Atrás do Escudo do Mestre (Behind the Screen) foi uma excelente coluna no site oficial de D&D na época da 3ª Edição que infelizmente não está mais disponível lá. Na época, nós publicamos vários artigos traduzidos dessa coluna e agora trazemos essas traduções de volta no Arquivo REDERPG. “Equilíbrio entre Variedade e Previsibilidade” foi o terceiro artigo da coluna, cuja tradução foi publicada em 6 de abril de 2005 e teve 1.713 leituras. O artigo foi escrito originalmente por Jason Nelson e traduzido pelo Newton “Nitro”. Confira a seguir.
No esforço de criar a melhor sessão de jogo possível, nós temos examinado o quão importante é para os Mestres e Jogadores chegarem a um consenso sobre o que eles irão jogar e como eles irão jogar. O cenário e os parâmetros do jogo estabelecidos por você, o Mestre, ajudam a guiar as expectativas dos jogadores e sua capacidade de estabelecer e atingir objetivos satisfatórios dentro do jogo. A arte essencial de se mestrar um jogo está em oferecer a variedade suficiente para que o jogo não fique monótono ao mesmo tempo em que se fornece a estabilidade e a confiabilidade para que os jogadores possam fazer suposições significativas sobre o jogo. Esse equilíbrio delicado entre variedade e previsibilidade é o nosso tópico desse artigo.
Na sua base, qualquer mundo de RPG precisa de um senso de estrutura e de uma ideia do que constitui o cotidiano, ou o dia-a-dia do cenário. A beleza de criar um mundo de fantasia está no fato de que esse contexto ordinário, cotidiano, pode ser virtualmente qualquer coisa, e pode variar muito de um lugar para outro. Porém, mesmo com essa variedade, os personagens precisam ter uma noção do que é “normal”. Um mito comum é o fato de que o “normal” ou o “dia a dia” do cenário seria chato e desinteressante para os jogadores. Eu não estou sugerindo que tenhamos que jogar Fazendeiro: O RPG e contar quantas sementes de nabo foram plantadas na semana. O que eu quero dizer com isso é que você pode fazer o ordinário e o cotidiano da campanha algo real e vital através da arte da descrição rica e evocativa. Ou seja, quando os jogadores entrarem em uma cidade, por exemplo, você poderia gastar um minuto ou dois descrevendo as paisagens, os sons e os cheiros que eles encontram. Tenha uma lista de comidas e bebidas que eles podem comprar na taverna local. Fale um pouco sobre o clima, especialmente se eles estiverem viajando pelas regiões inóspitas e selvagens do cenário. As pessoas que eles encontrarem deveriam ser mais do que grupos de números, e os lugares que eles forem deveriam ter mais detalhes do que modificadores de terrenos e listas de encontros aleatórios.
Entretanto, descrições evocativas não são simplesmente passar informações. Em muitas maneiras, a apresentação é tão importante quanto o conteúdo, porque toda a descrição do mundo não irá funcionar se a apresentação não é memorável. Uma das maneiras mais rápidas de criar tédio em uma sessão de jogo é excesso de informações; uma vez que se atinge o ponto de saturação, seus jogadores começarão a se desligar das suas descrições. Um jogador, mesmo o mais devotado, pode dedicar apenas uma parte de sua energia mental para a realidade mítica do seu mundo de jogo. Empurrar páginas de história e de background junto com textos descritivos em cima dos seus jogadores pode ser uma armadilha sedutora, uma ilusão, que pode parecer dar aos jogadores o contexto para dar vida ao jogo. Porém, o que acontece frequentemente é que os jogadores ignoram o excesso de informações e ficam impacientes para uma resolução ou um resumo. Ao apresentar descrições, antecedentes, e contexto sobre o seu mundo de RPG, seja bem seletivo; sinta-se livre para preencher os ambientes e dar apenas a descrição suficiente para dar um “clima” para o local onde os aventureiros estão e com quem eles estão lidando. Porém, tente enfatizar os pontos que são relevantes para os aventureiros e o que eles estão fazendo. Nem tudo precisa interagir com os PdJs (Personagens dos Jogadores) e sua situação presente; por exemplo, lendas e rumores podem dar uma excelente oportunidade para predizer futuras oportunidades de aventura e dar aos jogadores a sensação de que o mundo onde eles estão existe mesmo quando eles estão “fora de cena” (ou seja, quando os PdJs não estão envolvidos). Resumindo, você precisa simplesmente ter o bom senso na hora de usar as descrições e nas informações que você irá passar para os jogadores, evitando os exageros.
Enquanto estiver apresentando informações e descrições, melhore suas descrições com recursos visuais, que podem ser ilustrações ou outras coisas como desenhos, fotografias, mapas, etc. Além disso, use também sua voz, criando diferentes sotaques, modos de falar, ditados populares do seu mundo de jogo, hábitos particulares dos PdMs (Personagens do Mestre) ou até mesmo tiques nervosos. Você pode até mesmo utilizar miniaturas de monstros, jóias falsas para ser um item mágico ou qualquer coisa que possa ser apropriada para a aventura. Podem ser coisas de sua própria criação ou podem estar incluídas em uma aventura ou um suplemento. Você pode apropriar uma ilustração de fantasia para sua aventura, se você não estiver usando um suplemento ou uma aventura pronta. Essas ilustrações podem até mesmo vir de alguma fonte que não tenha relação com RPG. Você pode encontrar excelentes ilustrações e figuras em livros ou em sites na Internet que lidam com viagem, arte, história, arquitetura, mitos e lendas. Ao passar elementos que seus jogadores possam ver ao invés de ficarem apenas ouvindo, você está dando algo para os jogadores associarem mentalmente. Isso irá facilitar a visualização da cena que você está descrevendo além de ajudar os jogadores relembrar o que aconteceu na campanha.
Outra forma de fazer o seu mundo mais coerente e compreensível está em definir exatamente o que os PdJs (Personagens dos Jogadores) deveriam saber. Isto está relacionado com o modo como você organizou as coisas no seu mundo de jogo e sobre o quê é conhecido e o quê não é conhecido pela população em geral do seu mundo de fantasia. O que é geralmente “conhecido” pela maioria da população pode ser verdade ou pode ser mentira, mas o fato é que todos sabem (ou pensam que sabem) muitas coisas em um cenário, e este conhecimento deve ser acessível aos PdJs. O que os PdJs sabem sobre a geografia e as políticas do mundo? Eles conhecem, por exemplo, que Krong, o reino subterrâneo dos anões, existe ou que eles possuem minas do mais puro adamantino nos seus locais mais profundos? Eles já ouviram falar de Gildur, o continente que existe no além-mar e das terríveis Guildas de Ladrões que comandam suas cidades? Se os PdJs são muito provincianos, se desconhecem tudo que exista além de sua cidade natal, toda aventura será considerada tanto como uma exploração e uma jornada, onde tudo é novo. Se os PdJs são mais cosmopolitas, com certo entendimento do que existe no mundo, então suas viagens podem ser mais simples, indo de um ponto ao outro usando seus próprios conhecimentos. É uma diferença de ponto de vista dos PdJs mais do que qualquer coisa, mas isso pode mudar as motivações fundamentais e o número de escolhas que os jogadores terão para interpretar seus personagens. Se eles não sabem que algo existe, eles não têm nenhuma base para ir atrás desse “algo”, a não ser que você coloque pistas no caminho dos PdJs. É você, como Mestre, que deve decidir o quais serão as escolhas disponíveis para seus jogadores, no seu mundo de campanha.
Decidir como o mundo se organiza e o que é conhecido não é apenas uma questão de estilo, é também um problema de mecânica de jogo: Quais são as raças de personagens e as classes que existem nesse jogo? Existem Classes de Prestígio? Magias? Talentos? Perícias? Itens mágicos? Os jogadores estão limitados ao que existe no Livro do Jogador ou existem restrições? Se os jogadores não sabem sobre certas coisas, isso quer dizer que eles não existem ou que eles simplesmente não aprenderam sobre elas? Talvez a Classe de Prestígio do Sábio Elemental do Linhagens e Tomos exista no mundo, mas os PdJs não têm conhecimento dela no início da campanha e apenas a descobrirão se descobrirem um antigo tomo de magia. Talvez os talentos divinos do Defensores da Fé são ensinados apenas dentro de certas ordens clericais e são desconhecidos em outras. Apesar dessa técnica de ir passando o conhecimento pouco a pouco para os jogadores pode ser uma maneira interessante de se mestrar, ela tem conseqüências na jogabilidade porque irá restringir os PdJs em suas escolhas de classes de prestígio ou nos talentos com pré-requisitos específicos que eles possam escolher. Se você preferir iniciar com personagens em ignorância parcial ou total, você terá que preparar o que será revelado mais tarde, seja pela modificação dos pré-requisitos de talentos publicados, classes de prestígio, ou permitir aos jogadores que revisem seus personagens no momento em que a nova informação fica disponível. Uma das vantagens da nova edição do D&D frente as anteriores é que os jogadores possuem muito mais escolhas no processo de desenvolvimento de seus personagens. No antigo AD&D depois de escolhida a raça, classe e perícias era virtualmente impossível de se modificar. Já no D&D 3ª Edição, você pode selecionar de uma série de opções todas as vezes que você ganha um nível. Se você decide restringir as escolhas no começo e for introduzindo novas opções mais tarde, os jogadores podem se sentir frustrados ao não terem uma oportunidade de customizar seus personagens desde o início, se preparando para as outras opções que viriam mais tarde. As novas escolhas que você oferecer podem não ser na verdade nenhuma escolha real, visto que os personagens já estarão muito limitados desde o início. Se você é um Mestre que gosta de limitar as escolhas e opções dos jogadores, decida todas as opções que você irá permitir no início do jogo e não mude a sua posição posteriormente.
Mesmo que você coloque novas opções de mecânica de jogo no meio da campanha ou não, você deve ter em mente todos os tipos de conhecimentos e segredos raros e estranhos que os PdJs poderão aprender durante o curso de suas carreiras de aventureiros. Como coloquei anteriormente, isso pode incluir novas opções de mecânicas de jogo ou experiências adquiridas através de viagens e exploração. Essas novas experiências poderão informá-los sobre outras terras e povos ou até mesmo permitir que eles vejam suas terras natais do ponto de vista de outros povos. Esses novos conhecimentos podem ser a descoberta de planos malignos ou pode incluir o conhecimento ou o acesso às organizações secretas que podem ser associadas às perícias, classes, talentos, magias, etc. Isso poderia até mesmo oferecer oportunidades de treinamento especializado para os PdJs, se tais treinamentos são necessários em sua campanha, a fim de obter novos talentos.
Seja como você estruturar o conhecimento em sua campanha, sendo conhecimento comum versus conhecimento incomum, ou natural versus sobrenatural, o simples fato de estar estabelecendo uma base para o entendimento do seu mundo será muito importante para os jogadores e para seus personagens. Ao criar a base para seu mundo, você faz com que ele seja realmente diferente, dando a base para a variedade e a criatividade aparecer. Sem uma base, a variedade deixa de ser um conceito significativo, porque você efetivamente faz com que tudo se torne amorfo e sem graça. Se você quer que seus jogadores realmente “entrem” no seu mundo de jogo, você tem que criar as bases estruturais para que seu mundo tenha sentido. Quando eles souberem as características e os traços comuns dos povos, das culturas, nações, dos tipos de criaturas mais comuns e do mundo físico onde os PdJs se aventuram, os jogadores poderão fazer associações e entender como todos esses elementos se combinam entre si. Eles também poderão aplicar esse conhecimento e experiência em como eles querem agir nesse mundo. Quando eles sabem o que esperar do seu mundo, eles podem fazer julgamentos úteis sobre o que acontece que é inesperado e desconhecido, e que certamente irá requerer a atenção e as perícias especializadas de um grupo de aventureiros. Nesse ponto, a aventura começa!
CONSELHOS PARA OS MESTRES:
1. Estabeleça uma base: Você precisa de uma base para que exista variedade, senão tudo irá acabar se transformando em confusão.
2. Enriqueça suas descrições: Não se prenda a todos os detalhes, porém enfatize os pontos que são relevantes e que serão memoráveis. Apresente suas descrições das mais variadas formas.
3. Decida o que é conhecimento comum: O que todos (ou pelo menos os PdJs) sabem sobre o mundo, ou pelo menos o que eles acham que “sabem”?
4. Decida como lidar com novas descobertas: Que conhecimento ou segredos os PdJs irão aprender em suas aventuras? Como eles irão usá-los?
5. Faça o que for diferente realmente “diferente”: Definir o que é comum e esperado no seu mundo faz com que o incomum e o inesperado se sobressaiam, o que os faz ser interessantes e memoráveis.
Sobre o Autor:
Jason Nelson vivem em Seattle e é um “dono-de-casa” em tempo integral (cuidando de sua filha de 7 anos, seu filho de 4 anos e de seu novo cachorro), um estudante de meio-período (trabalhando em seu Doutorado em políticas de educação) e um ativo e compromissado cristão. Ele mestra um jogo de D&D semanalmente além de ter acabado de completar uma campanha de sete anos de Ad&D (muito modificada) em Forgotten Realms. Ele começou a jogar D&D em 1981, e também joga uma campanha quinzenal com a versão em D&D de seu primeiro personagem, (Tiaden Ludendorff, um paladino psiônico), criado a 21 anos atrás!
Publicado originalmente no site da Wizards em 26 de abril de 2002