples que funcionam bem, e podem inclusive ser utilizadas em outros jogos, tendo em seu ápice os risk factors. Já como ponto negativo temos o cenário precariamente desenvolvido, com uma quantidade ínfima de criaturas.

Afinal, nem sempre você precisa aprender um outro complicado sistema operacional para fazer alguma coisa diferente.

Por Clayton Mamedes

Notas (de 1 a 6)
Layout/Arte:
4 (excelente diagramação, fácil visualização e belas imagens);
Texto: 4 (informações suficientes para o seu propósito);
Conteúdo: 4 (boa iniciativa, com algumas novidades interessantes);
Notal Final: 4

Ficha Técnica:
Fear Itself – A horror game powered by the GUMSHOE system
Pelgrane Press, 2007 – 91 páginas em P&B, .PDF
Por Robin D. Laws

Site oficial: www.pelgranepress.com

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Essa resenha de “Fear Itself” foi publicada originalmente no antigo portal em 18 de outubro de 2009 e teve 1.727 leituras.

Fear Itself

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