Continuando a série de textos dedicados aos clãs de Rokugan, o segundo texto trata do clã mais político e artístico do império, cuja beleza e perfeição de seus samurais ajudaram a consolidar a fama deste clã.
CLÃ GARÇA (CRANE)
Visão Geral
O clã Garça foi fundado por Lady Doji, um dos filhos do Sol e da Lua que caíram nas terras de Rokugan. Doji era muito sábia e se esforçou muito para trazer um pouco de civilidade para o mundo mortal. Ela criou a escrita rokugani, desenvolveu as regras de etiqueta e ajudou a moldar política e diplomacia do império com a criação da corte imperial. Desenvolveu o sistema de castas de samurai e heimim, as regras de comércio e economia, além de ser a conselheira pessoal do imperador Hantei
A sua mão foi concedida pelo imperador a um jovem guerreiro mortal chamado Kakita, que havia se tornado campeão esmeralda, o campeão pessoal do imperador. Kakita desenvolveu a técnica de luta conhecida como iaijutsu e até hoje é reconhecido como um dos maiores samurais que já existiu, sendo sua técnica estudada pelos guerreiros de todos os clãs.
A união desses dois personagens moldou o clã Garça no que ele se tornou hoje, sendo seus políticos reconhecidamente influentes na corte imperial e seus guerreiros os mestres do duelo de iaijutsu. Com a proximidade com a corte imperial, desde o tempo de sua fundadora, o clã sempre esteve nas graças do imperador, o que o favoreceu muito ao longo de sua história.
Por isso, os samurais do clã Garça geralmente são concebidos como pessoas belas e graciosas, extremamente educadas e versadas nas regras de etiqueta. Mesmo seus guerreiros tendem a valorizar mais a precisão e perfeição de movimento a força bruta. A proximidade com a corte imperial pode deixá-los um pouco arrogantes, principalmente ao lidar com samurais menos polidos. Mas apesar de sua abordagem ser outra, esses samurais, assim como os samurais dos outros clãs, almejam a proteção do império, o que os diferencia é que estão acostumados a lutar em outro campo de batalha, a corte imperial.
História
A história do clã Garça se mistura com a história da própria corte imperial, uma vez que essa foi criada por Lady Doji e, durante a dinastia Hantei, geralmente a esposa escolhida pelo imperador era proveniente do clã Garça. Por isso o clã sempre obteve grandes vitórias políticas na corte e esteve nas graças do imperador, mas nem por isso sua história é menos sangrenta que as dos outros clãs.
Logo no inicio do império, após eclodir a guerra contra Fu Leng, Lady Doji perdeu dois de seus filhos, Doji Yasurugi, morto por um oni antes de se tornar o trovão do clã Garça, e sua irmã gêmea Doji Konishiko, que assumiu seu lugar. Outro de seus filhos, Doji Hayaku entrou nas Shadowlands para recuperar a espada de seus irmãos e foi deformado pela mácula e teve a garganta cortada perdendo a fala. No entanto ele cumpriu sua missão e após três anos retornou com a espada e a entregou para sua mãe, como recompensa ele recebeu a permissão de criar a família Daidoji, os protetores de Doji.
Pouco depois dessa época, Lady Doji também perdeu seu marido. Kakita possuía uma certa rivalidade com Mirumoto, apesar de nunca terem se enfrentado. Sua rixa era no âmbito filosófico, pois o texto de seu tratado “A Espada” era uma resposta ao tratado de Mirumoto “Ninten”. Em uma oportunidade, Kakita enfrentou o filho de Mirumoto, Mirumoto Hojatsu, e reconhecendo as habilidades de ambos, nenhum foi declarado vencedor. Mas seu segundo duelo foi fatal, e apesar de Kakita sobreviver, ele foi mortalmente ferido e se jogou sobre a espada de Mirumoto reconhecendo que o duelo não deveria ter um vencedor.
Alguns anos depois, um furioso shugenja chamado Isawa Asahina assolou as terras do clã Garça, inconformado com a intromissão do clã em uma desavença entre os clãs Fênix e Leão. O shugenja devastou diversas vilas, matando muitas pessoas e foi interceptado pela filha do campeão do clã, Doji Kitiko. Para não deixar que mais inocentes morressem, ela se jogou na frente de uma das magias conjuradas pelo shugenja, sendo ferida mortalmente. O shugenja se comoveu com ato de bravura e se arrependeu de seus atos. Ele cuidou dos ferimentos de Doji Kitiko e casou-se com ela, abandonou o clã Fênix e formou a família de shugenjas do clã Garça, Asahina.
Não muito tempo depois, o clã da Garça enfrentou um dos maiores conflitos de sua história, a primeira guerra em larga escala entre os clãs noticiada, devido a debandada da família Yasuki para o clã Caranguejo. O conflito só se encerrou devido a intervenção do trono imperial, mas a animosidade entre os clãs perdurou por séculos.
Após esse episódio, o clã Garça não passou por muitas turbulências, mas o que veio a seguir quase acabou com o clã. Durante a Guerra dos Clãs, o imperador Hantei XXXIX tomou como esposa Kachiko do clã escorpião e esposa do usurpador Bayushi Shoju. Acontece que Kachiko teve um caso com Doji Hoturi, campeão do clã Garça, mas ele inadvertidamente acabou matando seu filho durante o combate para reaver a capital do império em poder do Escorpião, e ela jurou vingança contra Hoturi. Kachiko o sequestrou e utilizou um artefato para criar uma cópia maléfica de Hoturi, que manchou a honra do clã com seus atos e quase devastou o clã inteiro com sua tropa de criaturas corrompidas. A destruição só não foi completa por que o verdadeiro Hoturi conseguiu escapar e derrotar sua cópia provando ser o verdadeiro campeão do clã Garça.
Nem bem o clã havia se recuperado, durante a Guerra contra a Escuridão Traiçoeira, o clã foi manipulado e entrou em uma guerra civil entre Doji e Daidoji. O conflito foi um duro golpe no clã que quase se partiu ao meio, mas conseguiu ver a verdade dentro das maquinações do verdadeiro inimigo e seu uniu aos demais clãs para derrotar a Escuridão Traiçoeira.
E durante o período conhecido como Quatro Ventos, o clã Garça viu o conflito com o clã Caranguejo pela posse da família Yasuki renascer. Devido a morte do daymio da família sem deixar herdeiro, e sua ascendência estar relacionada com o clã Garça, uma guerra sangrenta começou e perdurou por muito tempo. Atualmente há uma trégua frágil, mas que até o momento conseguiu conter os ânimos de ambos os clãs.
Considerando o estereotipo do samurai do clã Garça de artista e político, podemos ver que o clã passou por diversas guerras e mesmo assim se manteve como um dos mais influentes na corte imperial. Por isso podemos considerar que os cortesãos do clã Garça realmente são muito habilidosos em sustentar a posição do clã, mas também que seus guerreiros são valentes e determinados o suficiente para assegurar a soberania do clã nos tempos de dificuldade. E um clã que consegue ser eficiente nestes dois campos de batalha tem uma grande vantagem em relação aos outros.
Famílias
As famílias do clã Garça são muito unidas, quase não havendo divergências entre elas. Uma das razões pode ser o fato de que as quatro famílias tem papéis complementares dentro do clã: Asahina são os shugenjas e pacifistas do clã, Daidoji são os guerreiros e yojimbos, Doji são os líderes e cortesão e Kakita são os artesões e duelistas.
Outra razão pode ser o fato de que as quatro famílias estão ligadas a fundadora do clã, Lady Doji. Os Doji, os Kakita e os Daidoji foram fundados por seus descendentes diretos, enquanto a família Asahina surgiu da união de Isawa Asahina com Doji Kiriko.
Asahina
A família Asahina surgiu da devastação causada por Isawa Asahina nas terras do clã Garça, causando destruição e a morte de várias pessoas. Depois de se unir a Doji Kiriko, após se arrepender de seus atos, e ser honrado com o direito de formar uma família dentro do clã, Asahina pregou junto com seus descendentes o caminho do pacifismo.
Enquanto os shugenjas normalmente são avessos as questões políticas e de guerra, os Asahina são completamente contrários a tais assuntos, frequentemente levando vidas ascéticas e dedicadas ao aprimoramento pessoal e social e a todas as formas de arte, especialmente a criação de objetos mágicos conhecidos como tsangusuri (fetiche).
Os dojo Asahina pregam o pacifismo e se recusam a ferir qualquer tipo de criatura viva. Quando eles auxiliam na defesa do clã, eles usam suas habilidades para enfraquecer o inimigo e diminuir as fatalidades. A família desencoraja qualquer pensamento belicoso e mesmo se recusa a treinar qualquer pessoa que tenha mentalidade contrária a filosofia da família.
A única exceção é reservada as criaturas das Shadowlands. E mesmo esse assunto divide opiniões dentro da família. Com o argumento de que tais criaturas não são nativas desse plano, mas sim do Jigoku (um tipo de inferno rokugani), elas não podem ser consideradas criaturas vivas, e seu extermínio é necessário para manter a Ordem Celestial. Por enquanto esse argumento não tem encontrado oposição dentro da família.
Grande parte da família vive em Shinden Asahina, uma fortaleza que abriga um grande templo e é considerado um dos locais sagrados do império, sendo visitado por milhares de peregrinos todos os anos trazendo oferendas e buscando paz para suas meditações. As paredes do templo são decoradas com pinturas e entalhes sobre passagens do Tao ou histórias do clã. A maioria da decoração foi feita pelo próprio Asahina, servindo para mostrar como a devoção a arte pode trazer beleza e bondade para o mundo.
Daidoji
Como seu próprio nome significa (protetor de Doji), essa família é dedicada a proteção não só da família Doji mas do legado da criadora do clã. Dessa forma a família Daidoji serve como a força protetora do clã Garça, se dedicando de corpo e alma a esse dever. No seu gempuku (ritual de maioridade), um samurai Daidoji tatua o mon da família em seu punho como símbolo de sua devoção completa a família e ao clã.
Os Daidoji são notoriamente discretos e silenciosos, servindo como excelentes yojimbo aos cortesão Doji. Mas essas característica também os torna mortíferos a seus inimigos, compondo tropas silenciosas e alertas, prontas para avançar desapercebida pelo flanco do exército inimigo. Isso faz com que sejam acusados por certos opositores de que são desonrados, mas a família responde que está disposta a sacrificar sua honra para proteger o clã.
Conta-se que a família possuía uma tropa de elite de samurais extremamente furtivos, que usavam de métodos desonrados na defesa do clã. Essa tropa, inclusive, contribuiu para que o mito do ninja fosse disseminado pelo império. Ao que parece, a Guerra da Seda e Aço contra o clã Dragão foi motivada pela manutenção dessa tropa pelo clã Garça, que foi obrigado a desonra dentro de suas fileiras. Ao final, o dojo da tropa foi destruído e não há sinais de que tenha havido sobreviventes.
Mas não são apenas os métodos dos guerreiros Daidoji que são polêmicos, pois todos os Daidoji costumam ligar com dinheiro e com comércio, assuntos em que samurais normalmente não se envolvem. O acumulo de dinheiro é justificado como necessário a manutenção das defesas do clã. Acusações de contrabando e roubo de mercadorias não são tão raros, mas até hoje os cortesãos Doji conseguiram refutar tais insinuações.
Não seria estranho descobrir que tais acusações são verdadeiras, pois os Daidoji estão prontos para executar qualquer tipo de tarefa que seja necessária para a proteção do clã.
Essa disposição para fazer o que é necessário tornou os Daidoji respeitados pelos samurais do clã Caranguejo que os chamam de Garças de Ferro. Inclusive não é incomum encontrar guerreiros Daidoji lutando ao lado dos Caranguejos na Muralha Kaiu. Frequentemente os jovens samurais são enviados para lá aprender as táticas de guerra do clã vizinho.
Doji
Fundada por Lady Doji, conselheira pessoal do imperador Hantei e criadora de diversas formas de arte de Rokugan, essa família carrega o legado de uma das figuras mais carismáticas do império. Lady Doji criou não só formas de arte, mas também deu formato a civilização rokugani criando a divisão de classes e a política, então é natural que essa família proveja os cortesãos mais proeminentes do império, que vem trabalhando a mais de mil anos para manter os diversos clãs unidos ao redor da figura do imperador.
O primeiro imperador Hantei casou-se com uma Doji, e durante milênios seus descendentes seguiram o exemplo. Isso fez com que a influência da família se renovasse a cada reinado. No entanto, o sucesso de seus cortesãos não pode ser reduzido a esse fato, pois eles sãos os mestres no delicado jogo de poder que envolve a política rokugani. Além de servirem como conselheiros, os Doji podem ser encontrados em todos os níveis da burocracia imperial, fazendo o sistema concebido por Lady Doji continue a funcionar.
Mas a corte imperial não é um local tranquilo, e sim um verdadeiro campo de batalha, onde cortesãos de todos os clãs se digladiam incessantemente. Como o clã Garça possuem terras férteis e ricas, além de prestigio na corte imperial, não são poucos que gostariam de vê-los em uma posição menos vantajosa. Para se protegerem, os cortesãos Doji contam com a proteção de seus yojimbos Daidoji e com duelistas Kakita como seus campeões em duelos declarados. No entanto o maior temor desses políticos não é um ataque contra suas vidas, mas sim uma palavra errada dita em uma hora inapropriada, o que pode resultar em um desastre na política do clã.
Os Doji são reconhecidamente os ícones de elegância e estilo do império. Bem educados e graciosos, eles parecem estar sempre dispostos a ajudar seus amigos com favores. De fato é raro encontrar um daimyo em Rokugan que não conte com um Doji em seu círculo de amizades. Além de agradáveis, eles costumam presentar seus amigos (e inimigos) com o que há de melhor. Por isso sua amizade é valorizada.
A relação da família Doji com as artes data da época que sua fundadora se encontrou com Shinsei, e a ela o pequeno mestre revelou a importância de se apreciar a beleza existente em todas as coisas. Desde então, os Doji cultivam e compartilham a visão de apreciação das coisas belas da vida, seja uma pintura, o pôr-do-sol ou beber água límpida de uma nascente.
Kakita
Nenhuma família em Rokugan está propensa a ser reconhecida como a mais devotada em dominar um estilo como a família Kakita. Essa dedicação a perfeição vem de seu fundador, Kakita, um reconhecido artista que dedicou sua via a dominar a arte da música e a arte da espada. Foi ele quem criou o estilo conhecido como iaijutsu, utilizado até hoje em duelos de espada. Seu livro A Espada é um dos documentos fundamentais do império, sendo estudo obrigatório em todas as escolas de guerreiros dos clãs.
Por ser um artista renomado e estudioso de várias formas de arte, ao fundar a sua Academia, Kakita incluiu o estudo em diversos estilos de arte em seu currículo, o que deu origem a escola de duelistas e a escola de artesãos.
Essas escolas são consideradas referências para outras escolas de artesãos pelo grau de excelência de seus mestres. Diz-se pelo império que, um artista não pode ser bom até que seu trabalho seja avaliado por um mestre Kakita, eles são o padrão de excelência do império.
A maioria dos samurais Kakita se tornam artistas renomados, seja artesãos ou duelistas, mas a segunda é considerada um pouco mais gloriosa, afinal essa é considerada a primeira arte de Kakita. Mas é preferível para uma família ter um excelente artista de ikebana do que um duelista medíocre, assim a criança é deixada para ir a escola que tenha maior afinidade.
No entanto, uma vez que a escola de duelistas seja escolhida, espera-se que a criança se comprometa totalmente. Falhar por falta de talento é desculpável, mas falhar por falta de empenho é considerado um falta grave. Os mestres Kakita irão levar seus alunos ao extremo, elevando o nível de dificuldade de seus ensinamos conforme eles vão progredindo em seu aprendizado.
Mesmo após ter se formado, é esperado que o samurai Kakita busque aperfeiçoar sua técnica constantemente. Diz um ditado Kakita que o corte perfeito existe em todas as formas de arte, e cabe ao artista encontrá-lo.
Conclusão
Podemos notar pela descrição das famílias como o clã é dedicado a visão de sua fundadora de beleza e civilidade e como ele se mantém unido para manter essa visão. Como é um clã rico e relativamente protegido, é fácil perceber porque grandes artistas nascem nesse clã, tendo uma vida inteira para desenvolver e aprimorar sua arte sem se preocupar em ser atacado a qualquer momento.
Percebe-se também que apesar de todos as complicadas regras de etiqueta que envolvem a política imperial, o clã tem um objetivo muito claro de manter o império unido e fortalecido ao redor da figura do imperador, pois como todos os clãs seu interesse é preservar o império, e a união dos clãs é a única forma de tornar isso viável.
O clã Garça é muito político e grande parte de sua dedicação é voltada para a corte imperial, favorecendo a criação de personagens familiarizados com os costumes rokugani, mas nem por isso menos acostumados com situações de combate.
Escolha ser um samurai do clã Garça se você deseja ser:
- um shugenja pacifico focado em magia de suporte e com conhecimento para criar diversos itens mágicos;
- um guerreiro destemido com grande habilidade defensiva e pronto para se lançar em defesa de seu protegido;
- um cortesão versado na política e etiqueta da corte o que lhe permite criar uma rede de aliados prontos a lhe ajudar em momentos de necessidade; ou
- um duelista rápido e preciso, pronto para entrar em qualquer duelo seja pela honra do clã ou para aprimorar sua técnica.
Por Rafael Silva