Quando a Devir anunciou Lugares Misteriosos como um de seus próximos lançamentos da linha Mundo das Trevas (acho que a esta altura do campeonato não é mais necessário chamá-la de “novo” Mundo das Trevas), alguns questionaram essa escolha. Lugares Misteriosos é um suplemento, em princípio, destinado a Narradores e assim haveria outros suplementos que seriam mais interessantes do que este, por serem também destinados a jogadores. Pois bem, os críticos estavam errados.
Lugares Misteriosos não é apenas um excelente suplemento, ele é um livro de referência para todo Mestre de jogos de horror, sobrenatural e de estilo fantástico, especialmente para aqueles que querem criar seus próprios cenários.
O livro possui 135 páginas, capa dura e miolo em preto e branco. A Devir manteve a boa encadernação e produção da linha, com o texto e sua revisão praticamente sem erros, e uma diagramação fiel à original. Cada novo lançamento do Mundo das Trevas só vem confirmando o excelente trabalho da editora responsável pela linha aqui no Brasil, Maria do Carmo Zanini. A arte como sempre, varia do eficiente ao excelente, mas toda ela combinando perfeitamente com cada um dos minicenários.
O suplemento em si possui um conto como prólogo, uma pequena introdução e nove minicenários formando os “capítulos”.
Antes de falar dos minicenários, é fundamental falar da forma magistral como eles são apresentados, porque este é o grande diferencial deste livro.
Todos eles possuem uma parte introdutória, história, sistema (a parte de mecânica do jogo, incluindo as fichas dos personagens do Narrador), motivações (razões para os personagens dos jogadores se envolverem com o minicenário), fatos preliminares (situações ou fenômenos que indiquem aos personagens dos jogadores o caráter sobrenatural dos minicenários) e histórias (ideias de aventuras). Alguns possuem partes específicas, como sugestões para desfechos, fatos secundários, etc.
Contudo, todos eles possuem muitas opções e variações: o mesmo cenário pode ser interpretado de várias maneiras, a critério de cada Narrador. Ou seja, o mesmo cenário pode se desenvolver e ter justificativas completamente diferentes para cada um que for narrá-lo. Cada um pode gerar aventuras de estilos variados, indo do fantástico (como as séries de televisão Além da Imaginação e 5a Dimensão), passando por Arquivo X, Mundo das Trevas e até Call of Cthulhu.
Mesmo assim, este é ainda um suplemento para Narradores, e se você for apenas jogador, fique longe dele. Mesmo que o seu Narrador possa te surpreender com a escolha dele, ainda assim perderá a graça se você o ler. Portanto, a partir desse ponto da resenha, eu peço que você pare de ler, caso seja apenas jogador.
O livro abre com um conto introdutório, como é característico dos produtos da White Wolf. O conto “Residentes” é puro “Além da Imaginação”/“5ª Dimensão”, mas também pode ser Cthulhu. Ou seja, ele dá o tom do suplemento.
Após a curta introdução, temos o primeiro minicenário, “O Açude”. É a velha história da típica cidadezinha de interior norte-americana que guarda um segredo sombrio, no caso, um açude que realiza os desejos se a pessoa que pedir pingar seu próprio sangue nele. Como nem todos da cidade sabem ou utilizam o açude, e há a grande companhia dona do terreno onde ele se localiza, esse minicenário pode ser jogado como a cultuada série de TV “Twin Peaks” (ou algo como “Barrados no Culto Profano”) ou como os gêneros anteriormente citados.
“A Universidade” é a típica ambientação sobrenatural, onde um grupo de professores despertou o que não deveria. Esse é um cenário mais flexível e fácil de ser inserido em sua crônica, e se você quiser que seus jogadores enfrentem uma horda de zumbis, ele tem o gancho para isso.
“O Vale dos Índios Pantaneiros” é o mais lírico do livro, e funciona melhor se usado em crônicas com personagens humanos normais. Ele também tende a ser uma aventura curta e fechada. É o mais fraco do livro, mas talvez seu estilo único agrade bastante a alguns.
“O Segredo da Aldeia” recria o mito de Shangri-lá para o Mundo das Trevas. Ele é uma forma de dizer: “este ainda é um mundo vasto e com muitas regiões inexploradas guardando segredos ancestrais.” Inseri-lo em uma crônica em andamento, contudo, pode ter consequências irreversíveis. Portanto, avalie com cuidado antes de usá-lo.
Já “A Estátua de Alice Lacrimosa” é fácil de ser inserido em qualquer crônica, sendo muito mais o antecedente de uma história do que um minicenário em si, e de uma aventura não muito longa, diga-se de passagem. Mas é uma ideia interessante e vale por sua versatilidade: uma estátua com propriedades sobrenaturais, esquecida no meio de uma cidade, cujos poderes são acidentalmente despertados.
“O Residencial Geriátrico Hillcrest” é o melhor minicenário do livro. Além de ser uma ideia diferente – um “asilo” de luxo que mais parece um misto de apart-hotel com condomínio para idosos ricos –, ele possui uma gama bem maior de possibilidades que os demais, permitindo que toda uma crônica gire em torno dele.
“A Floresta Sussurrante” é o mais depressivo de todos: os protagonistas se perdem em alguma floresta do mundo, mas em vez de parar em algum mundo mágico de fantasia, ficam presos em uma floresta-purgatório, expiando seus pecados e sendo até fisicamente deformados por eles.
Em uma nação onde o automóvel tem uma grande importância cultural em sua sociedade, “O Ferro-Velho” é um minicenário tipicamente norte-americano e serve muito mais como uma história para uma crônica ambientada nos EUA, do que um minicenário propriamente dito, tal qual a Estátua de Alice Lacrimosa.
Por fim, “O Quarto Vazio”, o mais claustrofóbico e paranoico de todos. É talvez o mais mortal, mesmo para personagens sobrenaturais.
No geral, os narradores têm um excelente suplemento, com muitas ideias, ganchos de aventuras e novos horrores para apavorar os seus jogadores.
Por Marcelo Telles
Coordenador da REDERPG
Notas (de 1 a 6)
– Layout/Arte: 5
– Texto: 6
– Conteúdo: 5
Nota Final: 5
A resenha de “Lugares Misteriosos” foi publicada originalmente no antigo portal em 14 de março de 2009 e teve 2.248 leituras.