Atrás do Escudo do Mestre (Behind the Screen) foi uma excelente coluna no site oficial de D&D na época da 3ª Edição que infelizmente não está mais disponível lá. Na época, nós publicamos vários artigos traduzidos dessa coluna e agora trazemos essas traduções de volta no Arquivo REDERPG. “Mestre, conheça a si mesmo!” foi o segundo artigo da coluna, cuja tradução foi publicada em 23 de março de 2005 e teve 2.908 leituras. O artigo foi escrito originalmente por Jason Nelson e traduzido pelo Newton “Nitro”. Confira a seguir.
No primeiro texto da série “Atrás do Escudo do Mestre”, nós discutimos como construir a fundação de uma boa campanha através da certeza de que uma boa comunicação esteja ocorrendo entre os jogadores, incluindo o Mestre. Nesse espírito, é importante para o Mestre conhecer a pessoa que ele irá gastar a maior parte jogando – ou seja, ele mesmo. Existem detalhes sobre o modo como você joga e o porquê que você joga que apenas você pode saber, e também existem algumas coisas que você jamais irá saber a não ser que alguém as indique para você. Em todo o caso, se você se esforçar em conhecer quais são suas próprias características como Mestre de RPG você poderá melhorar seus pontos positivos e trabalhar os seus pontos fracos.
Dentro da categoria das coisas que apenas você conhece sobre você mesmo estão aquelas relativas sobre o que você curte quando mestra um jogo e também as coisas que você odeia. Ao pensar nos diferentes elementos de um jogo, você pode aprender um pouco com a sabedoria de Gary Gygax, um dos co-criadores do jogo Dungeons and Dragons. Recentemente ele escreveu uma série de colunas na Dragon Magazine (N.E.: Na época em que o artigo original foi escrito, a Dragon era feita pela Paizo) descrevendo uma pesquisa que ele fez sobre o que os jogadores, e os mestres em particular, sentem serem importantes em um bom jogo e o que eles gostam como parte de seu jogo. Se você se encaixa ou não dentro do perfil típico de jogador que ele descreveu não é realmente importante; o principal é que todas essas categorias (veja abaixo os exemplos) dão uma estrutura conceitual para ordenar o seu próprio pensamento sobre as partes da experiência de jogar (e mestrar) RPG. Com um tipo de sistema de classificação na mente, você poderá identificar as diversas partes do jogo que você mestra e ver quais são as partes que você realmente gosta. Por exemplo, você poderia dividir uma campanha baseada nas velhas aventuras Against the Giants (Contra os Gigantes) da seguinte forma:
1. Combate Corpo-a-Corpo: Matar gigantes, matar mais gigantes, matar ogres e trolls, matar gigantes, etc…
2. Combate Mágico: Lutar contra Ogres Magos. Ter combates dentro de covas de Dragões e dentro de Templos de Elfos Negros.
3. Mistério: Porque as diversas raças de gigantes estão se aliando? O que representa todos esses templos abandonados e altares bizarros? O que são essas mensagens secretas escritas em élfico? O que eles realmente estão tentando fazer?
4. Locais Exóticos: A campanha vai de uma floresta fechada e de uma enorme fortaleza, depois para uma montanha glacial com suas cavernas, um abismo vulcânico e no final no Subterrâneo (Underdark). Como levaremos o grupo de um lugar para outro? Magia? Jornada a pé? O que pode acontecer pelo caminho?
5. Guerra Total: Como será a invasão dos gigantes? Todos os gigantes estão envolvidos ou são apenas as bases da operação? Essa guerra continua enquanto os PJs (Personagens dos Jogadores) estão atacando as bases dos gigantes? Qual é a resposta dos gigantes ao ataques dos PJs? Mais guerra?
6. Contexto Sociopolítico: Como e por que os PJs se envolveram no problema dos gigantes? Eles receberam a missão de um nobre? Foram comandados por um emissário do rei? Simplesmente apareceram no meio da invasão? Os gigantes atacaram as terras de origem dos PJs? Ou atacaram uma nação aliada? O que as outras nações ou raças pensam sobre isso?
7. Enigmas e Quebra-cabeças: O quão escondidas estarão as informações? Os PJs irão ganhar suas recompensas através das vitórias nos combates ou eles terão que encontrá-las usando suas inteligências? Os gigantes serão inteligentes e espertos e terão suas próprias motivações, mesmo com ajuda externa? Eles devem colocar armadilhas e preparar emboscadas? Devem os tesouros e os combates serem métodos de confundir os PJs?
8. Aliados: Os PJs deveriam esperar por ajuda de PMs (Personagens do Mestre) ou das criaturas que eles possam encontrar? Os prisioneiros serão resgatados e podem ser de ajuda para enfrentar a guerra contra os gigantes?
9. Interação: Haverão muitas ocasiões de interação para os PJs com as criaturas que encontrarem? Você precisará de nomes para os vilões ou ele estão lá apenas para serem massacrados pelos PJs? Todos os vilões são maus? Como eles interagem entre si?
10. Tempo: O quão importante é a passagem do tempo na campanha? Os PJs podem entrar no lar dos gigantes na hora que quiserem? Haverá possibilidades para descansar, pegar novos suprimentos, buscar auxílio ou treinar dentro da aventura? O que estará acontecendo com o mundo enquanto os PJs estiverem dentro da aventura?
Ao pensar em questões como estas, você poderá ver quais questões você realmente quer lidar e quais questões você prefere ignorar. Se você gosta de explorar o impacto dos cenários de aventuras no mundo em torno dos PJs, você pode colocar mais ênfase na dimensão sociopolítica da sua aventura, e você pode ou não querer descrever os outros desenvolvimentos da guerra, em outras áreas. Isto dará contexto sociopolítico em um cenário.
Ao lidar com as autoridades locais ou com o que suas investigações revelaram, os PJs sentirão mais o aspecto do mistério da aventura, e ter uma noção básica dos aliados que eles possuem, e presumivelmente uma noção dos locais exóticos envolvidos. A partir desse ponto, eles poderão seguir a aventura ao seu modo:infiltrando nos lares dos gigantes e desfazendo sua aliança por dentro (através de uma campanha de extermínio, se necessário). É claro, você pode não descrever todo o background e fazer com que os PJs encontrem um dos lares dos gigantes por acidente, com pouca ou nenhuma ideia sobre seus planos.
Os gigantes poderiam ser hostis ou poderiam achar que os PJs estão aliados aos seus “conselheiros” de outras raças, o que poderia levar a muita interação ou a uma sessão de pancadaria geral, dependendo do modo como os PJs irão reagir à essa situação. Em outras palavras, você pode pegar um cenário (ou até mesmo um ambiente dentro do mundo de campanha, como uma nação, um mundo ou um plano de existência) e dividi-lo em várias maneiras. Dois grupos diferentes poderiam jogar a mesma aventura publicada mas ter experiências muito diferentes por causa das partes que você como Mestre preferiu enfatizar. Não existe nada errado com isso. De fato, isso poderá aumentar a sua própria diversão (e provavelmente a dos seus jogadores também). Assim procure sempre observar uma idéia de aventura , que seja de uma aventura comprada ou uma ideia criada por você mesmo, e decida quais partes que lhe agrada e quais partes você não tem interesse em enfocar.
Levando tudo isso e, conta, entretanto, você não deve deixar que seu entusiasmo (ou a falta dele) seja o único fator determinante no seu jogo e no modo como você irá mestrá-lo. Você pode muito bem gostar de alguns aspectos do jogo mas não ter a habilidade de desenvolvê-los e isso poderá atrapalhar os demais participantes. Esse é o momento onde a boa comunicação é essencial, porque somente através da conversa com seus jogadores você poderá completar sua lista de seus pontos fortes e fracos como um mestre. Por exemplo, não importa o quanto você gosta da ideia de um combate mágico, se ele transformar o jogo em uma areia movediça de discussões de regras. Uma solução seria refletir sobre os elementos que você está enfatizando no seu jogo até que você possa desenvolver um modo prático e eficiente de aplicar as regras. Da mesma forma, os elementos sociopolíticos ou uma grande quantidade de aliados que você poderia ter escolhido como parte da sua campanha, podem se tornar chatos para os jogadores, se forem exagerados (não importa quão boa e complexa que seja o histórico sociopolítico da aventura, existe um limite até onde os jogadores podem acompanhar em termos de história e política de um mundo de jogo). Ou até mesmo esses elementos podem ser mal utilizados (como se todos os supostos aliados forem na verdade doppelgangers (monstros que copiam o corpo de humanos) ou wererats (homens que se transformam em ratazanas humanoides), por exemplo). Ou talvez tudo esteja bem, mas a campanha está estagnada porque nada ocorre a não ser que o grupo apareça em determinado lugar, e o tempo parece estar parado em um dia de sol eterno.
É importante lembrar que os jogadores podem também falar sobre o que eles acham que você faz bem e onde você esteja facilitando para eles. Talvez as suas descrições dos locais exóticos e das jornadas dos jogadores são evocativas e interessantes, realmente fazendo com que os jogadores sintam a experiência, mas você passa grande parte do tempo colocando-os em masmorras com corredores de 15 metros de largura. Talvez você seja capaz de quebra-cabeças terrivelmente difíceis ou mistérios fascinantes, mas você só os usa ocasionalmente ao invés de colocá-los dentro de toda a trama da campanha. Quaisquer que sejam seus fortes ou suas fraquezas, você pode ser a última pessoa do mundo a conhecê-las, assim use seus jogadores como um espelho para ver o que você está fazendo de bom e em que áreas você pode melhorar. Combinando a informação dos outros com o que você sabe sobre o que você gosta irá fazer com que você melhore como mestre e fazer com que essas áreas de seu jogo não fiquem apenas boas, mas memoráveis.
Ao mesmo tempo, se você descobrir coisas que você não faz muito bem também são as coisas que você não gosta em seu jogo, uma solução simples será evitar (ou ao menos minimizar) esses elementos de seu jogo. Se os seus jogadores também não gostarem desses elementos, essa seria a melhor solução. Por outro lado, você poderia considerar a ideia de que você (e talvez os seus jogadores) possam não gostar desses elementos porque você nunca trabalhou corretamente com eles. Nesse caso, você poderia tentar lidar com esses elementos conversando com outros Mestres (e possivelmente conversando com seus jogadores) sobre formas diferentes de se trabalhar com eles. Jogando com um personagem em uma campanha de um outro mestre poderá ser uma excelente forma de ver do “outro lado” e ver como outros Mestres lidam com diferentes elementos de jogo. Você pode descobrir novas idéias que lhe darão o estímulo para tentar de novo aqueles elementos que você achou chatos, dentro de uma nova perspectiva. Quando você solicitar comentários e sugestões de seus jogadores e de outras pessoas, quando você ver esses comentários como elementos para seu próprio aperfeiçoamento (ao invés de um tipo de crítica ou desafio), você irá melhorar muito a qualidade da sua campanha.
Sobre o Autor:
Jason Nelson vivem em Seattle e é um “dono-de-casa” em tempo integral (cuidando de sua filha de 7 anos, seu filho de 4 anos e de seu novo cachorro), um estudante de meio-período (trabalhando em seu Doutorado em políticas de educação) e um ativo e compromissado cristão. Ele mestra um jogo de D&D semanalmente além de ter acabado de completar uma campanha de sete anos de Ad&D (muito modificada) em Forgotten Realms. Ele começou a jogar D&D em 1981, e também joga uma campanha quinzenal com a versão em D&D de seu primeiro personagem, (Tiaden Ludendorff, um paladino psiônico), criado a 21 anos atrás!
Publicado originalmente no site da Wizards em 23 de março de 2002