Leia aqui a Parte 1
A neve começou a cair e deixar a o planalto todo branco. Ele sentia seu cabelo ficar úmido e passou a mão sobre eles para tentar mantê-los afastado de seus olhos. Os flocos iam caindo e se acumulando sob os corpos jazendo dilacerados no solo. O combate já tinha deixado o planalto e avançado para o meio da tribo dos Corvos Soturnos. Os Lobos Cinzentos estavam fazendo um grande estrago em sua tribo, mas para o orgulho de Olav, seus companheiros estavam vendendo caro a derrota.
O campo de batalha estava deserto, exceto pelos cadáveres dos guerreiros das duas tribos. Por todos os lados via seus companheiros, os melhores guerreiros da tribo, e os que restaram com seu pai não seriam suficientes para impedir a extinção dos Corvos Soturnos, esperava apenas que o mesmo destino caísse sobre os Lobos Cinzentos. Se dependesse de seu ódio, isso estava prestes a acontecer.
Avançava rapidamente pelo campo, primeiro em marcha e logo correndo quando avistou a primeira tenda em chamas. Mas um movimento no lado direito chamou sua atenção, e viu que um dos moribundos se arrastava com dificuldade. Seu primeiro pensamento foi deixa-lo para morrer, mas algum de seus sentidos lhe alertou para ver de quem se tratava e se aproximou. Mesmo o sujeito estando de costas, percebeu de imediato que se tratava de um mercenário.
Diminuiu o passo e começou a se aproximar com cautela. Olhou o homem rastejando e notou que ele usava um corselete tingido de vermelho, e recordou de ver armaduras semelhantes em diversos locais do campo de batalha. De um tempo para cá, não era difícil ver grupos de mercenários no campo de batalha, remanescentes de tribos extintas que sobreviviam vendendo suas armas as tribos em guerra, o que era um bom negócio, pois as tribos de Ravengard estavam sempre em guerra. No entanto nunca havia visto tamanho volume de mercenários reunidos. Bem que tinha estranhado o grande número de Lobos Cinzentos relatado pelos batedores.
Já estava em cima do homem, que deve tê-lo notado uma vez que se virou de barriga para cima. O peito do mercenário estava rasgado com um X vermelho, a ferida estava escurecendo rápido e exalava um cheiro ruim, o que significava que o homem estava condenado e dificilmente ofereceria perigo, mas talvez tivesse respostas.
– Se quer me matar, seja rápido cão – balbuciou o homem com dificuldade, finalizando a frase com uma tentativa de cusparada, mas apenas uma baba vermelha saiu de sua boca.
Olav ajoelhou em cima do saco do homem arrancando um grito abafado e mais baba com sangue.
– Eu posso acabar com a sua dor ou prolonga-la, cabe a você escolher o que prefere – respondeu-lhe aliviando a pressão do joelho.
O rosto do homem deixou transparecer apenas desprezo. Morrer gritando e pedindo misericórdia era considerado como a condenação de um homem a danação, os homens das tribos acreditavam que apenas aqueles que morriam com bravura seriam recebidos nos salões dos ancestrais, e os mercenários um dia foram homens das tribos. A reação do mercenário deixou Olav aturdido… alguma coisa estava errada ali.
Tornou a pressionar o joelho e agarrou os cabelos do homem. Colocou seu rosto de frente ao moribundo, examinando com cuidado aquele rosto barbado, com pelos loiros e de olhos verdes. Visto no campo de batalha, o homem parecia um homem das tribos, mas agora que o via mais de perto, Olav conseguia perceber alguns detalhes estarrecedores. A pele do mercenário estava marcada pelo frio, que ainda não era tão intenso nesse final de outono, e sua barba tinha sido aparada com alguma lâmina no pescoço, algo impensado para um homem das tribos.
– De onde você é? – perguntou Olav aos berros enquanto puxava violentamente os cabelos do mercenário com a sua mão única mão e pressionava o joelho. Esperou o grito de dor cessar antes de aliviar seu aperto e ouvir a resposta do mercenário. Quando recebeu apenas um olhar de desafio em retorno, se enfureceu, colocou seu escudo sobre a ferida no peito do moribundo e apertou. Um líquido escuro e espesso escorreu pelas laterais do escudo enquanto o uivo de dor subia pela garganta vermelha do mercenário. Olav temeu que pudesse ter ido longe demais e perdido o homem, mas o olhar de medo que o homem agora exibia lhe deixou mais confiante em obter respostas.
– De onde você é? – repetiu a pergunta.
– Sou um mercenário… – o homem começou a responder balbuciando.
– Nem tente, cão… – ameaçou Olav enquanto largava os cabelos do mercenário e sacava uma de suas machadinhas – … ou eu abro mais um pouco as suas feridas.
– Sou um mercenário – gritou o homem. – Sou um mercenário do império. – tossiu e cuspiu mais um pouco de sangue – Eu e meus companheiros fomos contratados para vir às terras dos bárbaros e ajudar as guerras das tribos.
– E por que sulistas iam querer vir para as terras do inverno se envolver em guerras que não lhe diz respeito? – perguntou Olav achando aquela explicação um tanto quanto estarrecedora, mas estranhamente verdadeira. Soltou a arma e segurou a cabeça do moribundo uma vez mais para ajudar as palavras a saírem com mais facilidade.
– Enquanto vocês ficam se matando uns aos outros… – mais um pouco de tosse e um suspiro – … nós do império não precisamos nos preocupar com vocês.
A resposta pegou Olav desprevenido e o deixou desnorteado, largando a cabeça do mercenário abruptamente a fazendo bater contra o chão. Ele se levantou e ficou olhando para as chamas que subiam da sua tribo, indiferente as lamúrias que o moribundo deixava escapar.
– Só meu diga mais uma coisa – ajoelhou-se repentinamente ao lado do mercenário. – Ulfgar sabia disso quando os contratou?
– Não… que… eu… saiba… – balbuciou as palavras tão baixo que Olav teve que ir se abaixando cada vez mais para ouvi-las.
A fúria do Corvo Soturno era tamanha que ele pegou a machadinha e com apenas um golpe decepou a cabeça do moribundo. Eram muitas informações para sua cabeça. Em algum lugar distante, um imperador ficava fomentando a guerra entre os povos das tribos para proteger seu reino. Seus familiares e amigos haviam morrido por causa dos caprichos desses homens inescrupulosos.
Olav se levantou e voltou a correr para sua tribo. Se era ignorante ou não, o que Ulfgar fez não tinha perdão. Ele iria matar o Lobo Cinzento depois ia atrás desse imperador.
Por Rafael Silva