Atrás do Escudo do Mestre: Mudanças e Surpresas nas Campanhas!

Atrás do Escudo do Mestre (Behind the Screen) foi uma excelente coluna no site oficial de D&D na época da 3ª Edição que infelizmente não está mais disponível lá. Na época, nós publicamos vários artigos traduzidos dessa coluna e agora trazemos essas traduções de volta no Arquivo REDERPG. “Equilíbrio entre Variedade e Previsibilidade” foi o terceiro artigo da coluna, cuja tradução foi publicada em 20 de abril de 2005 e teve 3.147 leituras. O artigo foi escrito originalmente por Jason Nelson e traduzido pelo Newton “Nitro”. Confira a seguir.

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No último artigo, nós examinamos alguns perigos inerentes à mudança da forma e na variedade da estrutura de uma campanha, incluindo a importância de estabelecer uma linha básica (para reforçar a diferença ou a variedade quando ela ocorrer) e de decidir o que os jogadores (e seus personagens) irão saber ou terão a chance de descobrir. Além disso, o último artigo mostrou como enriquecer a sua campanha com o uso seletivo das descrições e das informações sobre os aspectos desconhecidos do cenário. Esse artigo irá explorar mais a fundo aquela ideia e assumir que você decidiu fazer algumas mudanças ou colocar algumas surpresas em sua campanha, e está procurando algumas idéias de como e quando implementar essas mudanças.detail_red_dragon

Um dos mais freqüentes arrependimentos relatados pelos jogadores mais experientes é que eles já viram de tudo e já fizeram de tudo em termos de jogo. Eles podem sentir que já não existem mais novos mundos para conquistar ou talvez eles achem que todos os cenários parecem iguais. Esses sentimentos são, em muitos casos, uma conseqüência inevitável que vem depois de muitos anos de jogo. Esses jogadores e mestres realmente já viram e fizeram muitas coisas, e achar que o centésimo encontro com um dragão dentro de uma masmorra seja tão interessante e emocionante quanto o primeiro é algo totalmente fora da realidade. Parte da culpa está na estrutura básica do jogo, e como um Mestre, é de sua responsabilidade trazer e melhorar sua campanha com o inusitado. O nosso último artigo abordou os problemas de ir muito longe nessa decisão de trazer coisas diferentes para a sua campanha, pois muito do valor do jogo está nas bases tradicionais (o desafio, os heróis, os monstros, etc.) e essas bases formam a estrutura básica para a sua campanha, a base onde você poderá introduzir a variedade. Dito isto, você também não deve deixar sua campanha cair na “mesmice”, não importa o quão bem descrito e contextualizado, e simplesmente dar aos seus jogadores exatamente aquilo que eles esperam.

Você pode criar várias surpresas para seus jogadores, e nesse momento é onde o aspecto modular do Dungeons & Dragons realmente brilha. Você pode aplicar um modelo de criatura ou classe de personagem (ou até mesmo classes de prestígio, se a criatura puder cumprir com os pré-requisitos) para uma criatura típica e criar um grande número de possíveis aliados e inimigos originais para o seu grupo de aventureiros. Essas habilidades. Essas novas habilidades se somam às capacidades normais da criatura para criar algo totalmente diferente (e em muitos casos, mais perigoso). Algumas combinações são óbvias, como um bando de orcs bárbaros em um lar em meio a uma mina abandonada. Alguns são mais raras, como um orc ilusionista que ilude o grupo de aventureiros para atacar um grupo de caçadores de orcs, deixando-os por meio de magia com a aparência de orcs. Talvez o líder a tribo seja um fantasma de um orc druida com várias cobras gigantes como seus aliados. As possibilidades são infinitas, e por causa do modo como o sistema é organizado, você não vai ter dificuldade para criar uma variedade de desafios que podem não estar tão óbvios para os jogadores ou para seus personagens até o momento em que você os surpreende com a novidade. Você pode criar oportunidades de pesquisa ou dar pistas para as surpresas que os aguardam mais a frente, dando incentivos para os PdJs (personagens dos jogadores) pesquisarem mais sobre o mundo, dando um contexto onde eles terão uma recompensa realista. Eles não estarão apenas pesquisando para ter mais detalhes sobre o cenário e sim para se prepararem frente aos futuros inimigos (ou para os prováveis aliados) a fim de terem uma vantagem quando os encontrarem.

Além de alterar as criaturas na campanha, você pode mudar as escolhas que as criaturas fazem, os instrumentos que eles usam e o que eles fazem com suas habilidades naturais. Nem todo orc precisa usar uma espada longa ou uma lança. Tente dar a eles um grupo mais variado de armas de longo alcance e faça-os levar os aventureiros se deslocarem em direção a um outro grupo de orcs, que os estariam esperando com lanças enormes, bem ao estilo de “Coração Valente”. Experimente com armas e táticas diferentes de combate. Introduza aliados estranhos ou inesperados dos seus inimigos. Ao invés dos ogres, lobos ou lagartos gigantes, os aliados mais comuns dos orcs, talvez a sua tribo de orcs tenha se aliado a um otyugh ou possuam um grupo de hipogrifos treinados. Essa tribo pode até mesmo ter uma cockatrice dentro da área onde guardam seu tesouro.

Dentro da mesma linha, você poderia alterar os ambientes onde os eventos acontecem. Por exemplo, você poderia tirar os orcs da mina e colocar-los no alto de uma chapada montanhosa no meio de uma área desértica sob um sol abrasivo ou colocá-los em um vale gelado coberto de neve, cortado por um rio gelado (que pode estar tão congelado que se poderia caminhar sobre ele). Ou até mesmo, a tribo pode ser encontrada à noite, em meio a uma floresta coberta por uma névoa. Tire vantagem dos mais diferentes ambientes, em termos de terreno e clima, e crie oportunidades para os personagens usarem todas as suas diferentes habilidades, incluindo cavalgar, nadar, escalar, pular, etc. Essa variação do ambiente, criando algo diferente do terreno plano de uma masmorra ajuda os jogadores a olharem a situação (de combate ou de outro tipo) de uma maneira diferente e ajuda a quebrar a monotonia e a “mesmice” desses eventos de combate. O princípio aqui não é apenas olhar aquilo que você tem em sua campanha, mas também observar como os elementos que você colocou na campanha estão sendo usados.

Outra ferramenta valiosa para aumentar seus horizontes como Mestres é olhar além daquilo que você encontra dentro das regras básicas. Os lugares mais óbvios para procurar por novas idéias seriam os outros produtos especificamente criados para o Dungeons & Dragons ou para o Sistema D20, sejam eles aventuras, livros de classes ou livros de raças, etc. Você pode pegar alguns talentos ou magias emprestadas do livro Aventuras Orientais e adaptá-los à sua campanha de fantasia inspirada na cultura européia, ou usar algumas raças de PdJs do livro básico de Forgotten Realms, ou um item mágico de um módulo de aventura. Dada a proliferação de materiais para o sistema D20 criados por outras companhias, você poderá encontrar muito material para sua campanha. Por exemplo, uma simples busca na Internet poderá fornecer muitos sites sobre o Sistema D20 ou sobre Dungeons & Dragons, grupos de discussão, fóruns, que podem lhe fornecer várias informações e idéias para você e sua campanha. Alguns sites, grupos de discussão e fóruns se dedicam exclusivamente a um cenário ou gênero, incluindo linhas de produtos de Dungeons & Dragons descontinuadas, cenários como Birthright e Al-Qadim entre outros. Muitos sites oferecem resenhas sobre os novos produtos publicados enquanto outros foram criados por pessoas ou grupos que gostam de criar material para jogos de RPG e dividir com a comunidade de jogadores. Além de idéias para jogos e campanhas, você também poderá ler sobre as campanhas de outros grupos, tais histórias podem ser muito interessantes, ou pelo menos, fornecer novas idéias que você poderá incorporar em seu jogo.

Além das publicações atuais de Dungeons & Dragons, do sistema D20 e dos fóruns, você pode encontrar muitas ideias originais e interessantes em produtos feitos para outros sistemas de jogo (incluindo das edições anteriores de Dungeons & Dragons). Com um pouco de trabalho, essas idéias podem ser adaptadas à sua campanha. Na maioria das vezes, o cenário, o estilo e a apresentação dessas idéias são realmente importantes; você talvez não precise de estatísticas de jogo para a maioria das idéias que você irá encontrar. Você pode também usar um grupo de idéias de um outro cenário para dar um gosto diferente para uma parte particular do seu mundo. Talvez o vasto deserto de Anauroch em Faerûn pode ter os elementos do cenário de Dark Sun, ou talvez os magos de uma terra em particular usam magias e criam itens mágicos adaptados do cenário de Warhammer, ou talvez os elfos usem as magias e itens do RPG do Senhor dos Anéis. A adaptação de ideias diferentes dá um pouco de trabalho, mas a recompensa será as variações e as novas idéias que entrarão na sua campanha, quebrando a rotina.

Finalmente, você também pode criar suas próprias variações. Todo Mestre tem várias idéias de os elementos tradicionais do RPG poderiam ser diferentes. Em sua campanha, você pode e deve alterar aquilo que você achar melhor. Além de apenas agir de acordo com o que as regras “oficiais” ditam, você pode inventar classes e raças completamente novas, mudar classes existentes, mudar listas de magia, mudar o modo como certas criaturas (ou um determinado grupo de criaturas) se encaixam dentro de um mundo de jogo, ou modificar suas naturezas básicas e seus poderes, etc. Você irá descobrir que esse é um caminho muito gratificante e recompensador porque permite que você desenvolva seus “músculos criativos”. Além disso, muitos Mestres e Jogadores acabam criando mundos de campanha detalhados e complexos, cheios de “regras da casa” e mudanças para que possam realmente vivenciar a o elemento fantástico de um jogo de RPG de fantasia.

Tudo que foi citado acima são dicas de como se pode usar, ou até mesmo alterar, as regras básicas do D&D para aumentar a diversão de uma campanha, mas você deve usar a variação e as surpresas em sua campanha com cautela. Mudanças podem causar conflitos com seus jogadores, se eles sentirem que as suas mudanças acabam invalidando muita coisa que estava presente nos livros de regras que eles gastaram fortunas para adquirir e tempo para memorizar as regras. Para muitos, se não for pelas regras “oficiais”, não se está jogando o “verdadeiro” D&D. Isso parecer ser uma generalização, mas se algum dos seus jogadores tiver esse ponto de vista, você precisa respeitar e lidar com isso. Você deve ter um bom motivo para as suas mudanças, mesmo que sejam apenas mudanças nas aparências das coisas, e você precisa ter cuidado com o “efeito dominó” em mudar elementos de um jogo, pois uma pequena alteração pode afetar o equilíbrio das regras como um todo. A não ser que você faça uma mudança radical nas estruturas do jogo, você precisa ficar atento em como as suas mudanças ou adições se equilibram com o que já está presente no jogo. Por outro lado, você pode ver que as suas mudanças não melhoram as coisas no seu jogo como você esperava. Mesmo se o que você estiver adicionando ao seu jogo seja completamente “oficial” e teoricamente balanceado, você deveria dar aos seus jogadores a chance de ajustar seus personagens de jogo à medida que você vai introduzindo novas oportunidades e idéias. Se você não fizer isso, os pré-requisitos das novas opções podem excluir os antigos personagens, fazendo com que suas “novas opções” não representem nada para os jogadores. E com certeza, eles não ficarão felizes com isso.

Deixando de lado problemas com o design, quando você joga uma campanha com as mudanças que você determinou, lembre-se que essas mudanças não podem ser ilógicas. Não use a variação do usual para jogar seus jogadores em armadilhas. Por exemplo, se eles já combateram centenas de orcs malignos, será razoável e justificável que eles irão atacar o próximo orc que você colocar na aventura, mesmo que você decida transformá-lo em um orc paladino “mega-bonzinho” (que na aparência é idêntico a todos os outros orcs malvados que eles encontraram em suas aventuras). Ou seja, você não pode esperar que seus jogadores vão se adaptar às mudanças que eles não poderiam esperar realisticamente. Também pode ser frustrante para os jogadores se a mudança vier subitamente, de uma maneira prejudicial aos seus personagens. Mudanças podem acabar com o conceito básico dos seus personagens. Em outras palavras, se eles soubessem que a mudança de regra viria, eles poderiam ter criado seus personagens de maneira diferente, ou buscar outras motivações para suas carreiras de aventureiros.

Mudanças e seus efeitos são difíceis de medir, assim cabe ao grupo de jogo (ou pelo menos para o Mestre) ter alguma forma de escrever o que eles têm feito, onde eles foram, e o que eles tem aprendido, especialmente no momento onde entraram as mudanças de regras. Isso ajuda a reconhecer se as mudanças estão funcionando da mesma forma todas as vezes que são evocadas, e ajuda a manter estável a estrutura do jogo. Esses escritos podem ajudar ao Mestre e aos Jogadores se recordarem do que aconteceu, além de assegurar o reconhecimento dos responsáveis pelas experiências bem-sucedidas do jogo. Mesmo se você joga toda semana, entre as sessões você pode acabar esquecendo o que aconteceu com o seu personagem. Lembre-se que seus jogadores possuem vidas ocupadas fora da mesa de jogo e não tem a obrigação de se recordar de tudo que aconteceu em uma sessão de jogo. O mesmo acontece com os Mestres, o que faz das anotações ou dos diários de campanha essenciais para os que querem inserir mudanças em seus jogos.

Resumindo, o que sempre se deve ter em mente ao incorporar mudanças em sua campanha é o seguinte: não dê um passo maior do que suas pernas. Mudanças podem ser uma ótima forma de tirar a monotonia do jogo, porém se forem exageradas, é uma das maneiras mais fáceis de arruinar uma campanha.

CONSELHOS PARA OS MESTRES:

1. Passe uma sensação de normalidade em seu mundo de campanha, mas não apresente para seus jogadores apenas aquilo que eles já esperam e já estão familiarizados.

2. Experimente com as idéias que existem dentro das regras “oficiais” (efeitos de terreno e de clima, armas estranhas e ataques diferentes, criaturas com outros tipos de modelos ou criaturas com classes diferentes).

3. Inclua idéias de outros lugares além das regras “oficiais” do D&D: suplementos para D&D, produtos publicados para outros sistemas de jogo, sites e grupos de discussão (muitos desses com materiais gratuitos de RPG).

4. Considere a mudança e a alteração de alguns pontos das regras “oficiais” mas tenha cuidado em como você irá lidar com a mudança.

5. Mantenha um diário com a sua campanha para lembrar a todos o que já acontecera antes e para dar consistência para o seu cenário.

CONSELHOS ESPECIAIS: SEJA CUIDADOSO COM AS MUDANÇAS

1. Tenha certeza que todos (incluindo você) compreendam as mudanças feitas; cuide dos pontos que estejam obscuros para qualquer um dos jogadores o mais rápido possível.

2. Preste atenção na interação das suas mudanças com as regras “oficiais”.

3. Seja consistente com as mudanças que você fez.

4. Dê aos PdJs crédito. Permita que eles usem o conhecimento e a experiência que eles adquiriram sobre o mundo de campanha.

5. Quando você mudar algo, saiba a razão e por que. Não seja irracional nas suas mudanças e não as use para criar armadilhas para os jogadores ou para seus personagens.

 

Sobre o Autor:

Jason Nelson vivem em Seattle e é um “dono-de-casa” em tempo integral (cuidando de sua filha de 7 anos, seu filho de 4 anos e de seu novo cachorro), um estudante de meio-período (trabalhando em seu Doutorado em políticas de educação) e um ativo e compromissado cristão. Ele mestra um jogo de D&D semanalmente além de ter acabado de completar uma campanha de sete anos de Ad&D (muito modificada) em Forgotten Realms. Ele começou a jogar D&D em 1981, e também joga uma campanha quinzenal com a versão em D&D de seu primeiro personagem, (Tiaden Ludendorff, um paladino psiônico), criado a 21 anos atrás!

 

Publicado originalmente no site da Wizards em 31 de maio de 2002

 

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