Mago, o Despertar (resenha)

Ars Mysteriorum. Pronto, terminei de ler o novo Mago. Minha cabeça está pesada, meu corpo dói. Um milhão de idéias fervilham em minha mente todas as vezes que fecho os olhos. Idéias de pequenos trechos de como poderão ser as aventuras para esse novo universo. Vampiros? Lobisomens? Esqueça-os, se você quer poder de verdade nesse novo mundo das trevas, seu jogo é Mago, o Despertar.

É difícil encontrar as palavras para definir o Mago. Sério mesmo, elas correm de um lado para outro e cismam em não parar no lugar, é como a magia funciona, ela é especial e difícil de manter.

É necessário um ponto para começarmos a falar sobre o jogo. Mago, o Despertar é um jogo muito bom. Simples assim. Mas ele não é nem jamais será tão simples. Esse jogo é o encontro de Ars Magica com Kult, Witchcraft, Changeling, Wraith e Demon. Ele não é original, é um amontoado de idéias diversas, já vistas em muitos outros RPGs, mas que ficou consistente, interessante, divertido e estranho.MoD_Basico

Para aqueles que estavam acostumados com o antigo Mago, a Ascensão e acreditavam que Primórdio era a coisa mais sem pé nem cabeça que já tinham visto, esperem até encontrarem o calhamaço de informação sobre magia que se espalha entre as páginas 108 e 291 do livro. Pelos deuses dos reinos Supernos, o livro possui ao todo 400 páginas e 183 delas, quase metade do tomo, é apenas para a descrição de como se faz magia e uma lista enorme de Rotas!

Até agora eu falei muito e me perdi, escrevi e não passei nenhuma informação. Vou melhorar isso. Se existe um jeito certo de eu falar sobre Mago, o Despertar, é por um Caminho, e assim falarei sobre a estrutura básica do livro.

De início temos uma capa linda, azul, com um monólito de pedra, quebrado, sob o fundo de um oceano azul claro, com efeitos metálicos, um trabalho que simplesmente merece os parabéns.

A diagramação do livro é boa, não é fenomenal, somente boa, melhor do que a do Lobisomem, Os Destituídos, mas inferior à do Vampiro, o Réquiem. A maior parte do livro é em duas colunas. Mas… Existem umas 170 páginas em três colunas, que são as descrições das Rotas. Já viram as magias do Livro do Jogador do Dungeons and Dragons 3ª edição? É a mesma ideia.

A parte interna das páginas tem um efeito de amarrado. Como se as páginas do livro fossem amarradas com um barbante, algo velho, algo realmente antigo, cujo artesão não tinha muito conhecimento de encadernação, dá um efeito legal.

O livro é preto e branco. Diferente do Vampiro e do Lobisomem, que tinham destaques nas cores vermelho sangue e sépia, o Mago ficou preto e branco, com alguma coisa em marrom claro.

É inevitável falar de uma coisa que muitos se perguntaram como ficaria: a arte interna. Primeiro direi que a arte interna é toda desenhada por apenas um desenhista, Michael Kaluta. Para quem não o conhece, mas conhece o antigo mago, aviso que foi ele que fez os desenhos de separação de capítulos, sabe a capa do “Livro da Tradição: Adeptos da Virtualidade”? Pois então, foi ele o artista. Agora eu digo, a arte interna está aceitável. Com alguns desenhos muito bons, outros apenas razoáveis, mas nenhum é fenomenal. Destaque para os belos símbolos dos Caminhos e uma vaia para os “signature characters” dos Caminhos e das Ordens.

O livro é separado da seguinte maneira:

Prólogo: aqui temos um diário de Arctos, um mago recém desperto, seguidor do Caminho de Acanthus, onde ele conta sua trajetória mística a seus conhecidos Magos. Créditos e Índice.

Introdução: onde nos são apresentados os primeiros conceitos básicos do jogo, seu tema, seu clima, uma lista de termos e seus significados e um glossário das regras de Magia.

Capítulo Um – Arcanus Mundos (O Mundo Secreto): Aqui sim, temos a história da magia no mundo. No início do tempo os seres humanos eram perseguidos por monstros, caçados por predadores, controlados por espíritos e com isso viviam vidas repletas de sofrimento e medo. E então veio o sonho dracônico, que chamou vários dos humanos para uma viagem a uma terra distante, desconhecida, à qual foi dado o nome de Atlântida. Após a penosa jornada, os humanos que conseguiram guiar-se pelo sonho chegaram à ilha, mas os dragões já haviam ido embora. Quando chegaram a Atlântida eles sonharam mais uma vez, a ilha enviava novas visões e mostrou a eles como poderiam aprender a controlar os símbolos estranhos que eles viram quando sonharam pela primeira vez. Então os humanos começaram a praticar as técnicas da herychia, “a quietude” ou “a incubação”, aonde se tornaram reclusos em cavernas escuras e seus corpos entraram em um sono profundo, enquanto suas mentes viajavam pelo plano astral. Nessa viagem eles encontraram os daimons de suas almas, o gêmeo escondido de cada alma do viajante. Esses juízes os desafiaram a alcançarem os Reinos Supernos. Muitos falharam, mas alguns conseguiram chegar a esses Reinos. Os que retornaram dos Reinos Supernos tinham agora sua alma iluminada, eles conseguiam ver através do Reino Invisível e os segredos que movimentavam a criação, eles descobriram a magia.

Mas resumindo a história, houve uma guerra entre os magos e os vencedores criaram uma escada para que apenas alguns escolhidos chegassem nos Reinos Supernos, os magos que haviam sido expulsos de Atlântida retornaram e subiram a escada. Uma segunda guerra aconteceu, dessa vez nos Reinos Supernos. A escada foi destruída. Um Abismo foi criado, separando os Reinos Supernos dos Reinos Caídos. Atlântida afundou.

Tempos depois cinco torres de vigília apareceram, cada uma em um dos Reinos Supernos. Essas torres enviavam sinais para guiar, os poucos cuja alma necessitava iluminação, aos Reinos superiores. As Torres são:

A Torre da Chave Dourada: Fundada em Aether, o Reino das Esferas Celestiais, aonde o relâmpago ilumina o céu e mágica cai como chuva.

A Torre da Manopla de Ferro: Fundada em Pandemônio, o Reino dos Pesadelos, aonde os labirintos da mente podem levar qualquer um à loucura e aonde todas as trilhas são ilusões.

A Torre da Moeda de Chumbo: Fundada em Estígia, o Reinos das Criptas, onde os tesouros da terra são guardados e um dia todas as coisas acabarão.

A Torre do Espinho Lunargent: Fundada em Arcádia, o Reino do Encantamento, onde o tempo corre de maneira estranha e uma palavra dita descuidadamente pode governar o destino de uma pessoa para sempre.

A Torre do Livro de Pedra: Fundada na Selva Primitiva, o Reino dos Totens, aonde a carne é sempre renovada e o efêmero é tão sólido quanto à matéria.

Os magos agora, sem alcançarem os Reinos Supernos diretamente, seguem um dos faróis e alcançam a um Reino, para então escreverem seus nomes reais na Torre que os chamou, e assim despertarem para uma realidade escondida, uma realidade mística, para se tornarem Magos.

Um mago pode despertar de duas maneiras, através de um Jogo Misterioso, aonde ele anda em seus sonhos e os vive acordado. A realidade ao seu redor se modifica e ele persegue a Torre, dentro de uma alucinação visível apenas para si mesmo. A outra maneira de despertar é através de uma jornada astral, aonde a alma do mago viaja para encontrar uma das cinco Torres. Quando o mago desperta ele segue essa trilha até uma das Torres e segue o Caminho de vida imposto pelo Reino. Cinco são os Caminhos: Acanthus: o Caminho do Cardo leva a Arcádia, o reino das plantas e do encantamento. Um Acanthus também é chamado de “Encantador”. Controlam os Arcana do Tempo e Destino.

Mastigos: o Caminho da Flagelação leva ao Reino de Pandemônio, o reino dos Pesadelos. Um Mastigos também é chamado de “Bruxo”. Dominam os Arcana Mente e Espaço.

Moros: o Caminho da Ruína leva ao Reino de Estígia. Um Moros também é conhecido como “necromântico”. Controla os Arcana da Matéria e Morte.

Obrimos: o Caminho do Poder leva ao Reino de Aether, o reino celestial, guardados por hostes com espadas de fogo. Controlam os Arcana da Força e Primórdio.

Thyrsus: o Caminho do Êxtase leva ao Reino da Selva Primitiva. Os xamãs Thyrsus controlam os Arcana da Vida e Espírito.

O capítulo ainda fala sobre a sociedade mística, sobre as intrigas, sobre os protocolos, membros e suas organizações. E justamente essas organizações são o cerne da política dos despertos. A ordem da Flecha de Adamantino é a ordem que crê na guerra, na força, na honra, na força da adaptação. O Conselho Livre, a única das cinco ordens que orgulhosamente não é descendente de Atlântida, crê que a democracia busca a verdade, que a hierarquia reforça a Mentira, que a humanidade possui segredos arcanos. Os Guardiões do Véu são os assassinos, os juízes e os magistrados da sociedade desperta. O Mysterium é a ordem que busca desvendar os segredos do mundo, que procura os conhecimentos perdidos e aqueles que ainda não foram sequer vistos. A Escada de Prata é a ordem que tomaram para si os caminhos da conquista da realidade, eles acreditam que os despertos são uma nação, que o Imperium é o direito da humanidade, que a Escada de Prata é o caminho da vitória.

Um pouco também é falado sobre os Profetas do Trono, o grande antagonista de Mago, o Despertar, uma ordem mística que serve aos Exarchs, e acreditam que todos os magos são uns perdedores. E fala sobre os Banidores, um grupo de despertos que acredita que os magos são uma maldição, e, portanto, devem ser destruídos.

A quantidade de informação registrada nesse primeiro capítulo é muito grande. Muitas informações, muitas idéias, muito solo para se pisar para a preparação de um cenário.

Capítulo dois ¬ Personagens: Aqui são apresentadas as modificações para se adicionar o “modelo” mago num personagem. A criação do personagem, sua história, suas habilidades, características e novas qualidades. E por falar em novas qualidades, enquanto no Vampiro: o Réquiem, apenas umas 5 novas qualidades foram apresentadas, e no lobisomem apenas umas 3, no Mago: o Despertar são 14 novas Qualidades. Um destaque especial para a Qualidade Escravo (thrall), que define que o mago controla uma Pedra da Alma de outro mago, e esse deve três favores ao possuidor.

Capítulo três ¬ Mágica: Pronto, chegamos à maior parte do livro, o capítulo que define o que é magia no novo mundo das trevas. É um trabalho penoso tentar colocar em poucas palavras toda a informação contida aqui, por isso farei apenas alguns comentários e uma conclusão geral sobre o capítulo, quase uma resenha à parte.

A magia de Mago, o Despertar, é realmente forte, para o cenário. Lembrou-me muito uma mistura de Ars Mágica, Kult e o antigo Mago, a Ascensão. De maneira simples o mago possui duas características místicas, a Gnose e os Arcana.

A Gnose representa o conhecimento que o mago tem do que é Superno, a habilidade de criar mudanças na realidade. É o poder mágico cru. Essa característica vai de 1 a 10 e equivale à “Potência do Sangue” vampírico e ao “Instinto Primitivo” dos Lobisomens.

Os Arcana definem o entendimento do mago sobre os fenômenos que a magia manipula. 10 são os Arcana: Morte, Destino, Forças, Vida, Matéria, Mente, Primórdio, Espaço, Espírito e Tempo. E são definidos de 1 a 10 também.

Para se fazer magia temos duas maneiras, uma é a Magia através de Rotas, que são caminhos predefinidos, que criam um efeito místico de maneira mais segura. O teste de uma rota é Atributo + Perícia + Arcanum. As rotas são segredos muito bem guardados por cada uma das Ordens.

A outra maneira de se conjurar uma magia é a magia improvisada. O teste é Gnose + Arcanum.

A chance de paradoxo para magias improvisadas é muito maior do que para magias de Rotas. Agora o paradoxo funciona com um teste, quanto maior a Gnose do Mago, maiores são as chances de Paradoxo e maiores as possibilidades dos efeitos do Choque de Retorno. Um ponto importante do paradoxo é que em vez de receber os efeitos do choque, o mago pode “tomar dano” e absorver o paradoxo, ferindo a si mesmo, mas permitindo que a magia ocorra.

Bem, magia é difícil, cara e com efeitos mirabolantes. Gasta-se um bom tempo para aprender todos os detalhes do sistema e suas capacidades.

Capítulo quatro ¬ Narração e Antagonistas: Meu capítulo preferido do livro. Nele são mostrados os revezes de ser um mago, fala sobre como o poder corrompe, fala sobre a Sabedoria e a Arrogância, fala sobre uma visão do cenário que mostra as interações dos magos com o meio em que vivem. Realmente um capítulo repleto de informações úteis. A lista de antagonistas é pequena, mas facilmente adaptável. Aconselho comprar o livro “Predators” para uma lista bem maior de antagonistas. Serve tanto para Lobisomem quanto para Mago.

Apêndice um ¬ Legados: os Legados são uma evolução dos Caminhos de Poder ou das Ordens. O equivalente dos magos às Linhagens dos vampiros e aos Campos dos Lobisomens. Na verdade eu vejo isso como Classe de Prestígio. Cada um dos Caminhos (ou trilhas, como preferir) possui vários Legados, mas no livro são descritos apenas alguns. Os Órfãos de Proteus: um legado dos Thyrsus. Os Adeptos Aprimorados: um legado dos Obrimos ou dos Flechas de Adamantino. Os Subtos: um legado dos Mastigos ou dos Guardiões do Véu (os Subtos também são conhecidos com Ahl-i-Batin). Os Reis Sem Coroa: um legado dos Moros ou do Conselho Livre. Os Caminhantes das Brumas: um legado dos Acanthus ou do Mysterium. Os Scelesti (os amaldiçoados): um legado que pode ser obtido por qualquer caminho. Os Tremere Lich: um legado Moros (vampiros de almas).

Apêndice dois ¬ Boston: fala sobre a cidade de Boston no estado de Massachussets. A cidade foi escolhida devido à sua grande tradição de bruxos e feiticeiros estadunidenses. O Cenário ficou bom, é possível adaptar muito do que está no livro para qualquer cidade grande, o que facilita o trabalho do Narrador ao criar o seu próprio cenário.

Índices: Além do índice geral do livro há ainda dois índices: um para as rotas e outro para as magias improvisadas. Só de rotas são quase 380. Sem índice não fica tão fácil encontra-las.

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Como eu havia dito no início, o novo Mago é complexo, repleto de coisas diferentes e contém muitas informações, abordou os despertos de maneira muito mais mística. Os pontos positivos dele são: a preocupação em fazer algo diferente, o sistema de magias, que mesmo complicado é bem versátil, e a idéia dos Legados. Os pontos fracos ficam por conta da comparação com o livro do Lobisomem, o Abandonado (paria) e com o Réquiem, além de EU não gostar 100% dessa história de Atlântida.

Com o fechamento do terceiro título básico do nWoD podemos afirmar que agora ele é o nWoD&D. Muito mais próximo da abordagem do d20, mas sem os níveis.

Vale a pena comprar o livro? Eu diria que os fãs do novo mundo das trevas vão gostar muito do mago. A arte está boa, o livro em si está muito bom. Os fãs do antigo mundo das trevas sentirão falta da tecnocracia e da abordagem mais científica do mundo. Eu, particularmente, não sinto falta nenhuma dos Tecnocratas (tá bom, eu gostava dos Progenitores).

Atenciosamente,
Fabio L. Ribeiro
Brasília ¬ DF
Gamaliel, Acanthus, Guardião do Véu.

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Esta resenha foi publicada originalmente no antigo portal da REDERPG em 16 de setembro de 2005, onde teve 4.949 leituras. Ela foi feita com base no livro original em inglês, bem antes da versão em português ter sido lançada pela Devir Livraria.

 

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