Muitas vezes uma aventura de RPG tenta capturar alguns nuances da vida real, com o objetivo de tornar-se mais palpável aos jogadores; uma espécie de “o jogo imita a vida”. E assim como na vida, no RPG existem os desafios a serem superados, sendo na grande maioria das vezes representados pelos inimigos que o Mestre põe no caminho dos jogadores.
Por falar em desafios, quantas vezes você se sentiu orgulhoso pela boa nota conseguida naquela difícil prova de física? Ou vibrou por ter conseguido o telefone da garota mais gata da balada? Ou ter derrotado em uma única tentativa, aquele monstrão de Shadow of the Colossus? No RPG também é assim: quanto mais difícil ou elaborado o desafio, mais satisfação temos quando o mesmo é superado.
Com isso em mente, todo Mestre de RPG tem que tratar com muito cuidado a elaboração dos desafios que estarão presentes em sua aventura. Características como o grau de dificuldade, profundidade na elaboração, e relação com o enredo principal são muito importantes e devem possuir qualidade especial. São detalhes assim que separam as simples aventuras de domingo à tarde, daquelas que serão relembradas por meses. E como já dito acima, estes desafios são apresentados normalmente como os inimigos dos jogadores, ou os antagonistas.
Em um sentido mais amplo, um antagonista não é somente o supervilão da história. Pode também ser representado por uma pessoa que não é “malvada”, tendo apenas pontos de vista e objetivos comflitantes com os dos jogadores. Um antagonista também pode ser ilustrado por algo não pessoal, como uma idéia, tradição ou regime de governo. Seja como for, a elaboração de um inimigo é algo necessário e de vital importância para o sucesso de sua aventura de RPG.
Pensando em tudo isso, a White Wolf lançou um suplemento para o seu novo Mundo das Trevas (World of Darkness), abordando a difícil tarefa de criar um “pentelho” em suas aventuras.
O LIVRO
Antagonistas é o primeiro suplemento para o nMdT (nWoD) publicado em português, e a escolha parece que foi acertada. Não se trata apenas de um bestiário ou compendium de monstros, mas sim de um livro que explora de maneira hábil, o próprio conceito de um antagonista (como ilustrado na breve discussão acima). Além de todo o aspecto conceitual, Antagonistas possui ainda, logicamente, uma boa relação de seres que podem utilizados para estes fins em diversas aventuras.
Na verdade, o livro inteiro é bem parecido com o próprio capítulo de mesmo nome, existente em todo livro básico do antigo Mundo das Trevas: há um pequeno conto introdutório sobre o inimigo em questão, seguido pelo sistema de regras e exemplos de personagens. Porém, nesta obra o conteúdo é mais intenso e detalhado.
Como manda a tradição da WW, o livro começa com o conto introdutório para dar o clima, seguido por uma breve introdução sobre o que o livro trata. O fato curioso aqui é que as referências se encontram no começo do livro, logo nas páginas 16 e 17. Um pouco incomum. Também a pequena quantidade de referências é algo a se comentar, como ponto negativo. Para equilibrar, as fontes listadas fogem um pouco das que são mais encontradas em livros deste tipo, chegando a mencionar obras ótimas, mas pouco conhecidas, como o livro Calcutá: Lord of Nerves e o filme Dog Soldiers. Bingo!
Os inimigos em si são divididos em quatro extensos capítulos, que cobrem o restante do livro: o primeiro capítulo (Os Mortos-Vivos) é dedicado aos cadáveres ambulantes, como zumbis e golens – chamados de imbuídos; o segundo capítulo, chamado de A Necessidade de Vingança, trata dos caçadores de monstros, simples mortais que dedicam as suas vidas para exterminar os seres das trevas; no capítulo três (os Justos e os Perversos) são mostrados diversos cultos religiosos; fechando o livro, temos o capítulo chamado de O Medo Encarnado, onde existe uma compilação de vários seres sobrenaturais. Vamos agora destrinchar o conteúdo.
Eu sou um tanto suspeito para opinar sobre o capítulo sobre os mortos-vivos, pois sou um fã ávido de zumbis. Porem, tudo que eu posso dizer que é, sem sombra de dúvida, a melhor parte do livro, e que sozinho faz valer a sua compra. Aqui estão descritos em detalhes os principais tipos de mortos-vivos, tais como zumbis, imbuídos, reencarnado e invasores, mostrando suas teorias de criação, pontos fortes, fraquezas e exemplos de personagens e mini-cenários. Destaque positivo para as regras de construção de zumbis, que são bem detalhadas e coerentes, ocupando cerca de 4 páginas. Com elas é possível criar de zumbis comedores de miolos, como vistos em O Retorno dos Mortos-Vivos, até máquinas velozes de matar, exemplificados no filme Extermínio. Um prato cheio para o Mestre que gosta de personalizar os seus NPCs. A parte dedicada aos golens e reencarnados também é interessante, apesar de não possuir tantos detalhes quanto os zumbis, porém tem o seu glamour, principalmente no quesito ambientação, onde apresenta bons exemplos de como utilizar estas criaturas em aventuras. Para fechar, cerca de meia dúzia de personagens prontos, com um breve histórico, ilustrações e estatística de jogo.
Já na seção seguinte, dedicado aos caçadores mortais, pode ser percebida uma grande mudança de ritmo. Se você esperava aqui por uma reedição moderna do clássico Os Caçadores Caçados, da antiga linha WoD, vai se decepcionar: nada de vantagens novas, armas ou poderes oriundos da fé verdadeira. Aqui se tem somente um imenso compilado sobre motivações e táticas de batalha empregadas pelos caçadores, com informações úteis para o Mestre e jogadores, tais como dicas de como subornar a policia, estratégias de enfrentamento contra lobisomens e coisa e tal. Trinta páginas um tanto chatas e de utilidade duvidosa. Ah! E no final, não poderiam faltar os personagens prontos.
Por falar em fé, o próximo capítulo dedicado às seitas religiosas é interessante. Na parte de sistema, é demonstrado um ótimo mecanismo de lavagem cerebral (o que deve ocorrer muito em aventuras envolvendo cultos). Já considerando a ambientação, existe todo um tratado sobre os tipos de cultos, seus motivos, métodos e operação, táticas de recrutamento e similares, com direito a uma pincelada sobre o terrorismo no Mundo das Trevas. Um tipo de material incomum em se tratando de WW, que pode ajudar bastante o Mestre que têm como objetivo a inclusão de seitas e cultos em suas aventuras, algo já bem comum em outros RPGs, como Kult e Call of Cthulhu.
No último capítulo estão reunidas várias criaturas que não se encaixaram nas classificações anteriores. Estão presentes seres inusitados como Bolor Tóxico, a Fome e Fera de Belém, todos apresentados no tradicional formato “conto+ilustração+descrição+estatísticas” somadas a algumas idéias para aventuras. O material reunido aqui é de boa qualidade e certamente encontrará uso em aventuras com mortais e até mesmo com outros seres do Mundo das Trevas. Também existe uma breve parte contendo dicas sobre os monstros, como métodos de uso dos bichos, motivações, etc. O segundo melhor capítulo do livro.
Na parte gráfica, Antagonistas segue o mesmo padrão de qualidade visto em outros títulos da série, com boas ilustrações em preto-e-branco espalhadas pelo livro, e páginas bem organizadas. A presença dos boxes de informações (semelhantes às colunas laterais do Gurps) é muito bem-vinda, destacando conteúdo importante no meio do texto.
Em resumo, Antagonista é um bom livro, fornecendo material de qualidade tanto para Mestres quanto Jogadores. O ponto positivo da obra é a capacidade de poder ser utilizada tanto em jogos com mortais como protagonistas, quanto com outros seres tradicionais do Mundo das Trevas, como Vampiros, Lobisomens e Magos; sem dúvida, está é uma qualidade poderosa. Como ponto fraco pode ser destacado o capítulo dedicado aos caçadores mortais: poderia se melhor trabalhado (como foi feito no passado), ainda mais se tratando de um tipo de Antagonista muito especial e versátil, que pode ser utilizado como inimigo de todos os seres do MdT, e ainda como protagonista em outro monte de aventuras.
Lembra do assunto abordado no início desta resenha? As conquistas mais difíceis costumam ser as mais valorizadas? Tente por em prática esta idéia na sua próxima aventura, apenas tenha cuidado em não confundir “difícil” com “impossível”. Equilibrar os desafios de uma aventura é um dos maiores desafios do Mestre, mas resulta em jogos e inimigos memoráveis.
Se o seu objetivo é propiciar melhores e mais elaborados desafios aos seus jogadores, este é o livro certo. Ainda mais se você tem o interesse de incluir algum morto-vivo ou culto religioso em sua crônica. Você verá que atingiu o sucesso quando da próxima vez que os seus jogadores enfrentarem um inimigo, eles pensarem duas vezes antes de provocá-lo!
Por Clayton Mamedes
Notas (de 1 a 6)
– Layout/Arte: 4
– Texto: 5
– Conteúdo: 4
Nota Final: 4
Ficha Técnica
Livro: Antagonistas
Jogo/Sistema: Mundo das Trevas/Storytelling
Editora: Devir (White Wolf)
Autores: Pamela Collins e outros
Idioma: Português
Número de páginas: 132 páginas
Acabamento: Capa dura, preto e branco
Dimensões: 28 x 21.6 x 1.3
ISBN: 9788575322406
Essa resenha foi publicada originalmente no antigo portal em 15 de fevereiro de 2008, onde teve 3.036 leituras.