Atrás do Escudo do Mestre (Behind the Screen) foi uma excelente coluna no site oficial de D&D na época da 3ª Edição que infelizmente não está mais disponível lá. Na época, nós publicamos vários artigos traduzidos dessa coluna e agora trazemos essas traduções de volta no Arquivo REDERPG. As bases de um bom jogo foi o primeiro artigo da coluna, cuja tradução foi publicada em 9 de março de 2005 e teve 3.695 leituras. O artigo foi escrito originalmente por Jason Nelson e traduzido pelo Newton “Nitro”. Confira a seguir.
Conselhos para os Mestres de RPG é um assunto que é determinado pelo estilo de cada um, e o que pode ser um grande conselho para um Mestre pode não ajudar muito outro mestre. Os conselhos podem ser sobre os mais diversos aspectos: logístico, pragmático (ou de como proceder na mesa do jogo), orientado para o conteúdo da sessão de jogo e interpessoal (à respeito do relacionamento entre os jogadores e o mestre). Preocupações logísticas dizem a respeito de como preparar o espaço físico onde a sessão de RPG irá acontecer. Conselhos pragmáticos cobrem coisas como a organização do jogo, como dar descrições evocativas e como lidar com combate. Recomendações focadas no conteúdo falam sobre como estruturar os aspectos do mundo do jogo de RPG e seus habitantes, e lida com as oportunidades que os PJs (Personagens dos Jogadores) podem ter durante o jogo. Finalmente, conselhos interpessoais incluem dicas de como lidar com as pessoas que compõe o grupo de RPG em um nível individual e coletivo. Nesse primeiro artigo da série “Atrás do Escudo” vamos lidar com as dinâmicas interpessoais do RPG e como você pode usá-las para se tornar um melhor Mestre de Jogo.
O mantra que permite a você, o Mestre, lidar com outros assuntos em torno do seu jogo e tornar a experiência agradável para todos os envolvidos é muito simples e facilmente esquecido: conheça os seus jogadores. Saiba o que os fazem jogar e porquê. Saiba o que eles gostam e no que eles se sobressaem. Saiba os tipos de objetivos e preferências que eles tem para seus personagens e para a campanha. Conheça suas motivações para jogar um RPG em primeiro lugar. Você não tem que fazer um dossiê de todos os seus jogadores atuais ou futuros, apesar do fato de que em alguns grupos de jogo perguntam para um novo jogador sobre os seus hábitos de jogo para saber o que podem esperar. De maneira simples, você deveria saber de onde são os seus jogadores e o que eles estão procurando para assim saber o que enfatizar quando estiver preparando uma campanha.
Adicionalmente, não se esqueça que o Mestre é um jogador também! Jogos de RPG são uma atividade cooperativa, e o Mestre é uma das pessoas envolvidas nessa cooperação. Apesar dos Mestres apenas representar os adversários (e alguns aliados) dos PJs, mestrar um jogo não é uma atividade de “ir contra os jogadores’. O objetivo do Mestre não é “vencer”, assim como os objetivos dos jogadores não é “vencer” __ o objetivo dos dois é criar uma experiência agradável para todos.
Com toda a polêmica que frequentemente envolve o RPG, não se esqueça do “G” da palavra RPG: game (jogo). Um jogo é uma atividade que as pessoas fazem por prazer; se um jogo não dá prazer, então qual é o objetivo? Para a maioria das pessoas, um jogo é onde apenas uma pessoa segura e domina todas as cartas não tem graça. Precisa acontecer uma correspondência, um sentimento de acordo negociado que inclua a contribuição de todos que queiram passar sua contribuição. Então isso significa que tudo que for dito e sugerido precisa ser aceito imediatamente? De maneira alguma. Significa, entretanto, que toda a informação receberá sua devida atenção, para que os jogadores possam expressar seus descontentamentos (se existirem) e para que os Mestres possam considerar idéias para mudanças.
O mestre é um dos jogadores desse jogo. A sua satisfação ou opinião não é automaticamente mais ou menos importante do que de qualquer outro jogador. Como parte de uma acordo negociado (mesmo que seja o mais informal possível) entre o Mestre e os outros jogadores, o Mestre recebe um grau de poderes formais dentro do jogo e um nível padrão de discrição dos jogadores em troca de ser a pessoa com a responsabilidade de criar e administrar o mundo e a mecânica do jogo. O Mestre decido como o mundo do jogo é, onde os PJs irão começas as suas carreiras, qual o conhecimento que eles tem do mundo em torno deles, e quais oportunidades os jogadores podem buscar. O Mestre precisa deixar claro para os jogadores todas as opções que estão abertas para eles. Os jogadores possuem muitas expectativas e precisam aprender sobre todos as peculiaridades sobre o que seus personagens sabem para informarem suas decisões. Por exemplo, os Rangers da campanha do Mestre possuem talentos relativos ao arco ao invés de talentos de duas-armas? Os meio-ogres podem ser usados como uma raça de personagem? Existe uma língua Comum? O cenário de campanha é em uma Europa pseudo-medieval ou algo mais exótico? É mais dungeon-crawl (aventura pé-na-porta-e-mata-monstro)? Ou é mais focada para a exploração de florestas? Ou é uma campanha urbana? Os jogadores confiam no Mestre para tomar estas decisões, mas se as decisões se afastarem muito das expectativas dos jogadores, algum tipo de atrito poderá acontecer.
Quando as expectativas ou preferências sobre o modo como a campanha está sendo realizada encontram disparidades entre os jogadores e o Mestre, todos devem discutir seus pensamentos, idéias e opiniões sobre o curso da campanha. Idealmente, isso deveria acontecer antes que a campanha se inicie, para que as expectativas se alinhem e os conflitos possam ser resolvidos antes das sessões de jogo. Na realidade, entretanto, esses tipos de diferenças frequentemente não se desenvolvem até que a campanha esteja a todo vapor. Por exemplo, o Mestre pode ficar frustrado se os jogadores constantemente ignorarem os “ganchos de aventuras” que ele lhes apresenta ou se os PJs continuarem correndo para as florestas ao invés de entrar naquela ótima e “saborosa” dungeon que foi cuidadosamente montada para eles. Os jogadores podem ficar desencorajados se, esperando uma campanha com pais representação “role-play” com muita interação com PMs (Personagens do Mestre) e solução de enigmas (o que fez com que eles construíssem personagens para lidar com essas situações), acabarem tendo que entrar em uma dungeon atrás de outra, porque o Mestre só lhes oferece esse tipo de opção de jogo. Quaisquer que seja as circunstâncias, os jogadores (incluindo o Mestre) podem ficar com um jogo muito diferente do que estavam esperando.
Então, o que você pode fazer sobre isso? A resposta é simples: converse com seus jogadores! Ao discutir o jogo com eles, você pode ajudar a cristalizar e clarificar os sentimentos das pessoas sobre o jogo. Você também pode ganhar mais conhecimento sobre os desejos dos jogadores e seus estilos de jogo. Se existe uma regra para a interpretação que você não gosta ou queira mudar, discuta com seus jogadores. Eles podem concordar, ou eles podem pensar que não se deve mudar a regra. Eles podem também ser fanáticos pelas regras oficiais. Você poderia dizer “eu estou entediado com essa história de fantasia medieval européia! Eu quero tentar “mestrar” algo no cenário da antiga Índia, mas com PJs malignos!”. Os seus jogadores poderiam responder “Isso parece uma boa idéia! Você poderia “baixar” a campanha de Mahasarpa para ter idéias,”, ou eles poderiam responder “Um…não, eu não concordo. Eu adoro fantasia medieval européia”. Pode acontecer que o que você quer como Mestre e o que os seus jogadores querem sejam coisas completamente diferentes. Se este é o caso, a melhor coisa a fazer é ver se outra pessoa queira “mestrar” o jogo por um tempo, ou você poderia “mestrar” campanhas simultâneas ou alternativas. Por exemplo, talvez um Mestre possa “mestrar” uma campanha de AD&D ou Dark Sun numa semana, enquanto outro “mestra” uma campanha de Forgotten Realms D&D. Você pode até mesmo deixar o escudo do Mestre por um tempo para que outra pessoa inicie uma campanha.
Dentro do assunto de Mestres jogando, uma outra boa maneira de tomar consciência da maneira que os seus jogadores “sentem” o jogo é “sentar dos dois lados do escudo do mestre”. Mesmo que você “mestre” jogos o tempo todo, é muito saudável que o Mestre assuma a posição de jogador de vez em quando, para relembrar como é a sensação de não saber de tudo de antemão. Você pode até mesmo pegar idéias com o seu Mestre ocasional que poderão ser incorporadas em seu próprio jogo. Jogado com seu próprio PJ, com todo o investimento de tempo, energia e (em alguns casos) emoção, também ajuda a recordar o fato de que existem várias maneiras de se “curtir” o RPG. Esse é um ponto que precisa ser enfatizado quando se trata de conhecer os seus jogadores (e a você mesmo como parte do grupo de jogadores): jogadores diferentes gostam de aspectos diferentes do jogo.
O Mestre também precisa possuir (ou desenvolver) algum tipo de habilidade para lidar com pessoas e situações. As vezes os jogadores não se sentem confortáveis de falar suas preocupações abertamente, e os Mestres precisam prestar atenção e lidar com suas preocupações. Um Mestre deveria perceber quando uma situação de jogo está saindo do controle e tomar uma ação imediata para controlar o episódio. Se os jogadores estiverem exagerando nas conversas paralelas e nas piadinhas incessantes, e se eles não estão “presentes “ no jogo, o Mestre deveria pedir ordem e concentração (ou até mesmo parar o jogo para um pequeno intervalo para que as pessoas tenham tempo de terminar o que estavam conversando e voltar ao jogo quando estiverem prontas para jogar). Se os jogadores estão ficando cansados, o Mestre deveria saber como terminar a cena de sua aventura e encerrar a sessão de jogo. O Mestre também precisa ter consciência quando pode ou não “mestrar” o jogo. Se você precisa de mais tempo para preparar um encontro ou se você está se sentindo sonolento às 10:30 da noite e precisa encerrar mesmo que o resto dos jogadores queiram continuar, os jogadores precisam respeitar essa decisão e até mesmo apreciá-la. Isso irá evitar situações chatas causadas por decisões mal-pensadas, que poderiam afetar negativamente as suas campanhas.
Dar atenção para os aspectos interpessoais do jogo, seja antes que você comece a campanha, seja durante o tempo que vocês estejam jogando, pode diminuir uma série de problemas antes que eles tenham a chance de acontecer.Mesmo quando os problemas surgirem, você terá pelo menos a chande de lidar com eles antes que eles cresçam ao ponto de danificar ou mesmo acabar com sua campanha. Antes que você possa falar sobre os aspectos mais específicos de como “mestrar” um jogo, você deve se lembrar que seu grupo é composto de pessoas, de amigos em muitos casos, que se encontram para “curtir” um hobby coletivo. Eles possuem seus próprios pensamentos e sentimentos sobre o jogo e seus participantes, e saber sobre esses pensamentos e sentimentos cria as bases sobre a qual todos os outros aspectos do jogo possam ser construídos.
Dicas Rápidas para os Mestres
Para mestrar com eficiência, lembre-se desses pontos-chaves:
1. Conheça seus jogadores: Pergunte como eles gostam de jogar, que personagens eles querem trazer para a mesa, como eles gostam de jogar, quais objetivos eles tem em mente para seus personagens, etc! Jogadores jogam de maneira diferente e gostam de coisas diferentes, e você precisa integrar as qualidades dos jogadores, seus gostos e estilos de jogo dentro da sua campanha. Porém antes de integrar em sua campanha, você primeiro tem que saber sobre todos esses elementos!
2. O Mestre é um jogador também: o Mestre também tem algo a dizer de como o jogo está seguindo, pois foi ele que o criou. Ao mesmo tempo, entretanto, o Mestre precisa lembrar que os demais jogadores possuem seus próprios papéis na criação do jogo.
3. RPG é para se divertir: se o jogo não é divertido, descubra o que está acontecendo. Em seguida, concerte! (veja o item 4 abaixo!)
4. Converse com seus jogadores: Antes que a campanha se inicie, converse com seus jogadores (como visto no item 1). Durante o jogo, cheque com seus jogadores e veja se o jogo está acontecendo como eles estavam esperando. Se não, descubra e discuta os porquês. Se o jogo está indo bem, saiba porque e tente continuar a fazer o que você vêm fazendo! Outra coisa, se você sente que as coisas não estão indo bem, ou se o conflito surgir, imediatamente comece a conversar com seus jogadores para descobrir o que está acontecendo e como concertar o problema.
5. Jogue como Jogador ocasionalmente (opcional): As vezes é bom dar uma pausa do papel de Mestre e ver o outro lado do jogo. Você pode aprender coisas novas sobre como lidar com as situações de jogo!
6. Observe como seus jogadores interagem com o jogo e entre si: As vezes as pessoas não falam seus problemas ou o que as está aborrecendo. Observe a tensão ou o desconforto dos seus jogadores e tente discutir sobre isso, para que a solução também possa ser encontrada. Saiba também como pedir pausas, quando pedir atenção ao jogo, e quando encerrar a sessão.
Perguntas para fazer aos jogadores antes de iniciar uma campanha.
Aqui estão algumas perguntas para fazer aos seus jogadores antes de iniciar um jogo. Tenha em mente que você tem liberdade de adicionar suas próprias respostas para estas perguntas. Não será divertido para ninguém se você acabar tendo de “mestrar” algo que você mesmo odeia! Você também pode pular qualquer pergunta que deseje. Por exemplo, se você queria falar sobre a campanha de Star Wars, você já sabe o tipo de gênero e de cenário, mas não necessariamente a era do cenário! Finalmente, você não tem que ler todas essas perguntas e você pode colocar suas próprias perguntas. Esta lista de perguntas existe para incentivar a comunicação e os comentários sobre a campanha que você quer começar. Se a conversa está se afastando do objetivo que você queria, mas ainda for relevante, deixe-a acontecer até que não seja mais relevante, quando, gentilmente mas de maneira firme, você pode seguir para outra pergunta.
1. Qual gênero de campanha você gostaria de jogar? Fantasia, Terror, Ficção Científica, etc.?
2. Qual cenário dentro desse gênero você gostaria de jogar? (Isso poderia também dizer a respeito de quais regras você gostaria de jogar, porém veja a questão 7)
3. Que tempo, período ou era você gostaria de jogar?
4. Que tipo de campanha você gostaria de jogar? (Exemplos: selva, urbana, política/intriga, mata-monstros, dungeon crawl, mista, etc.)
5. Que tipos de personagens cada jogador quer jogar? (Você pode falar de maneira genérica inicialmente, mas tenha certeza de enfatizar o fato de que um jogador deveria fazer um personagem que ele se sinta confortável em jogar e não se sinta, por exemplo, forçado a jogar com um clérigo só porque o grupo não tem um curador).
6. Quais são os objetivos dos seus personagens?
7. Quais são as regras caseiras ou regras opcionais que você irá permitir ou proibir? (Nesse momento, fale sobre detalhes específicos de seu cenário de campanha, por exemplo, se elfos são permitidos, etc.)
8. Você gosta de muitas batalhas ou combates ou você prefere resolver enigmas, ou você gosta de aprender sobre as pessoas e o mundo em torno de você? (algumas pessoas adoram combates. Algumas pessoas adoram interagir com os PMs (personagens do Mestre) por horas. Alguns jogadores gostam de um equilíbrio (e pergunte sobre o que eles entendem por “equilíbrio”). Esta pergunta ajuda a descrever os diferentes tipos de jogadores em seu grupo.
9. Porque você joga RPG? (essa pergunta pode vir antes, mas você pode usá-la para descobrir mais detalhes sobre as motivações dos jogadores e sobre seus estilos de jogo).
Sobre o Autor:
Jason Nelson vivem em Seattle e é um “dono-de-casa” em tempo integral (cuidando de sua filha de 7 anos, seu filho de 4 anos e de seu novo cachorro), um estudante de meio-período (trabalhando em seu Doutorado em políticas de educação) e um ativo e compromissado cristão. Ele mestra um jogo de D&D semanalmente além de ter acabado de completar uma campanha de sete anos de Ad&D (muito modificada) em Forgotten Realms. Ele começou a jogar D&D em 1981, e também joga uma campanha quinzenal com a versão em D&D de seu primeiro personagem, (Tiaden Ludendorff, um paladino psiônico), criado a 21 anos atrás!
Publicado originalmente no site da Wizards em 22 de Fevereiro de 2002